COISAS DA VIDA
Rita Lee
Quando a lua apareceu
Ninguém sonhava mais do que eu
Já era tarde
Mas a noite é uma criança distraída
Depois que eu envelhecer
Ninguém precisa mais me dizer
Como é estranho
Ser humano nessas horas de partida
É o fim da picada
Depois da estrada começa uma grande avenida
No fim da avenida
Existe uma chance, uma sorte, uma nova saída
Qual é a moral? Qual vai ser o final?
Dessa história...
Eu não tenho nada pra dizer, por isso digo
Eu não tenho muito que perder, por isso jogo
Eu não tenho hora pra morrer, por isso sonho
São coisas da vida
E a gente se olha e não sabe se vai ou se fica...
SÓ
DÁ RITA
Por Fábio Brito
Ouvi Rita
Lee pela primeira vez em 1976, quando foi ao ar a novela "O casarão", de Lauro César
Muniz, em cuja trilha sonora estava "Coisas da vida", uma das mais
belas canções da "rainha do rock". E é exatamente essa canção que
Rita escolheu para "abrir" sua autobiografia, lançada pela Editora
Globo. E é exatamente dessa canção que me lembro quando o assunto é
"música preferida do repertório da Rita". E foram exatamente versos
da letra dessa canção que enviei a amigos quando meu pai faleceu: "Como é
estranho / ser humano nessas horas de partida".
Pois é, e são
"coisas da vida" que nossa Rita Lee - de maneira genial - conta em
"Rita Lee: uma autobiografia", que li num fôlego só. Não só li. Li e
voltei a ler vários trechos, sempre grifando e fazendo anotações (não
aguento ler sem um lápis por perto). Mais: li e comprei um exemplar para uma amiga, a quem telefono para comentar sobre vários trechos (temos dado boas risadas ao telefone). "Que texto bem escrito!" é o
comentário que mais tenho ouvido sobre essa autobiografia, que está excelente mesmo. Além
de muito bom humor e ótimas doses de ironia, o texto é sensível, é literário.
Chorei e e ri bastante durante a leitura. Ou melhor, durante as
leituras. Que naturalidade! Que espontaneidade! Em verdade, Rita conversa com a gente.
Sobre os
momentos hilários, há vários. Um, por exemplo, envolve a Rita ainda ginasiana,
que não parava de conversar e era sempre expulsa da classe. A professora de
francês já entrava na sala dizendo, em francês, que, se "mademoiselle”
Rita conversasse, sairia da sala. E "mademoiselle" Rita
"bavardava" e "sortia" da classe, como narra a própria
Rita, fazendo uma brincadeira com os verbos "bavarder" (tagarelar,
falar demais) e "sortir" (sair). A menina aprontava todas. Ainda na
escola, mas durante o primário, ela conta que, no recreio, subia
"numa" mangueira que ficava no pátio e de lá só saía quando era
chegada a hora de ir embora. Era para ler Monteiro Lobato, que não poderia ser
trocado pelas aulas sem graça da professora. Eis aí uma menininha já muito à
frente de tudo e de todos. Tempos depois, os momentos hilários não cessariam. Pagando
mico ao imitar uma cantora famosa que estava - sem que ela soubesse - na plateia de um de seus shows, contando como surgiu o nome bauretz ou narrando os bastidores do programa “Mulher 80”, a escrita de Rita
é sempre contagiante.
Momento
especial e comovente é quando, por exemplo, ela relata a visita que recebeu de
Elis Regina quando esteve detida e grávida de seu primeiro filho. Num momento
de solidariedade poucas vezes visto, Elis, levando o filho João Marcello, foi
ao “Hipódromo” enfrentando todo o mundo, ameaçando chamar a imprensa e convocar
uma coletiva para denunciar o que estava acontecendo com sua amiga Rita Lee. Um detalhe interessante é que a Pimentinha foi visitá-la exatamente no dia em que Rita estava tendo
um sangramento (só pode ter sido "manobra" de seu Anjo da Guarda, como afirma a própria Rita). Sendo Elis quem era - a maior cantora do Brasil, "a musa 'mor' da MPB, a number one - ninguém era atrevido o
bastante para mexer com ela, que só saiu de lá depois que chamaram um médico. Rita
jamais se esqueceu disso. Num episódio mais recente em que esteve envolvida e
nenhum artista saiu em sua defesa, ela lamentou “a falta que faz uma Elis”.
Se há muitos momentos
especiais e comoventes, ironias também não faltam. Depois de uma cirurgia nas
cordas vocais, ela fora avisada de que os agudos não seriam mais os mesmos,
além de ter de ficar muda durante um mês. Sem problemas! Deu para constatar
quantas bobagens ouvimos e deixamos de falar, ela disse. Perdeu os agudos? Tudo
bem. Para quem não tinha nem médios e nem graves, não fez diferença. Só Rita!
Ao “divagar”,
ela afirma não se apegar – em virtude de um “fora-modismo elegante” - ao que
chama de “mundinho ‘podrera’ de hoje”. É, Rita, concordo com você: também “tô”
chegando à conclusão de que algo deu errado no que diz respeito à raça humana.
Ela não deu muito certo mesmo. Está tudo torto! Política que destrói liberdade, jornalismo que destrói informação e por aí afora. É dose estar
neste mundo de hoje! Também sinto-me um parafuso fora da engrenagem. Este mundo não me pertence.
Nossa “rainha
do rock” está, agora, numa fase mais tranquila, “meditante”, como ela diz, mas
não nega as anteriores, assume tudo, tanto que afirma não fazer a linha
“ex-vedete-neo-religiosa”. Diz que o que ela conta nesse livro é a “sua”
história, ou seja, a história interpretada por alguém que fez/faz parte dela. Contar tudo
de próprio punho não é para qualquer um. Se ela quisesse bajulação (ela usa a
expressão “babação de ovo”), era muito fácil: bastaria contratar um ghost-writer,
que escreveria uma “autorizada”. Ui! Que alfinetada! Chapa-branca não dá! Muito
obrigado, Rita, por essa escrita autêntica e sincera.
P.S.:
Foi para o "show" Trem Azul (e não para o Falso Brilhante) que Elis copiou o "modelito" da capa do Lança Perfume, álbum da Rita.
Marília Gabriela e Ney Gonçalves Dias "comandavam" a mesa do programa TV Mulher, ou seja, eram os "apresentadores". Clodovil e Marta Suplicy, entre outros, tinham quadros nesse programa.
No espelho não é eu, sou mim.
Não conheço mim, mas sei que é eu, sei sim.
Eu é cara-metade, mim sou inteira.
Quando mim nasceu, eu chorou, chorou.
Eu e mim se dividem nunca só certeza.
Alguém dentro de mim é mais eu do que eu mesma.
Eu amo mim
Mim ama eu.
BALADA DO LOUCO
P.S.:
Foi para o "show" Trem Azul (e não para o Falso Brilhante) que Elis copiou o "modelito" da capa do Lança Perfume, álbum da Rita.
Marília Gabriela e Ney Gonçalves Dias "comandavam" a mesa do programa TV Mulher, ou seja, eram os "apresentadores". Clodovil e Marta Suplicy, entre outros, tinham quadros nesse programa.
DANÇAR PRA NÃO DANÇAR
Rita Lee
Dance,
dance, dance
Gaste
um tempo comigo
Não,
não tenha juízo
Dê-se
ao luxo de estar sendo fútil agora
Dance,
dance, dance
Faça
como Isadora
Que
ficou na história
Por
dançar como bem quisesse
Um
movimento qualquer
Sobe
à cabeça e os pés
Sinta
o corpo
Você
está solto
E
pronto pra vir
Dance,
dance, dance
Passe
as horas comigo
Nesse
duplo sentido
No
barato de ser um ser vivo, ainda
Dance,
dance, dance
Num
programa de índio
Vá
rodar um cachimbo
Que
é pra paz não dançar na tribo
Um
movimento qualquer
Sobe
à cabeça e aos pés
Sinta
o corpo
Você
está solto
E
pronto pra vir me amar
MODINHA
Rita Lee
Quem
é que pode ser gigante nesse mundo
tão
pequeno?
Como
é que faz pra gente ser feliz e rico ao
mesmo
tempo?
Eu
não sei, mas eu vou tentar
Todo
remédio que me cura tem uma contraindicação
O
que faz bem pra alma pode fazer mal pro coração
De
quem tem pressa de chegar
Ai
quem me dera um dia
Ficar
de papo pro ar
Tirando
um som
Numa
viola...
E
quanto mais a gente ganha, mais a gente vai perder
Porque
essa vida tá ficando um osso duro de roer
E
então acho bom lembrar...
Que
o passarinho na gaiola não esquece de cantar
Que
uma criança nunca briga se ela aprende a
brincar
de amar
como
tem que ser
Ai
quem me dera um dia
Ficar
de papo pro ar
Tirando
um som
Numa
viola...
ATLÂNTIDA
Rita Lee / Roberto de Carvalho
Atlântida
Reino
perdido
De
ouro e prata
Misteriosa
cidade...
Atlântida
Terra
prometida
Dos
semideuses
Das
sereias douradas
Eu
sou um pescador
Que
parte toda manhã
Em
busca de um tesouro
Perdido
no fundo do mar
Desde
o Oiapoque
Até
Nova York se sabe
Que
o mundo é dos que sonham
Que
toda lenda é pura verdade...
PAGU
Rita Lee / Zélia Duncan
Mexo,
remexo na inquisição
Só
quem já morreu na fogueira
Sabe
o que é ser carvão
Eu
sou pau pra toda obra
Deus
dá asas à minha cobra
Minha
força não é bruta
Não
sou freira nem sou puta
Nem
toda feiticeira é corcunda
Nem
toda brasileira é bunda
Meu
peito não é de silicone
Su
mais macho que muito “home”
Sou
rainha do meu tanque
Sou
Pagu indignada no palanque
Fama
de porra-louca, tudo bem
Minha
mãe é maria-ninguém
Não
sou atriz/modelo/dançarina
Meu
buraco é ais em cima
NOVIÇAS DO VÍCIO
Roberto de Carvalho / Rita Lee
As noviças do vício
Não medem sacrifícios
Fazem altas baixarias
Por um resto de sucesso!
Ratazanas da publicidade
Pérolas da vulgaridade
Elas pecam pelo excesso
E morrem pela falta!
Noviças do vício
Falange pastiche
Elas jamais serão Marlene Dietrich
Só noviças
Noviças do vício
Só, só, só
Só noviças
Noviças do vício
As noviças do vício
São ossos do ofício
Coqueluche indesejável
Patronesses do insuportável
BEM-ME-QUER
Rita Lee / Roberto de Carvalho
Diga que me odeia
Mas diga que não vive sem mim
Eu sou uma praga
Maria-sem-vergonha do seu jardim
Você tem ciúme
Mas gosta de me ver rebolar
Eu topo tudo
Sou flor que se cheire em qualquer lugar
Bem-me-quer, mal-me-quer
Bem-me-quer, mal-me-quer
Rasgue minha roupa
Mas, por favor, não dê beliscão
Eu fico nua
Depois você reclama quando chamo atenção
Xingue minha laia
Mas venha me fazer cafuné
Eu faço greve
Até você me amar ou dar um pontapé
NEM LUXO NEM LIXO
Rita Lee / Roberto de Carvalho
Como vai você?
Assim como eu
Uma pessoa comum
Um filho de Deus
Nessa canoa furada
Remando contra a maré
Não acredito em nada
Até duvido da fé
Não quero luxo nem lixo
Meu sonho é ser imortal, meu amor
Não quero luxo nem lixo
Quero saúde pra gozar no final
BAILA COMIGO
Rita Lee
Se Deus quiser
Um dia eu quero ser índio
Viver pelado pintado de verde
Num eterno domingo
Ser um bicho-preguiça
Espantar turista
E tomar banho de sol
Banho de sol, banho de sol, sol!...
Se Deus quiser
Um dia acabo voando
Tão banal assim como um pardal
Meio de contrabando
Desviar do estilingue
Deixar que me xinguem
E tomar banho de sol
Banho de sol, banho de sol, banho de sol
Baila comigo
Como se baila na tribo
Baila comiog
Lá no meu escondirijo
Se Deus quiser
Um dia eu viro semente
E quando a chuva molhar o jardim
Ah! Eu fico contente
E na primavera
Vou brotar na terra
E tomar banho de sol
Banho de sol, banho de sol, sol!...
Se Deus quiser
Um dia eu morro bem velha
Na hora "h" quando a bomba estourar
Quero ver da janela
E entrar no pacote
De camarote
E tomar banho de sol
Banho de sol, banho de sol, banho de sol
Baila comigo...
AMOR E SEXO
Rita Lee / Roberto de Carvalho / Arnaldo Jabor
Amor é um livro
- Sexo é esporte
Sexo é escolha
- Amor é sorte
Amor é
pensamento, teorema
Amor é novela -
Sexo é cinema
Sexo é
imaginação, fantasia
Amor é prosa -
Sexo é poesia
O amor nos
torna patéticos
Sexo é uma
selva de epiléticos
Amor é cristão
- Sexo é pagão
Amor é
latifúndio - Sexo é invasão
Amor é divino -
Sexo é animal
Amor é bossa
nova - Sexo é carnaval
Amor é para
sempre - Sexo também
Sexo é do bom -
Amor é do bem
Amor sem sexo é
amizade
Sexo sem amor é
vontade
Amor é um -
Sexo é dois
Sexo antes -
Amor depois
Sexo vem dos
outros e vai embora
Amor vem de nós
e demora
EU E MIM
Rita
Lee / Roberto de Carvalho
No espelho não é eu, sou mim.
Não conheço mim, mas sei que é eu, sei sim.
Eu é cara-metade, mim sou inteira.
Quando mim nasceu, eu chorou, chorou.
Eu e mim se dividem nunca só certeza.
Alguém dentro de mim é mais eu do que eu mesma.
Eu amo mim
Mim ama eu.
BALADA DO LOUCO
Rita
Lee / Arnaldo Baptista
Dizem que sou
louco
Por pensar
assim
Se eu sou muito
louco
Por eu ser
feliz
Mais louco é
quem me diz
E não é feliz,
não é feliz
Se eles são
bonitos
Sou Alain
Delon/(Eu) sou Sheron Stone
Se eles são
famosos
Sou
Napoleão/I’m a Rolling Stone
Mais louco é
quem me diz
E não é feliz,
não é feliz
Eu juro que é
melhor
Não ser o
normal
Se eu posso
pensar
Que Deus sou eu
Se eles têm
três carros
Eu posso voar
Se eles rezam
muito
Eu já estou no
céu
Mais louco é
quem me diz
E não é feliz,
não é feliz
Eu juro que é
melhor
Não ser o
normal
Se eu posso
pensar
Que Deus sou eu
Sim, sou muito
louco
Não vou me
curar
Já não sou o
único
Que encontrou a
paz
Mais louco é
quem me diz
E não é feliz
Eu sou feliz!
MANIA DE VOCÊ
Rita Lee / Roberto de Carvalho
Meu bem, você me dá água na boca
Vestindo fantasias, tirando a roupa
Molhada de suor de tanto a gente se beijar
De tanto imaginar loucuras!
A gente faz amor por telepatia
No chão, no mar, na lua, na melodia
Mania de você
De tanto a gente se beijar
De tanto imaginar loucuras!
Nada melhor do que não fazer nada
Só pra deitar e rolar com você!
OVELHA NEGRA
Rita Lee
Levava uma vida sossegada
Gostava de sombra e água fresca
Meu Deus, quanto tempo eu passei
Sem saber
Foi quando meu pai me disse:
"Filha, você é a ovelha negra da família
Agora é hora de você assumir e sumir"
Baby, baby, não adianta chamar
Quando alguém está perdido
Procurando se encontrar
Baby, baby, não vale a pena esperar
Oh, não!
Tire isso da cabeça
E ponha o resto no lugar
Ovelha negra da família
Não vai mais voltar
Não, vai sumir
À nossa mais completa tradução
Caio Fernando Abreu
Partir
é bom, voltar é melhor. Partir é de avião, mesmo não sendo. Você louco pra ver
pelas costas o que fica: mulher, amigo, trabalho, cidade, picuinha cotidiana.
Voltar é de trem, mesmo não sendo também. E você louco pra ver crescer devagar,
na curva do monte, a cara desse pão nosso de cada dia. Pela frente. Voltar é de
frente, partir de costas. Ficar eu não sei. Talvez de perfil, assim um tanto
egípcio?
Mesmo
de avião, voltei de trem. Cinco anos longe deste Caderno 2, 10 meses fora de Sampa.
Até que posso, mas não quero viver sem. Voltando ressabiado, reticente e
escaldado, dei de cara com Ela – de quem Caetano uma vez disse, e tudo que ele
diz eu fico atento, ser a nossa mais perfeita tradução. Bracejando no mar de
adrenalina da Paulista, comprei o disco de Rita Lee. E meu velho sangue
roqueiro de dinossauro pop tornou a ferver. A velha senhora indigna, dessa
geração que descobriu um poço de desejos debaixo do travesseiro no Reino das
Águas Claras, continua com seu humor diabolicamente inteligente. Wow!
Não
posso viver sem Sampa, não posso viver sem Rita. Nem sequer, najas queridas e
já a postos, nos conhecemos direito.
Fora do palco-plateia só nos vimos uma vez, na casa de Vânia Toledo,
logo depois que eu a defendera aqui mesmo de certo, digamos, Notório Jovem
Crítico de Maus Bofes. Ele a acusara de
estar na “menopausa (sic!) criativa”. Estavas, perguntaram? Rita já rolou (e
eu? E eu?) por todo o tobogã do baixo-astral tupiniquim – um dia deusa, noutro
cadela – e sempre foi melhor que tudo que disseram, inclusive os elogios.
Rita
e São Paulo. Pauleira, barulheira, gritaria: high-speed. E sem que ninguém
espere, um interior bossa-nova, de luz baixa e som mansinho. Oh paulistanos de
nervos repuxados como a cara das atrizes que se recusam a envelhecer, ouçam
Rita Lee. Ela nos ensina o jeito de lidar com esta cidade onde você às vezes
vegeta, às vezes é canibal. Audaciosa, perniciosa, tinhosa e horrorosa como a Drag Queen de Antônio Bivar; necessitada
de mais tempo, dinheiro e amor para matar o dragão; erótica e violentamente zen
na sabedoria que só pterodáctilos feito ela (e eu? e eu?) estão cansados de
saber que “nada tem fim, as coisas só se transformam”, mãe de família filósofa
desbundada sobrevivente mutante: preciso de Rita como preciso desta cidade.
Espelhos, paradisíaco inferno, refletindo meu avesso.
Tenho
razões, ora, se não. Sozinho feito uma Laika, já ouvi Rita no walk-man, 17
abaixo de zero, neve batendo na cara, entre os junkies de Camden Town. Já ouvi
Rita num TGV a mil por hora – eu ia ser feliz, não tinha tempo a perder. Já
ouvi Rita de porre, fazendo amor, picando cenoura, pedindo carona, de
saia-justa, deprê e piradão. Todas as vezes, me senti até o resto dos cabelos
que me restam me restam metido nesta “coisa” paulistana: metrópole Gremlim distendendo
seus tentáculos de néon e cólera em direção ao Terceiro Milênio. Identidade,
Rita nos dá.
Me
arrepio quando a ouço receber a Brigitte Bardot
anos 60, quando o Brasil era chique, cantando Maria Ninguém. Me arrepio
mais quando a ouço berrar feito doida homenageando Todas as Mulheres do Mundo.
E ainda mais quando cita Lonita Renaux (Denise Barroso) – aquela que, segundo
Telmo Martino, interceptava todos os drinques. Nos tempos da Gang 90... Todos
morreram, menos nós. Pós-absurdetes, sobreviventes, Bebetes Indartes da
esquina, segurai bem alto nosso nobre facho (já) histórico.
Quando
penso que voltei e que isso é bom, eu penso em Rita Lee. Quero cantar São
Paulo, quero cantar nosso tempo. Mais
fundo e mais simples, quero cantar e mais nada. Cinquentões adolescentes
ganhando no braço do baixo-astral do Brasil, se nossa “menopausa” (sic!)
criativa” for assim, welcome seja! Para sempre teu, eternamente F.
O Estado de S.Paulo, 22 de agosto de 1993.
http://caiofcaio.blogspot.com.br/2011/06/nossa-mais-completa-traducao.html