segunda-feira, 24 de julho de 2017

A BOA MÚSICA CONTRA A FAROFADA


VALSA DA ILUSÃO
Zé Manoel 

Junto ao luar, 
Você sorrindo diz:
- Me dê a mão, 
Vou te levar comigo pro salão, 
Vamos dançar a valsa da ilusão.

Seus olhos fitam meus olhos
E a nossa boca se faz em festa
E pelos ares flutuando
Nossa linda valsa nas cordas da orquestra. 

Quem sabe, amor,
Se essa música jamais findasse, 
Eu não iria mais sentir saudade
De ter você aqui bem junto a mim. 

E se eu disser
Que nunca mais serei feliz sozinho? 
O meu caminho vai ser seu caminho
E encontraremos a felicidade. 

E quando o sol 
Apareceu no céu, foi tão cruel!
Eu acordei de braços com o papel, 
Eu quis compor uma canção pra nós. 
Meu coração guardou essa melodia...
Ai, doce ilusão, você comigo algum dia.



                A BOA MÚSICA CONTRA A FAROFADA
                   Por Fábio Brito

            Há dias, assistindo a vídeos no YouTube, que é o que há de melhor neste mundo virtual em que estamos imersos (a maioria das pessoas está setenta e sete mil vezes mais imersa do que eu!), dei de cara (ou “dei de ouvidos”) com o Zé Manoel, um músico pernambucano extremamente talentoso e de quem eu já ouvira falar. Ao constatar o talento desse rapaz, que segue a melhor trilha da MPB, aquela aberta por músicos como Tom Jobim, Dori Caymmi e Edu Lobo (só para citar alguns), pensei, imediatamente, na diversidade da música brasileira e no quanto ela anda sufocada pela indústria, para a qual o que tem qualidade não interessa. Desnecessário dizer que Arte não tem o mínimo valor para essa indústria perversa. 
            Para essa indústria de que falo, que só enxerga cifrões e mais cifrões, a aposta é na mediocridade. Não tenho quaisquer dúvidas quanto a isso. O que vemos é um grupinho de medíocres decidindo o que o Brasil vai ouvir. Só não vê quem não quer. Assim, o que se produz - e aos borbotões - é "cantor de laboratório". Tentem, por exemplo, assistir a algum programa – de auditório, por exemplo – transmitido pelas grandes redes de TV (ou “redezonas”, para alguns) e confira o que estou dizendo. O que é apresentado como “música” nesses programinhas inclassificáveis é assustador. A TV, como sabemos, é gerida pelo dinheiro, pela indústria. Dessa forma, jogam o que há de pior sobre o telespectador, cuja maioria, infelizmente, só está a fim de “diversão barata” (foi bem adestrada para isso). O “jabaculê” (ou “jabá”, para os mais íntimos) saiu do rádio faz tempo e foi para a TV. O resultado não poderia, obviamente, ser pior: de um lado, músicos geniais vivem clandestinamente (ou “acampados”, para usar uma expressão cravada por Nana Caymmi) neste país e passam por inúmeras dificuldades (financeiras, principalmente); de outro, o que há de pior vem à tona: a mediocridade triunfa... e os "gênios incensados" pela máquina de produzir cantores compram fazendas e carrões e garantem seu futuro financeiro.
          Se os programas de auditório só mostram o que há de pior (deve haver exceções, que desconheço, entre esses programas), o que diríamos, então, dos que são catalogados como “programas musicais”? Eu diria que esses programas estão emparelhados com os demais: são medíocres também. Simples assim. Outro dia, na TV, um produtor musical respeitadíssimo disse que, hoje, seguindo os padrões impostos pelos programas musicais que estão aí, Nara Leão e Chico Buarque, por exemplo, não existiriam. Com seu canto minimalista, essa dupla, que ajudou a mudar a história da MPB, estaria bem longe desses programas. O padrão de canto “estadunidense para vender”, como digo, é o que prepondera em tais atrações. As moças, por exemplo, têm de copiar cantoras que fazem sucesso somente porque gritam. Difundiu-se a ideia de que, para cantar bem, o candidato precisa gritar. Quando sai um grito, que nunca é afinado, o auditório vibra, delira. Quer gritar? Grite, mas tem de gritar afinado. Cá entre nós: copiar modelo, seja de onde for, é prova de uma subserviência de dar dó... Em Arte, autenticidade é tudo. Ou não é? 
                 Pois é, a despeito de “programas musicais” (e de tantos outros) que nos são “oferecidos”, a revolução musical em nosso país, capitaneada por músicos do calibre do Zé Manoel, já existe, mas não está sendo televisionada. O que as “grandes redes” de TV apresentam, volto a frisar, não é “a” música brasileira, mas o que há de pior: gente inclassificável, que faz uma “musiquinha” ainda mais inclassificável (se ainda for possível descer mais), que é consumida por muita gente que nem sabe o que está consumindo. Nesse cenário, o que constatamos é que essas “grandes redes” de TV prestam um enorme desserviço, um imenso desfavor à cultura deste país. O que precisa existir – e já! – é uma política cultural de exportação de nossa melhor Música, como afirmam alguns especialistas nesse assunto. Enquanto essa política não existir, pessoas talentosíssimas continuarão ilhadas (ou “acampadas”), apresentando-se em espaços que, a despeito da falta de divulgação, ainda existem. No Rio de Janeiro, por exemplo, de uns anos “pra” cá, várias casas que abrigavam o que há de melhor em Música fecharam suas portas. E aí? E aí... o aeroporto pode ser a melhor saída para quem tem talento e não quer morrer de forme nesta “terra papagalli”. Só isso! 
                   Em tempo: certa vez, Elis Regina disse que ela fazia parte de uma geração que fez a feijoada na Música Popular Brasileira. Depois, veio muita feira. Fico imaginando o que a "Pimentinha" diria hoje, quando assistimos à produção intermitente de tanto lixo musical.  


INDÚSTRIA CULTURAL

Na virada do século XIX para o século XX, o mundo ocidental conheceu uma nova forma de produção cultural. O método de produção em larga escala, difundido por Henry Ford, começou a se estender. Os avanços tecnológicos possibilitaram o surgimento de novas formas de expressões artísticas e o estabelecimento de novas relações entre o público e a arte.
O cinema, por exemplo, é uma dessas expressões. A gravação de determinada sequência de cenas pode ser copiada e o filme pode ser visto por diversas pessoas em diversos lugares do mundo. É certo que essa possibilidade de alcançar muitas pessoas é boa. Porém, alguns filósofos perceberam que havia algo não tão positivo nessa nova realidade. Os filósofos alemães Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor Adorno (1903-1969), observando esse novo momento do fazer artístico, cunharam o termo “indústria cultural”.
Indústria cultural é o termo usado para designar esse modo de fazer cultura a partir (sic) da lógica da produção industrial. Significa que se passou a produzir arte com a finalidade do lucro. Para se obter lucro com o cinema, por exemplo, é preciso fazer um filme que agrade o (sic) maior número de pessoas. Dessa forma, criam-se alguns padrões, como o vilão e o mocinho, as histórias de amor, os finais felizes. No fundo, toda a produção artística fica padronizada e não há espaço para o novo.
Todo esse processo de padronização ocorre também no universo da música. Um ritmo ou artista de sucesso logo é “copiado”, não possibilitando aos ouvintes a escolha, já que é tudo muito parecido. Outro problema é que não há mais espaço para a liberdade de criação. No caso da música, a composição precisa estar de acordo com o produtor musical, com o empresário, com o dono da gravadora. No fundo, a lógica da produção artística é a mesma da produção industrial, onde cada um “aperta um parafuso” sem conhecer todo o processo. O importante é sempre vender muitos álbuns, não importando muito a qualidade musical.
Essa indústria da cultura, produzindo essa cultura para as massas, faz com que se entre num círculo vicioso. A indústria define qual tipo de arte pode ser consumido; e parte do público que não se rebelou com os padrões impostos passa a perder a sua capacidade de julgar e de perceber algo bom. Com isso, a indústria cultural passa a produzir mais arte de péssima qualidade e o público consome essa arte. Disso resulta arte sempre com qualidade inferior e público sempre com gosto inferior.
Entretanto, do mesmo grupo de amigos de Adorno e Horkheimer, o filósofo Walter Benjamin (1892-1940) via algo bom no fato de essa arte alcançar diversas pessoas. Para Benjamin, há uma democratização da arte. A possibilidade de copiar o que se produz é a possibilidade de levar cultura para um maior número de pessoas. A fotografia possibilita que se observe um quadro de um museu distante, sem a necessidade de o observador ter de se deslocar. O cinema possibilita o mesmo. Mesmo a fotografia e o cinema sendo um fragmento do olhar de quem estava por trás da câmera, é possível levar esse pedaço do mundo para outras pessoas.
Além disso, com o avanço tecnológico, é possível que mais pessoas tenham acesso às ferramentas para a produção cultural. Benjamin não viu o mundo tecnológico que temos hoje, mas o que ele pensou pode ser observado. O barateamento da tecnologia permitiu que muitos artistas gravassem em estúdios improvisados nas suas garagens e quartos. O computador é uma dessas ferramentas que possibilitam uma abertura para o mundo, democratizando o acesso à cultura.

Filipe Rangel Celeti 
(http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/filosofia/industria-cultural.htm)


"Estabeleceu-se e se levou a uma tendência de preguiça intelectual, e os meios de comunicação têm responsabilidade por essa tendência." 
[José Saramago - El País, janeiro de 2001]

"Se a única coisa que se oferece às pessoas é o lixo televisivo, escondendo-se delas outras coisas, elas acreditarão que não existe nada além desse lixo. Nessas circunstâncias, reina a audiência, e na sua disputa por ela aceita-se até mesmo matar a própria mãe. Os meios de comunicação têm grande parte de responsabilidade por isso, embora seja necessário sempre perguntar quem é que movimenta os seus fios. Por trás há sempre um banco ou um governo. Um jornal independente? Uma rádio livre? Uma televisão objetiva? Isso não existe. Esta mistura, do lixo televisivo com os meios dependentes, faz com que a sociedade se encontre gravemente adoecida." [José Saramago - El Diario Montañés, julho de 2006]