O MEU GURI Chico Buarque / 1981 | |
Quando, seu moço, nasceu meu rebento Não era o momento dele rebentar Já foi nascendo com cara de fome E eu não tinha nem nome pra lhe dar Como fui levando, não sei lhe explicar Fui assim levando ele a me levar E na sua meninice ele um dia me disse Que chegava lá Olha aí Olha aí Olha aí, ai o meu guri, olha aí Olha aí, é o meu guri E ele chega Chega suado e veloz do batente E traz sempre um presente pra me encabular Tanta corrente de ouro, seu moço Que haja pescoço pra enfiar Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro Chave, caderneta, terço e patuá Um lenço e uma penca de documentos Pra finalmente eu me identificar, olha aí Olha aí, ai o meu guri, olha aí Olha aí, é o meu guri E ele chega Chega no morro com o carregamento Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador Rezo até ele chegar cá no alto Essa onda de assaltos tá um horror Eu consolo ele, ele me consola Boto ele no colo pra ele me ninar De repente acordo, olho pro lado E o danado já foi trabalhar, olha aí Olha aí, ai o meu guri, olha aí Olha aí, é o meu guri E ele chega Chega estampado, manchete, retrato Com venda nos olhos, legenda e as iniciais Eu não entendo essa gente, seu moço Fazendo alvoroço demais O guri no mato, acho que tá rindo Acho que tá lindo de papo pro ar Desde o começo, eu não disse, seu moço Ele disse que chegava lá Olha aí, olha aí Olha aí, ai o meu guri, olha aí Olha aí, é o meu guri 1981 © - Marola Edições Musicais Ltda. Todos os direitos reservados Direitos de Execução Pública controlados pelo ECAD (AMAR) Internacional Copyright Secured http://www.chicobuarque.com.br/construcao/mestre.asp?pg=omeuguri_81.htm |
Manuel Bandeira
Os meninos carvoeiros
Passam a caminho da cidade.
- Eh, carvoero!
E vão tocando os animais com um relho enorme.
Os burros são magrinhos e velhos.
Cada um leva seis sacos de carvão de lenha.
A aniagem é toda remendada.
Os carvões caem.
(Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe,
[dobrando-se com um gemido.)
- Eh, carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles...
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se
[brincásseis!
- Eh, carvoero!
Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,
Encarapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos
[desamparados!
Petrópolis, 1921
* Sugestão da amiga Therezinha Fassarela.
MENOR ABANDONADO
Cora Coralina
Versos amargos para o Ano Internacional da Criança, 1979
De onde vens, criança?
Que mensagem trazes de futuro?
Por que tão cedo esse batismo impuro
que mudou teu nome?
Em que galpão, casebre, invasão, favela,
ficou esquecida tua mãe?...
E teu pai, em que selva escura
se perdeu, perdendo o caminho
do barraco humilde?...
Criança periférica rejeitada...
Teu mundo é um submundo.
Mão nenhuma te valeu na derrapada.
Ao acaso das ruas - nosso encontro.
És tão pequeno... e eu tenho medo.
Medo de você crescer, ser homem.
Medo da espada de teus olhos...
Medo da tua rebeldia antecipada.
Nego a esmola que me pedes.
Culpa-me tua indigência inconsciente.
Revolta-me tua infância desvalida.
Quisera escrever versos de fogo,
e sou mesquinha.
Pudesse eu te ajudar, criança-estigma.
Defender tua causa, cortar tua raiz
chagada...
És o lema sombrio de uma bandeira
que levanto,
pedindo para ti - Menor Abandonado,
Escolas de Artesanato - Mater et Magistra
que possam te salvar, deter a tua queda...
Ninguém comigo na floresta escura...
E o meu grito impotente se perde
na acústica indiferente das cidades.
Escolas de Artesanato para reduzir
o gigantismo enfermo
da criança enferma
é o meu perdido S.O.S.
Estou sozinha na floresta escura
e o meu apelo se perdeu inútil
na acústica insensível da cidade.
És o infante de um terceiro mundo
em lenta rotação para o encontro
do futuro.
Há um fosso de separação
entre três mundos.
E tu - Menor Abandonado,
és a pedra, o entulho e o aterro
desse fosso.
Quisera a tempo te alcançar,
mudar teu rumo.
De novo te vestir a veste branca
de um novo catecúmeno.
És tanto e tantos teus irmãos
na selva densa...
E eu sozinha na cidade imensa!
"Escolas de ofícios Mãe e Mestra"
para tua legião.
Mãe para o amor.
Mestra par ao ensino.
Passa, criança... Segue o teu destino.
Além é o teu encontro.
Estarás sentado, curvado, taciturno.
Sete "homens bons" te julgarão.
Um juiz togado dirá textos de Lei
que nunca entenderás.
- Mais uma vez mudarás de nome.
E dentro de uma casa muito grande
e muito triste - serás um número.
E continuará vertendo inexorável
a fonte poluída de onde vens.
Errante, cansado de vagar,
dormirás como um rafeiro
enrodilhado, vagabundo, clandestino
na sombra das cidades
que crescem sem parar.
Há um fosso entre três mundos.
E tu, Menor Abandonado,
és o entulho, as rebarbas e o aterro
desse fosso.
Acorda, Criança,
Hoje é o teu dia... Olha, vê como brilha lá longe,
na manchete vibrante dos jornais,
na consciência heroica dos juízes,
no cartaz luminoso da cidade,
o ANO INTERNACIONAL DA CRIANÇA.
CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. 13. edição. Rio de Janeiro: Global Editora, 1986.
Em tempo de festividades da carne, seria ótimo celebrar erradicando o abandono e o descaso infantil.
ResponderExcluirParabéns pelo post!
É isso aí, meu amigo! Bom à beça se o descaso e o abandono infantis fossem erradicados. Valeu! Adoro quando você comenta.
ExcluirBjs,
Que ótima postagem, Fábio!
ResponderExcluirComo Rondinelli bem disse "Em tempo de festividades da carne, seria ótimo celebrar erradicando o abandono e o descaso infantil."
Não mm canso de dizer que carnaval é circo - e não é difícil saber quem faz as honras do palhaço.
Abração, meu amigo,
Rodrigo Davel
Rodrigo, meu carnaval está sendo este: literatura, música e cinema. Quer algo melhor?
ExcluirObrigado, amigo.
Abração,
Quanta reflexão... quanta indignação, espanto e perplexidade!!! Só as palavras da Cora para amenizar, denunciar e cuidar de tamanha ferida social!!!!
ResponderExcluirAbraço poeta!!! Hércules Campos
Pois é, Hércules, são tantos textos e assuntos excelentes, não é mesmo?! "Menor abandonado", então, é um assunto doído à beça.
ExcluirObrigado, amigo, pela leitura, pelo carinho, pela atenção.
Abração,
Elza é a verdadeira mãe do guri...
ResponderExcluirEssa canção é "da" Elza e pronto. Interpretação única. Beijos e obrigado, Fê.
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