segunda-feira, 10 de setembro de 2012

ENTRE O DOCINHO, O LANCHINHO E O CHURRASQUINHO



FORMIGUEIRO
Ivan Lins - Vitor Martins

Avisa ao formigueiro
Vem aí tamanduá

Pra começo de conversa, tão com
grana e pouca pressa
Nego quebra a dentadura, mas não
larga a rapadura
Nego mama e se arruma, se vicia e
se acostuma
E hoje em dia está difícil de acabar
com esse ofício

Avisa ao formigueiro
Vem aí tamanduá

Repinique e xique-xique, tanta caixa
com repique
Pra entupir nossos ouvidos, pra cobrir
nossos gemidos
Quando acabar o batuque, aparece
outro truque
Aparece outro milagre do jeito que
a gente sabe

Avisa ao formigueiro
Vem aí tamanduá

Tanto furo, tanto rombo não se tapa
com biombo
Não se esconde o diabo, deixando de
fora o rabo
E pros "home" não tá fácil de arrumar
tanto disfarce
De arrumar tanto remendo, se tá todo
mundo vendo

Avisa ao formigueiro
Vem aí tamanduá

Fonte: Ivan Lins (CD "Juntos"), Universal, 04228226722, (P) 1984, reedição em CD: 2002.
                                               

ENTRE O DOCINHO, O LANCHINHO E O CHURRASQUINHO
Por Fábio Brito
Porque não gosto de discorrer sobre temas atuais, relutei em escrever este texto. Entretanto, dias atrás, assistindo à propaganda eleitoral, não resisti: preciso dividir com os amigos minhas dúvidas acerca das eleições municipais, em especial no quesito “vereador”.
Depois de assistir a dois programas, fui tomado de uma dúvida que me dilacera até o momento: em quem votar? No Zezinho do docinho, na Zizinha do lanchinho ou no Toninho do churrasquinho? Realmente, não sei! Meu primeiro impulso foi votar no Zezinho, porque, antes de tudo, adoro doces, e os que ele faz são do céu, como dizem. Desde que ‘me entendo por gente’, sempre gostei de doces. De quaisquer doces, principalmente dos caseiros. Entre todos, o meu preferido é o de queijo, que deixa minha língua “grossa”. Só para ilustrar: certa vez, no aniversário da filha de uma antiga colega de trabalho, cometi um desatino: quando passaram com a bandeja de docinhos, em vez de pegar um ou dois, no máximo, como fazem os educados, pedi à pessoa que servia que deixasse conosco (uns amigos e eu) a bandeja, que, àquela altura, ainda estava cheia. Para meu espanto – e minha felicidade – a bandeja ficou ao meu ladinho. Foi uma glória! Que dia feliz! Pois é, mas, agora, já sou “subcinquenta” e não posso, portanto, dá-me o luxo das orgias gastronômicas. As taxas ficam sempre olhando-me de esguelha, de "través": colesterol e afins. Decidi, então, que meu voto não vai para o Zezinho dos docinhos. Parti para um segundo nome: a Zizinha do lanchinho.
Não sendo um ET, também gosto muito de lanches, mas não chego a ser obcecado, como o são muitas pessoas que encontro por aí (já repararam como as casinhas de lanche multiplicaram-se de uns anos para cá?). Gosto porque gosto. Entretanto, se o lanche for com carne de porco, fico louco. Adoro carne de porco! Vez ou outra, minha mãe repete uma história – já perdi a conta do número de vezes que a ouvi! – sobre minha infância, que é excelente: sempre que meu pai saía para trabalhar, ele perguntava a meu irmão e a mim o que gostaríamos que ele trouxesse assim que voltasse. Certa vez, meu irmão, que adorava desenhar, respondeu que queria lápis de cor; eu, sem titubear, respondi na lata: “carne de porco”. Está explicada minha paixão por carne de porco. Ela nasceu exatamente aí: na mais tenra infância. Lembro-me claramente da panela de ferro, que ainda existe, em que minha mãe fritava a carne: bem pretinha, com alça e três pezinhos que pareciam travas de chuteira. A carne ficava tão douradinha, mas tão douradinha, que, só de lembrar, a boca “enche d’água”. E o cheiro? Jesus! Como é bom o cheiro de carne de porco!  Pois é, mas não posso esquecer que já sou “subcinquenta” e, obviamente, devo maneirar na alimentação. Pausa: por que todos os médicos satanizam a carne de porco? Não gosto disso! Mas não como a gordura, meu Deus! Escolho os pedaços mais sequinhos. Se, por acaso, uma “beirolinha” de gordura teima em ‘me’ afrontar, tiro-a imediatamente com a faca, só para ter a certeza de que fiquei livre da tentação. Para arrematar, ainda digo que detesto gordura, que ela me dá enjoo e coisas assim. Bom, é melhor não brincar, “né”? Não preciso banir a carne de porco de minha vida, mas posso limitar seu consumo, não posso? Não sou irracional e devo, portanto, dominar a vontade. Porque luto arduamente por minha saúde, devo confessar que meu voto não vai para a Zizinha do lanchinho. Perdão, amiga, mas vou ter de pensar em outro candidato. Bom, resta-me, então, o Toninho do churrasquinho.
Churrasquinho é um negócio que combina com os lares de muitos brasileiros, não combina? Se ele estiver associado a alguma “laje”, então, combina mais ainda. Em fins de semana, a combinação fica perfeita. Conheço muita gente que troca qualquer programa por um churrasquinho na laje. Muitos até deixam de estudar ou fazer tarefas da escola em nome desse programa. É, mas Toninho não prepara churrasco em laje: ele tem é aquela carrocinha que sopra uma “fumaceira” do cão. Não me incomodo com isso. Essa fumaça é até saudável, penso. Pior é a dos carros que passam por nós constantemente. Que horror! Como há carros nesta cidade, não é mesmo? Deve haver mais carro do que gente nesta nossa Tubiacanga. Voltando ao churrasquinho: todos os dias, depois do trabalho, não resisto: vou ao encontro do Toninho e espero um tempo – bem menor que o das consultas médicas - até que o churrasquinho venha fumegando para minhas mãos. Que deleite! Que "diliça"! Mas devo confessar que só não gosto muito das unhas do Toninho: são pretinhas, pretinhas. Será que é por causa do carvão? Deve ser, porque ele é bem limpinho. É pobre, como dizem, mas é limpinho. Ai, vem mais um empecilho: a carne, que ele jura pela mãe mortinha e seca atrás da porta ser “de primeira", tem umas gordurinhas no meio. Pois é, por causa disso, já não posso mais votar no Toninho. Novamente a perseguição: sou “subcinquenta” e, (in)felizmente, tenho de limitar a ingestão de gordura.
Bom, como, até o momento, não apareceu mais ninguém com propostas tão sérias como a do Zezinho, a da Zizinha e a do Toninho, vou ter mesmo de optar por um dos três, mesmo com restrições quanto ao alimento que eles fornecem. Eta dúvida que me corrói a alma! Preciso escolher um dos três e já. As eleições estão aí, meu Deus! Antes, porém, um recadinho aos demais candidatos: por favor, não pensem que minha caixa de correspondência é lixeira. Dias atrás mesmo, enfurecido com tantos “santinhos” que a abarrotavam, acabei jogando no lixo um boleto. Resultado: acabei pagando juros “de bobeira”. Por favor, esqueçam minha caixa de correspondência. Já estou declarando meu voto: ou será do Zezinho, ou da Zizinha, ou do Toninho. Por quê? Por muitos motivos. Principalmente porque eles têm as melhores propostas, além, é claro, de não precisarem do salário que vereador recebe. Já prometeram que, todo mês, religiosamente, farão doação de seus "proventos" a instituições de caridade. Querem motivo mais importante para que meu voto seja de um dos três? E os demais candidatos? Ah, se não fosse pelo salário, ninguém – ninguém mesmo! – seria candidato. Se o salário de vereador fosse seiscentos e vinte e dois reais, como o de muitos trabalhadores deste “Brasilzão” afora, e se tivessem de comprovar produtividade, tenho certeza de que somente Zezinho, Zizinha e Toninho ‘se’ candidatariam. Mais: tenho certeza também de que, se eleitos, eles não comparecerão à Câmara somente para escolher nomes para ruas, becos e vielas. Portanto, meu voto para vereador será dado a um deles. Com certeza! Ufa! Como é trabalhoso escolher candidato!
Ah, eu já ia esquecendo: dias atrás, um amigo me deu um "santinho" do "Adamastor do Recanto Encantado". Esse tal Recanto é um bairro bem carente. Paradoxal, não? É... encantado fica é o povo de lá, mas só depois que morre, normalmente de fome. Pois é, meu amigo me disse que Adamastor é boa pessoa: bom marido, pai de três filhos, trabalhador e honesto. Pensei, pensei, pensei... e resolvi ficar mesmo com o Zezinho, a Zizinha ou o Toninho. Sabem por quê? Porque o Adamastor está confundindo um pouco: ele não é candidato a presidente da associação de seu bairro, mas a vereador, o que é bem diferente. Meus três candidatos, ao contrário, não pensam só no bairro onde moram. Eles têm visão mais ampla, como se diz, acerca do que faz um vereador. Antes de pensarem no bairro, eles pensam na cidade. Está fechado: meu voto será do Zezinho, da Zizinha ou do Toninho, que, além de tudo, são muito simpáticos. Pronto! Decidi.
HOMENAGEM AO MALANDRO
Chico Buarque

Eu fui fazer um samba em homenagem
À nata da malandragem
Que conheço de outros carnavais

Eu fui à Lapa e perdi a viagem
Que aquela tal malandragem
Não existe mais.
Agora já não é normal
 O que dá de malandro regular profissional
 Malandro com o aparato de malandro oficial
Malandro candidato a malandro federal
Malandro com retrato na coluna social
malandro com contrato, com gravata e capital
 Que nunca se dá mal

Mas o malandro para valer
- Não espalha
Aposentou a navalha
 Tem mulher e filho e tralha e tal

Dizem as más línguas que ele até trabalha
Mora lá longe chacoalha
Num trem da Central


                                                        O MALANDRO

Kurt Weill - Bertolt Brecht
versão livre de Chico Buarque/1977-1978
para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarque
 
O malandro/Na dureza
Senta à mesa/Do café
Bebe um gole/De cachaça
Acha graça/E dá no pé

O garçom/No prejuízo
Sem sorriso/Sem freguês
De passagem/Pela caixa
Dá uma baixa/No português

O galego/Acha estranho
Que o seu ganho/Tá um horror
Pega o lápis/Soma os canos
Passa os danos/Pro distribuidor

Mas o frete/Vê que ao todo
Há engodo/Nos papéis
E pra cima/Do alambique
Dá um trambique/De cem mil réis

O usineiro/Nessa luta
Grita (ponte que partiu)
Não é idiota/Trunca a nota
Lesa o Banco/Do Brasil

Nosso banco/Tá cotado
No mercado/Exterior
Então taxa/A cachaça
A um preço/Assustador

Mas os ianques/Com seus tanques
Têm bem mais o/Que fazer
E proíbem/Os soldados
Aliados/De beber

A cachaça/Tá parada
Rejeitada/No barril
O alambique/Tem chilique
Contra o Banco/Do Brasil

O usineiro/Faz barulho
Com orgulho/De produtor
Mas a sua/Raiva cega
Descarrega/No carregador

Este chega/Pro galego
Nega arreglo/Cobra mais
A cachaça/Tá de graça
Mas o frete/Como é que faz?

O galego/Tá apertado
Pro seu lado/Não tá bom
Então deixa/Congelada
A mesada/Do garçon

O garçon vê/Um malandro
Sai gritando/Pega ladrão
E o malandro/Autuado
É julgado e condenado culpado
Pela situação

FONTE: HOLLANDA, Chico Buarque de. Chico Buarque, letra e música. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

OPINIÃO
         Zé Keti

Podem me prender
Podem me bater
Podem até deixar-me sem comer
Que eu não mudo de opinião
Aqui do morro
Eu não saio não
Se não tem água
Eu furo um poço
Se não tem carne
Eu compro um osso e ponho na sopa
E deixa andar, deixa andar
Falem de mim
Quem quiser falar
Aqui eu não pago aluguel
Se eu morrer amanhã, seu doutor
Estou pertinho do céu

Fonte: Zé Renato (CD "Natural do Rio de janeiro" - sobre os sambas de Zé Keti), MP,B, 063015114-2, 1996.

  CORDA NO PESCOÇO
Almir Guineto - Adalto Magalha

E o povo como está?
Está com a corda no pescoço
É o dito popular
Deixa a carne e rói o osso
Mas a vida dessa gente
aposto que está um colosso
Mas da fruta que eles gostam
Eu como até o caroço

Vivo levando rasteira
Levando canseira
 Com o pires na mão
Jogo de cartas marcadas
Os nossos problemas
Não têm solução
Tanta conversa fiada
E a grande virada
 Não passa de esboço
Mas da fruta que eles gostam
Eu como até o caroço

Meu compadre
Se eu não fosse bamba caía no chão
Tanta fartura na mesa
Se vê na novela da televisão
Até parece brincadeira
 E eu quase no fundo do poço
Mas da fruta que eles gostam
Eu como até o caroço

 Já conheço essa jogada
É promessa furada
E ele diz que é bom moço
Mas da fruta que eles gostam
Eu como até o caroço

Tem gosto de marmelada
E o pobre do povo
É que leva no dorso
Mas da fruta que eles gostam
Eu como até o caroço

No dia do pagamento
A turma lá em casa faz um alvoroço
Mas da fruta que eles gostam
Eu como até o caroço

Fonte: Beth Carvalho (LP "Beth"), RCA-Victor, 110.0027, 1986. 

COMPORTAMENTO GERAL
Luiz Gonzaga Jr.

Você deve notar que não tem mais tutu
E dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
E dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre
Um ar de alegria
E dizer tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
E esquecer que está desempregado

Você merece
Você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba e amanhã
Seu Zé, se acabarem com teu carnaval
Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre muito obrigado
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve, pois, só fazer pelo bem da nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado

Você merece
Você merece
Tud vai bem, tudo legal
Cerveja, samba e amanhã
Seu Zé, se acabarem com teu carnaval

Fonte: Gonzaguinha (CD "Gonzaguinha no samba"), EMI, 827041 2, 1993.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

CRIANÇAS, CUIDADO COM O GATO!


Para os amigos Luiz Fernando Gava, Rodrigo Davel e Rondinelli Desteffani, que não adestram crianças e, por isso, sabem o caminho do bom ensinamento.

Menina, minha menina
Faz favor de entrar na roda
Cante um verso bem bonito
Diga adeus e vá-se embora

Cantiga de roda


TEM GATO NA TUBA
João de Barro e Alberto Ribeiro
Todo domingo
 Havia banda
No coreto do jardim
E já de longe
a gente ouvia
A tuba do Serafim...
Porém um dia
Entrou um gato
Na tuba do Serafim
E o resultado
Dessa "melódia"
Foi que a tuba
 Tocou assim:
Pum, pum, pum - miau!
Pum, pururum, pum, pum - miau!
Pum, pum, pum - miau
Pum, pururum, pum, pum

Fonte: CD - Braguinha, Songbook 1, Lumiar Discos - LD58-01/02, 2001/2002.



CRIANÇAS, CUIDADO COM O GATO!
Por Fábio Brito

Essa onda do "politicamente correto" já deu o que tinha de dar. Já torrou! Já encheu! Já cansou! E essa erva venenosa já chegou à escola. Como? De “ene” maneiras. Uma delas é via "cantigas de roda". Espanto meu? Devo confessar que não. Do jeito que a escola está, abarrotada de gente despreparada, não é novidade ver educadores (?) embarcando nessa canoa mais do que furada, o que é pleno sinal do despreparo. Bom, vamos aos fatos!
Dia desses, dois professores - um do ensino fundamental - disseram-me que, na escola em que trabalham, só podem ser cantadas umas estranhas "novas versões" de cantigas como "Atirei o pau no gato", por exemplo. Que novas versões são essas?! A do "gato" prega que não se pode atirar o pau no bichinho. Gente, não se trata, aqui, de maltrato a animais. São cantigas de roda, meu Deus! Um "gênero" enraizado em nossa cultura. Vá aos estudos de Luís da Câmara Cascudo e constate a importância das cantigas. Avancemos! Vamos, novamente, aos fatos!
Perguntei aos professores se há alguma justificativa plausível para o fato de as escolas terem "adotado" as novas versões para as cantigas, se há alguma teoria séria sustentando isso. O embasamento, disseram-me, deve-se, grosso modo, a um texto de um "americano" para quem, nos Estados Unidos, as cantigas são "pra" cima, positivas; no Brasil, elas estimulam a violência. Estou sentindo cheiro do eterno complexo de inferioridade. Será? Trata-se, penso, de algum educador (?) pseudomoderninho. Ou de alguns educadores... Ai, lá vêm as "modernidades modernosas" novamente!
Curiosamente, fui à internet. Lá está: "Não atire o pau no gato", catalogada como "cantiga popular". Cantiga popular adulterada, "né"? "Non-sens" mesmo! Disparate, absurdo! Nem é preciso ser "Tirésias" para adivinhar as explicações para as adulterações nas cantigas. Mudaram porque, certamente, as antigas letras estimulam a violência infantil e, por extensão, adulta. São perigosas! Ih! O pequenino que tem contato com esse tipo de cantiga tem grande chance de tornar-se, quando crescer, um "matador em série", por exemplo, ou um assaltante. Se isso ocorrer, a culpa - já sabemos! - é das cantigas! Pois é, estou pensando no seguinte: se essa "teoria da mudança das letras" tivesse chegado há mais tempo, quantos problemas não teriam sido evitados, “hein”?! Estaria praticamente resolvida, por exemplo, a superlotação carcerária aqui no Brasil. Muitos que, hoje, encontram-se encarcerados, poderiam ter tido uma vida digna, honrada, se não tivessem cantado as tão "perigosas" cantigas de roda quando crianças. Deus meu! Ironias à parte, se a criança, como disse Adélia Prado, não tem acesso, por exemplo, à história de "Chapeuzinho vermelho", se ela não conhece o "Lobo mau", é ela, a criança, quem vai matar a vovozinha, porque não aprendeu a simbolizar a raiva dentro de si. E o "lobo" é mau mesmo! Não queiram torná-lo bonzinho. Não pode! A criança precisa saber que ele é mau. Voltando ao que disse a Adélia, se formos fazer uma roupa para um adulto e uma para uma criança, ambas poderão ser de seda, mas o corte vai ser diferente. Não queiram, por favor, idiotizar a criança. Deem-me licença, por favor! Vamos, mais uma vez, aos fatos! Voltemos às cantigas adulteradas.
É preciso que se tragam provas para a discussão. Pode até ser uma sandice o que estou dizendo, mas seria interessante se esses tais "estudiosos das cantigas" provassem - mas provassem mesmo! - que um "serial killer", por exemplo, enveredou por caminhos tortos porque, quando criança, "atirou muito pau no gato" ou "deu pedrada em camaleão". Se conseguirem provar, passarei a aceitar - e de bom grado - as novas letras das tais cantigas populares. Conheço muitas pessoas que, quando crianças, aprontaram umas e outras com alguns animais e nem por isso, quando adultas, saíram por aí matando "a torto e a direito".  Deixemos bem claro o seguinte: é óbvio que existem estudos apontando a infância como o nascedouro de “ene” problemas que se desenvolverão na adolescência e na fase adulta. Todos nós sabemos disso. Todos já lemos (ou ouvimos dizer) algo a esse respeito. No entanto, sobre a “deturpação” das cantigas populares, o que “está pegando”, volto a frisar, é a tal onda do “politicamente correto”. Em verdade, muitos nem procuram saber se essas cantigas podem – de fato – causar algum mal irreversível. Não estão nem aí.  Eles surfam nessa onda e nem sequer procuram pensar, mesmo que minimamente, sobre o assunto. Entendo: pensar é algo doloroso e exige tempo, estudo e dedicação, principalmente. Não basta a leitura superficial de um texto aqui e outro acolá. É... está faltando leitura. Está faltando sabedoria. Taí! Volto à questão da leitura. Sou repetitivo mesmo!
Lembrando o que nos disse a escritora Ana Maria Machado, se o ofício do professor é a transmissão da “sabedoria acumulada pela humanidade no decorrer de sua história”¹, como ele será competente nisso se a leitura, há muito, está ausente de sua vida? Se o professor não é leitor, ele não terá condições de transmitir sabedoria. Transmitirá, então, “novas cantigas de roda”. Ele apenas será o condutor de parcos conhecimentos adquiridos em leituras rápidas de algum texto superficial que lhe caiu no colo, ou vendo TV, ou folheando revistas em consultórios médicos, ou conversando com amigos, ou via internet. Vale ressaltar, aqui, que, por meio da internet, pode-se, sim, aumentar o conhecimento. Entretanto, jamais se chega à sabedoria. As séries iniciais, como todos já estamos “carecas” de saber, são fundamentais para a formação de toda uma vida. Por que não investirem, então, em cursos seriíssimos para aprimoramento docente? Que tal aprimorar o conhecimento de pessoas que transmitirão sabedoria? Não vejo investimento melhor.
Se, porventura, faltarem cursos, seria interessante voltar às tragédias gregas para ouvir seu coro, que, entre outras “atribuições”, também dava conselhos. Fico imaginando como seria útil se certas escolas ouvissem o coro grego, principalmente nos momentos em que elas insistem em adestrar alunos – pobres crianças! – na linha do politicamente correto. Ainda deve haver tempo para ouvirem o tal "coro". Espero...
P.S.:
Embora eu não os tenha, continuo gostando dos animais e detestando que eles sejam maltratados.   
¹ MACHADO, Ana Maria. Texturas: sobre leituras e escritos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

A nossa poesia é uma só
Eu não vejo razão pra separar
Todo o conhecimento que está cá
Foi trazido dentro de um só mocó

E ao chegar aqui abriram o nó
E foi como se ela saísse do ovo
A poesia ganhou sangue novo
Elementos deveras salutares

Os nomes dos poetas populares
Deveriam estar na boca do povo
No contexto de uma sala de aula
Não estarem esses nomes me dá pena

A escola devia ensinar
Pra o aluno não me achar um bobo
Sem saber que os nomes que eu louvo
São vates de muitas qualidades

O aluno devia bater palma
Saber de cada um o nome todo
Se sentir satisfeito e orgulhoso
E falar deles para os de menor idade
Os nomes dos poetas populares
Antonio Vieira
Texto dito por Maria Bethânia no espetáculo "Dentro do mar tem rio", registrado em CD duplo e ao vivo, lançado pela gravadora Biscoito Fino em 2007 (BF 807).
1ª Parte
Uma didática da invenção
XXI
Ocupo muito de mim com o meu  desconhecer.
Sou um sujeito letrado em dicionários.
Não tenho que 100 palavras.
Pelo menos uma vez por dia me vou no Morais
ou no Viterbo -
A fim de consertar a minha ignorãça,
mas só acrescenta.
Despesas para minha erudição tiro nos almanaques:
- Ser ou não ser, eis a questão.
Ou na porta dos cemitérios:
- Lembra que és pó e que ao pó tu voltarás.
Ou no verso das folhinhas:
- Conhece-te a ti mesmo.
Ou na boca do povinho:
- Coisa que não acaba no mundo é gente besta
e pau seco.
Etc
Etc
Etc
Maior que o infinito é a encomenda.
BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994.


(...)
As crianças não precisam reinventar cantigas de roda, quando dispomos de vasto repertório de canções com traços bem marcados da nossa cultura. Nem precisam procurar em exemplos distantes aquilo que dentro de casa se pode cultivar. Parece que as mudanças sociais fizeram com que os pais e educadores desacreditassem do que sabem, como se fosse possível uma reinvenção cultural de cada geração. Deixar de cantar ou cantar pouco as canções folclóricas tem como resultado o enfraquecimento dos traços culturais e a consequente fragilidade nos padrões de identidade social. Sem as raízes que nos situam num tempo e num espaço único e peculiar, carecemos de valores, costumes, formas de expressão que permitam transitar entre a fantasia e a realidade, até a construção do nosso próprio modo de ser. (...)
As trocas sociais são facilitadas, durante o canto em conjunto, pelo poder que este tem de aproximar as pessoas. Contrabalançando momentos de atividade coletiva e de participação individual, as cantigas de roda dão espaço para o “eu” e para o “nós” na formação das crianças.
O texto e o esquema de repetições das cantigas de roda oferecem uma vivência muito rica da estrutura da língua materna. A estrutura rítmica, diferente da linguagem corrente, constitui-se em um outro tipo de vivência do idioma. Quadrinhas, rimas, (...) encenações, diálogos, dramatizações, solos e cantos em uníssono fazem parte da riqueza do vasto repertório de cantigas de roda. O contato com esse material amplia e favorece a ampliação de formas cada vez mais complexas de linguagem. Durante as rodas cantadas, a criança se movimenta, num protótipo da integração do corpo, do grupo e da aprendizagem.
Francine Krum Gonçalves, musicoterapeuta
 (http://pcdec.sites.uol.com.br/ciranda/jan3.htm)


(...) todo poder precisa de arautos e porta-vozes; todo poder precisa de intelectuais que inventem para ele uma legitimidade histórica e um álibi moral. Estes, os intelectuais orgânicos, a meu ver são os piores. (...) Paga-se em criatividade e conteúdo literário (...) desconfio dos puros: eles me apavoram. Dessa pureza fictícia nascem os linchadores, os inquisidores, os fanáticos.
(...) os preconceitos nos aprisionam, diminuem a nossa mente e nos idiotizam; e quando esses preconceitos coincidem, como costuma acontecer, com as convenções da maioria, eles nos transformam em cúmplices do abuso e da injustiça (...)

MONTERO, Rosa. A louca da casa. Trad. de Paulina Wacht e Ari Roitman. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

(...) A leitura me precedeu abrindo portas, fornecendo respostas a perguntas que eu ainda não havia conseguido formular. Teria conseguido formular as perguntas, sem os livros? E onde encontraria as respostas? Eu, tão curiosa, onde iria bater, com todos os meus pontos de interrogação? (...)

Colasanti, Marina. Fragatas para terras distantes. Rio de Janeiro: Record, 2004.