sábado, 19 de dezembro de 2015

QUANTO MAIS PRIMITIVO...



FELICIDADE
Antonio Almeida / João de Barro (Braguinha)

Para que tanta ambição, tanta vaidade,
Procurar uma estrela perdida?
Quase sempre o que nos dá felicidade
São as coisas mais simples da vida

Felicidade é uma casinha simplesinha
Com gerâneos em flor na janela
Uma rede de malha branquinha
E nós dois a sonhar dentro dela

Ai,ai,ai, isto é tão pouco minha nega
Ai,ai,ai, mas 'pra' mim chega.



        QUANTO MAIS PRIMITIVO... 

        Por Fábio Brito
        Para o amigo "mineiro-carioca" Marcos Lúcio, que, assim como eu, é primitivo... 
             
             "(...) E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos (...)" 
                                    Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa

          Outro dia, num consultório médico, li o seguinte: “Proibido o uso de celular. Médicos atendendo. Silêncio”. A sala, em verdade, era uma antessala de vários consultórios. Ali, éramos nove pessoas, das quais seis estavam conferindo mensagens (deduzi) no celular, duas "faziam sala para o tempo" (olhavam para o nada, como sempre digo) e a nona pessoa, eu, o ET do grupo, estava com um livro aberto. Ou melhor, eu estava com meu "kit" leitura: um livro, um lápis e um apontador em mão (pausa: vejam que primitivismo! Uso lápis e apontador! Incrível! Acho que, daqui a uns bons anos, terei um cantinho em algum museu... vão dizer que do folclore, de preferência!). Quando entrei no consultório, o médico, sem pestanejar, comentou: "- É, Fábio, você sempre com um livro". Senti um alívio e tanto com o comentário. Graças a Deus, alguém percebeu que eu estava com um livro, o que me diferenciava das demais pessoas. Ou seja, eu não era um "descerebrado". Alguém percebeu isso.
               E por falar em "estar com um livro", não posso deixar de relatar um fato muito interessante, mas não inusitado, pelo menos para mim: num "shopping" de Vitória, fui a uma livraria - um dos poucos locais que ainda frequento em "shopping" - e comprei alguns livros. Só para dar tempo de tirar o plástico que envolvia um dos livros, parei numa cafeteria. Ali mesmo, sobre a mesa, abri o tal livro e comecei a folheá-lo e a ler alguns poemas. Findo o café, saí para o que chamo de minha melhor vingança: fui andando com o livro aberto e lendo-o. Claro que não deixei de esbarrar em algumas pessoas e, em seguida, pedir desculpas. Fiz exatamente o fazem quase todas as criaturas (não são pessoas!) que carregam um celular (ou outros aparelhinhos afins, cujos nomes faço questão de não saber): saem às tontas, às cegas e não olham nada ao redor. Ou seja, só existe o mundo que está na telinha do aparelho que essas criaturas têm em mão. Para mim, naquele instante, só existia o mundo que estava nas páginas do livro que eu, orgulhosamente, carregava. "Eita"! Que vingança maravilhosa! Mais uma vez, eu era um ET. Mais uma vez, eu era um primitivo, um ser estranho, de outro planeta.                   
                Esse episódio me deu gás para fazer o mesmo quando eu sair com algumas pessoas que não largam o celular: no momento em que elas olharem para o "aparelhinho do cão", abro um livro (nunca saio sem um). Quero ver o que vão dizer. Vamos trocar "gentilezas", não é mesmo? Para mim, não existe nada pior do que sair com alguém - para conversar, normalmente - e esse "alguém" ficar conferindo mensagens o tempo todo. O que tanto escrevem e leem, Deus meu? Já fiz tal pergunta inúmeras vezes, e ninguém tem uma resposta. Já sei! Sabem que tenho a resposta e, por isso, nem se sentem obrigados a repeti-la: bobagens, bobagens e mais bobagens! Ai, acho que o mundo virou uma grande bobagem. Quero ser sedado, por favor! Ou será que o mundo sempre foi uma grande bobagem e, agora, com a internet, isso foi redimensionado? Vai saber... 
         Na internet, dias atrás, li o seguinte¹: "Sou um homem que tenho tido o privilégio de viajar muito e de assistir a alguns grandes espetáculos mundo afora. Nunca vi, repito, nunca vi uma pessoa pegar o celular no meio da plateia e ficar conferindo suas mensagens. Mas isso parece ter-se tornado um hábito no Brasil, para algumas pessoas sem educação", desabafou na rede social. E continuou a lamentar: "Volta e meia surge um rosto esverdeado, iluminado no meio da plateia, e eu me pergunto se vale a pena o esforço”. O comentário é de Miguel Fallabella, que afirmou não se dirigir a todos os espectadores: “É só um desabafo. A grande maioria do público, graças a Deus, ainda mantém a chama acesa”. No teatro, pode até ser que a maioria ainda mantenha a chama acesa, Fallabella. Pode até ser que muitos ainda prefiram a peça ao celular, porque, em outros ambientes, em muitos outros ambientes, em quase todos os ambientes, o "trem 'tá' feio": em reuniões, em palestras, em mesas-redondas, em sala de aula, em restaurantes, em consultórios médicos, em bancos... só dá gente olhando "a telinha", como digo constantemente. As pessoas estão loucas. Loucas "de coleira" por causa de celular. Essa droga (é vício, sim, e dos piores!) virou uma espécie de bússola das pessoas. O troço já anda grudado na palma da mão (fica mais bizarro ainda quando fios ligados a esse troço levam o som - imagino o tipo de som - até os ouvidos). 
         E, nessa maluquice toda, tenho de fazer um treino constante de minha paciência, porque já estou olhando para as pessoas com raiva. E o pior de tudo é que não consigo disfarçar. Nesses casos, tenho de aprender a ignorar. Já ignorei (e continuo ignorando) tanta "coisa" e tanta gente nesta vida... por que não posso ignorar essas criaturas deslumbradas com a tecnologia? Deslumbradas não! Loucas! A fase do deslumbre já passou, como afirmei inúmeras vezes. Prometo que vou ignorar. Prometo. Quando eu estiver conversando com uma pessoa e, durante a conversa, ela olhar a "telinha" várias vezes (que falta de respeito!), prometo que não vou dar bronca. Vou abrir um livro, como eu disse há pouco. A tática será eficaz... espero. Ah, eu já ia esquecendo: outro dia, caminhando, vi uma criatura dirigindo e conferindo mensagens. Mais: vi um rapaz correndo (não estava caminhando) e conferindo mensagens. Quando acho ("achismo" mesmo!) que não aparecerão mais bizarrices em relação ao celular, eis que fico espantado com mais uma. Cruzes! 
               E na corrida ao celular último modelo, o povo vai ficando com dívidas e mais dívidas. Dias atrás, vi uma pessoa com poucos recursos pedindo a um amigo para consultar - na "net" - preços de celular. Encontrou um que lhe agradou. O valor? Em torno de R$ 1.500,00. Sabe qual o salário da pessoa? O mínimo (com descontos, claro!). Questão de valores, "né"? Ah, eu ia esquecendo: há uns dias, por determinação judicial, o bendito WhatsApp, aqui no Brasil, ficou bloqueado por algumas horas. Foi por isso, então, que vi muita (muita mesmo!) gente cabisbaixa, murcha, quase desfalecendo pelas ruas? Foi, claro! Fico pensando como devem ter ficado os prontos-socorros nessas horas de bloqueio do "aplicativo-oxigênio"? Como conseguiram dar conta de atender a esse povo todo tendo convulsões? Ficar sem esse negócio é, para muita gente, o equivalente a ficar sem respirar. Mais uma vez: quero que me sedem! 
                É por essas e outras que, cada vez mais, adoro ser primitivo. Um de nossos médicos de confiança, dias atrás, contou-me que, em seu sítio, ele gosta de ficar "no meio das flores", sentado numa cadeira, contemplando-as e ouvindo música. Adorei o primitivismo! Adorei a imagem! No momento em que ele me contou isso, dei uma viajada e fui até seu sítio. É para um sítio assim que quero ir daqui a alguns anos (por enquanto, não posso). E espero, sinceramente, ir. E vou! Quero distância de gente falando o tempo todo. Quero ouvir passarinhos e galo cantando. Quero muita água por perto. Quero muito verde. Quero paz! Quero "carneiros e cabras pastando solenes no meu jardim", como disseram Zé Rodrix e Tavito em "Casa no campo", canção imortalizada pela Elis. 


¹ http://www.msn.com/pt-br/entretenimento/noticias/miguel-falabella-faz-desabafo-e-chama-plateia-de-teatro-de-sem-educacao


SONATA AO LUAR

Sombra Boa não tinha e-mail. 
Escreveu um bilhete: 
Maria me espera debaixo do ingazeiro
quando a lua tiver arta. 
Amarrou o bilhete no pescoço do cachorro 
e atiçou: 
Vai, Ramela, passa!
Ramela alcançou a cozinha num átimo. 
Maria leu e sorriu. 
Quando a lua ficou arta Maria estava.
E o amor se fez
Sob um luar sem defeito de abril.

Manoel de Barros (In: Poemas rupestres)


"(...) Só consigo entender isso pensando que se trata de doença grave. 'O tempo voa'; 'o tempo corre feito um corcel!'; 'deem um pouco mais de tempo': são as queixas do Branco. 
Digo que deve ser uma espécie de doença porque, supondo que o Branco queira fazer alguma coisa, que seu coração queime de desejo, por exemplo, de sair para o sol, ou passear de canoa no rio, ou namorar sua mulher, o que acontece? Ele quase sempre estraga boa parte do seu prazer pensando, obstinado: 'Não tenho tempo de me divertir'. O tempo que ele tanto quer está ali, mas ele não consegue vê-lo. Fala em uma quantidade de coisas que lhe tomam o tempo, agarra-se, taciturno, queixoso, ao trabalho que não lhe dá alegria, que não o diverte, ao qual ninguém o obriga senão ele próprio. Mas, se de repente vê que tem tempo, que o tempo está ali mesmo, ou quando alguém lhe dá um tempo - Os Papalaguis estão sempre dando tempo uns aos outros, é uma das ações que mais se aprecia - aí não se sente feliz, ou porque lhe falta o desejo, ou está cansado do trabalho sem alegria. E está querendo fazer amanhã o que tem tempo para fazer hoje. (...)"

In: O Papalagui: comentários de Tuiávii, chefe da tribo Tiavéa nos mares do sul. Recolhidos por Erich Scheurmann 


UM BOI VÊ OS HOMENS

Tão delicados (mais que um arbusto) e correm 
e correm de um para o outro lado, sempre esquecidos 
de alguma coisa. Certamente falta-lhes 
não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres 
e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves, 
até sinistros. Coitados, dir-se-ia que não escutam 
nem o canto do ar nem os segredos do feno,
como também parecem não enxergar o que é visível
e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes 

e no rasto da tristeza chegam à crueldade.
Toda a expressão deles mora nos olhos - e perde-se 

a um simples baixar de cílios, a uma sombra.
Nada nos pelos, nos extremos de inconcebível fragilidade, 

e como neles há pouca montanha, 
e que secura e que reentrâncias e que 
impossibilidade de se organizarem em formas calmas, 
permanentes e necessárias. Têm, talvez, 
certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem
perdoar a agitação incômoda e o translúcido 

vazio interior que os torna tão pobres e carecidos 
de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme
(que sabemos nós), sons que se despedaçam e tombam no campo
como pedras aflitas e queimam a erva e a água,
e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.


In: "Claro Enigma"


POEMA XXXI de O guardador de rebanhos

Se às vezes digo que as flores sorriem
E se eu disser que os rios cantam,
Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores
E cantos no correr dos rios...
É porque assim faço mais sentir aos homens falsos
A existência verdadeiramente real das flores e dos rios. 

Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me às vezes
À sua estupidez de sentidos...
Não concordo comigo mas absolvo-me,
Porque só sou essa cousa séria, um intérprete da Natureza, 
Porque há homens que não percebem a sua linguagem,
Por ela não ser linguagem nenhuma. 

Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa



OS RECURSOS DE UM SER PRIMITIVO

Li uma vez que os movimentos histéricos tendem a uma libertação por meio de um desses movimentos. A ignorância do movimento exato, que seria o libertador, torna o animal histérico, isto é, ele apela para o descontrole. E, durante o sábio descontrole, um dos movimentos sucede o libertador. 
Isso me faz pensar nas vantagens libertadoras de uma vida apenas primitiva, apenas emocional. A pessoa primitiva apela, como que histericamente, para tantos sentimentos contraditórios que o sentimento libertador termina vindo à tona, apesar da ignorância da pessoa. 

Clarice Lispector (In: A descoberta do mundo) 

domingo, 6 de dezembro de 2015

“DOBRA-SE UMA DAS PÁGINAS MAIS NOBRES DA DRAMATURGIA NACIONAL”








“DOBRA-SE UMA DAS PÁGINAS MAIS NOBRES DA DRAMATURGIA NACIONAL”

Por Fábio Brito

Foi Lima Duarte quem disse o que está no título aí de cima, quando, emocionado e ao telefone, comentou a “despedida” (prefiro assim) da grande atriz Marília Pêra. Com a partida dessa diva, dobra-se uma das páginas mais nobres da dramaturgia nacional. Concordo com você, Lima Duarte. Ou melhor, o Brasil e o mundo concordam com você. Assim como ocorre com Fernanda Montenegro, não há quem não veja em Marília uma das maiores atrizes do mundo.
“Encontrei” essa diva em 1982, quando, depois de alguns anos afastada da telinha, ela retornou à TV na minissérie “Quem ama não mata”, escrita por Euclydes Marinho. Desnecessário dizer que ela simplesmente arrasou com sua interpretação (Cláudio Marzo também brilhou muito) “pra” lá de realista. A força dramática da atriz era tanta, que eu não desgrudava os olhos da TV em todas as cenas de que ela participava. Magnetismo mesmo. O tema da minissérie, “pra” lá de polêmico, era o crime passional. “Taí” uma oportunidade e tanto para uma grande atriz – atriz de verdade! – mostrar seu excepcional talento.
Entretanto, o talento de Marília não mostra toda sua força apenas no drama. Ela “ultrapassou a rotulação de gênero”, como disse o crítico Macksen Luiz. Em 1987, treze anos depois de atuar em “Supermanoela”, a diva dos palcos volta às novelas, agora para estrelar “Brega & Chique”, de Cassiano Gabus Mendes, que teria escrito a personagem especialmente para a atriz. Sua Rafaela rendeu cenas extraordinárias, que, até hoje, são lembradas com um prazer sempre renovado. Com um humor refinado e inteligente, ela compôs a personagem como poucas atrizes conseguiriam fazê-lo. Lidar com humor é complicado, como dizem. Às vezes, determinado ator é até bom, mas, se passar do ponto, mesmo que ligeiramente, fica canastrão. Fica “over”, excede e não mais encontra o tom exato. Para usar um “lugar comum”, Marília Pêra, nessa novela, roubou a cena. Havia duas protagonistas, mas ela, uma das duas, desde o primeiro capítulo, atraiu todas as atenções.  
  No ano seguinte, 1988, eis que chega à TV a minissérie “O Primo Basílio”, uma excelente adaptação de Gilberto Braga e Leonor Bassères para a obra homônima do escritor português Eça de Queirós. Para o papel de Juliana, a empregada de Luísa e Jorge, convidaram Marília. Ainda em VHS, gravei a minissérie e pude, alguns anos depois, mostrar cenas dessa trama a meus alunos de Literatura Portuguesa, que ficaram fascinados com tudo, em especial com a atuação da grande atriz. Hoje, tanto tempo depois, ainda lembro muitos detalhes, falas inteiras (sem recorrer aos DVDs ou às fitas). Lembro, por exemplo, a cena em que Juliana surpreende a patroa quando esta tenta recuperar as cartas – o motivo da chantagem – na “enxovia” em que Juliana dormia; lembro o embate entre patroa e empregada no momento em que Juliana revela que tem as cartas, que nem todas foram para o lixo; lembro ainda a belíssima cena da morte de Juliana: até hoje, os gritos lancinantes de dor ainda ecoam em minha lembrança. Eis aí a entrega total de uma atriz.  Tempos depois da minissérie, li novamente a obra de Queirós. A Juliana que veio à minha lembrança foi a própria Marília Pêra, que, com a minissérie, encarnou-a. Não faz muito tempo, chegou aos cinemas uma adaptação de “O Primo Basílio”. Confesso que até tentei ver. Não deu! Quando vi a primeira cena com a “nova” Juliana, comparei-a, no mesmo instante, com a “da” Marília. Não dá! É covardia!, eu disse. E a atriz do filme era Glória Pires, que é talentosa. No entanto, a Juliana é “da” Marília, pertence a ela. Maria Monforte, que ela viveu na adaptação de “Os Maias” (2001), também tem uma força extraordinária.
Marília também atuou no cinema. Atuou pouco, mas, quando o fez, foi para eternizar suas personagens. O exemplo mais lembrado é “Pixote, a lei do mais fraco”, dirigido por Hector Babenco, em que ela viveu a prostitua Sueli. Por esse trabalho, Marília recebeu, entre outros, o prêmio de melhor atriz da Associação dos Críticos de Cinema dos EUA. Ou seja, o prêmio representou sua consagração internacional. O filme é impecável. A cena em que Sueli amamenta o “pixote”, por exemplo, deve ser vista inúmeras vezes, tamanha a realidade. A prostituta é a própria “mãe” do pixote. Comoventes a cena e a interpretação de nossa diva. Marília era completa, perfeita. Como disse Patrícia Kogut, a expressão “artista completa”, em se tratando de Marília Pêra, pode ser usada sem medo de errar. Ela era atriz, cantora, dançarina, produtora, diretora. Produziu, por exemplo, “A vida escrachada de Joana Martini e Baby Stompanato” e dirigiu “O mistério de Irma Vap”, com Nanini e Latorraca, que ficou onze anos em cartaz.
Porque sempre foi excelente cantora, Marília brilhou em musicais que figuram entre os melhores já produzidos no Brasil. Um, em especial, guardo com muito carinho: Elas por Ela, de 1989, exibido pela TV e registrado em um álbum duplo (LP). Trata-se de uma homenagem a muitas cantoras brasileiras: de Araci Cortes a Elis Regina. Vale dizer que, como se guarda um troféu, guardo o álbum desse espetáculo. Minimalista, Marília realça nessa obra detalhes de cada uma das vozes que ela homenageia. Foi um estudo primoroso, detalhista. O cuidado é tanto que, mesmo que as pessoas não conheçam o repertório das divas homenageadas, ouvindo Marília conseguem, imediatamente, identificar as cantoras, tamanha é a acuidade de Marília ao observar detalhes que, aos pobres mortais, passariam despercebidos. Genialidade absoluta. O ator Renato Borghi, que atuou com ela em “A Estrela Dalva” (ele interpretou Herivelto Martins e, junto com João Elisio Fonseca, escreveu o texto) disse que, quando Marília chegou para viver sua personagem, ela já sabia todo o texto da peça, inclusive as canções. Olhe aí o cuidado da estrela, a preocupação com os detalhes, com a disciplina.
E por falar em cuidado e em disciplina, é sabido que nossa diva tinha fama de exigente, disciplinada e rigorosa. Ela jamais reduziu “a seriedade em relação a seu ofício”, como afirmou Nélida Piñon. Até mesmo em um simples episódio que, para muitos, pode parecer apenas um “jogo de ego” (e é um pouco, como ela mesma afirmou), Marília foi rigorosa. Em “Damas na TV”, ela disse que havia sido convidada para “estrelar uma novela” (no caso, “Brega & Chique”). Antes da estreia, disseram que o nome de outra atriz, na abertura, precisava sair “na frente” do seu. Marília, então, propôs ao diretor que “recombinassem”, uma vez que, antes, ele não havia combinado isso com ela. Resolveu-se o problema: como afirmou a própria Marília, parece que, “a cada semana, saía o nome de uma na frente”. Nossa diva afirmou que isso, para ela, era “ponto de honra”. Se se tem toda uma história e um nome construídos, há que se lutar por eles. É isso aí, Marília! Louvável sua firmeza.
Marília pertence a uma estirpe que, infelizmente, parece não se renovar mais: a dos “atores de verdade”. Ela mesma, em entrevista a um programa de TV, disse que, hoje, o ator tem de ser disciplinado para não criar nada. Nem se decora mais, uma vez que as falas são repetidas inúmeras vezes. De uns anos para cá, tenho deparado – não sem espanto – com rostinhos e mais rostinhos bonitos que se intitulam “atores e modelos”. A TV, principalmente, está abarrotada dessas figuras, que, não nos espantemos, também já chegaram ao teatro. Quando, em alguma novela, vejo um “ator de verdade”, comemoro: “oba”! Sinto falta, entre os chamados novos atores, de “atores de verdade”. Não faz muito tempo, perdemos Cleyde Yáconis, Yoná Magalhães e, agora, Marília Pêra. Quem fará a cobertura? Voltando ao que disse Nélida Piñon no dia em que Marília se despediu, o maior legado que ela deixa a este país é sua biografia.  A grandeza que Marília oferece ao Brasil é sua biografia, é sua história, é seu trabalho irretocável e inesquecível. Para que, daqui a algumas décadas, ainda tenhamos atores “de verdade”, é preciso que o exemplo de Marília seja seguido... e já. 


“(...) Mas eu denuncio. Denuncio nossa fraqueza, denuncio o horror alucinante de morrer – e respondo a toda essa infâmia com – exatamente isto que vai agora ficar escrito – e respondo a toda essa infâmia com a alegria. Puríssima e levíssima alegria. A minha única salvação é a alegria. Uma alegria atonal dentro do it essencial. Não faz sentido? Pois tem que fazer. Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas – porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste. Sejamos alegres. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade. Eu estou – apesar de tudo oh apesar de tudo – estou sendo alegre neste instante-já que passa se eu não fixá-lo com palavras. Estou sendo alegre neste mesmo instante porque me recuso a ser vencida: então eu amo. Como resposta. Amor impessoal, amor it, é alegria: mesmo o amor que não dá certo, mesmo o amor que termina. E a minha própria morte e a dos que amamos tem que ser alegre, não sei ainda como, mas tem que ser. Viver é isto: a alegria do it. E conformar-me não como vencida mas num allegro com brio.
Aliás não quero morrer. Recuso-me contra ‘Deus’. Vamos não morrer como desafio?
Não vou morrer, ouviu, Deus? Não tenho coragem, ouviu? Não me mate, ouviu? Porque é uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde. (...)”

Lispector, Clarice. Água viva

A CARA DO ESPELHO
Guto Graça Mello – Nelson Motta

Às vezes pergunto pra cara do espelho
Que olhos são esses que sonhos não mostram
Que medos disfarçam
Que dores escondem
Nenhuma resposta
Só novas perguntas

Que um dia eu me veja na cara de espelho
Do jeito que eu sou
Não da forma que penso
Que quero que seja
E nunca esconda de mim
A procura de um mais que perfeito
Quisera, quisera,
Quisera, quisera,
Quisera saber
Se deuses e santos
São loucos que pensam
Ser loucos e santos
E olhos do espelho
Refletem su luz

Que um dia eu me veja na cara do espelho
Coberta de trapos, de medos, de cores
De falsos amores, morrendo, nascendo
No mais que presente, vivendo, vivendo

Quisera, quisera,
Quisera, quisera
Quisera saber
Se deuses e santos
São loucos que pensam
Ser loucos e santos
E os olhos do espelho
Refletem su luz

Do espetáculo “Feiticeira”, que Marília Pêra estrelou em 1975.



TÊMPERA
Gonzaguinha

Têmpera
As deusas têm é têmpera
Pura energia e têmpera
Pura magia e têmpera
Temperatura e paixão
É que as mulheres sempre estão
É que as mulheres sempre dão
É que as mulheres sempre são
Sempre serão
A chave de seu tempo
O charme de uma etapa
O tapa na acomodação
O vírus da alegria
O amor
E o nó da solidão
O brilho e a explosão da estrela
Alimentando os corações
Temperar!
Têmpera
Mulheres têm é têmpera
Toda energia e têmpera
Toda magia e têmpera
Têmpera


MORRER DE AMOR
Oscar Castro Neves – Luvercy Fiorini

Andei sozinha,
Cheia de mágoas,
Pelas estradas
De caminhos sem fim.
Tão sem ninguém
Que pensei até
Em morrer, em morrer.


TEXTO DE ANDRÉ VALLE

Eu sempre pensei no teatro como sendo um grande e mágico parque de diversões. Cheio de truques, de sensações novas e surpreendentes. Pode parecer uma definição ingênua, pouco profunda, mas é a partir daí que acontece o meu trabalho. (...)

Do espetáculo “Elas por Ela”, que Marília Pêra estrelou em 1989.

sábado, 3 de outubro de 2015

REQUINTE, NOBREZA E TRANSGRESSÃO




ONDE ESTÁ VOCÊ
Oscar Castro Neves / Luvercy Fiorini

Onde está você
Se o sol morrendo te escondeu
Onde ouvir você
Se a tua voz a chuva apagou
Onde ir buscar
Se o coração
Bater de amor pra ver você
Hoje a noite não tem luar
E não sei onde te encontrar
Pra dizer como é o amor
Que eu tenho pra te dar
Passa a noite tão devagar
Madrugada é silêncio e paz
E a manhã que já vai chegar
Onde te despertar
Vem depressa de onde estás
Já é tempo do sol raiar
Meu amor que é tanto
Não pode mais esperar




REQUINTE, NOBREZA E TRANSGRESSÃO
Por Fábio Brito
Há uns dias, ouvindo os dois discos que Alaíde Costa gravou com o pianista João Carlos Assis Brasil, “Alaíde Costa & João Carlos Assis Brasil”, gravado em 1995 (“Movieplay”), e “Alaíde Costa & João Carlos Assis Brasil: voz e piano”, de 2006 (“Lua Music”), pensei numa dívida que tenho com essa cantora/intérprete que figura entre minhas preferidas há um bom tempo: por que não escrever mais sobre ela e dizer o quanto a admiro? É bem verdade que, entre vários pequenos textos sobre cantoras transgressoras da MPB que escrevi em 2011, há um sobre Alaíde, uma das mais autênticas transgressoras de nossa Música (faço questão da inicial maiúscula), se não a mais.
Só o fato de afirmar que não é, e nunca foi, de modismos (e de movimentos) já é uma senhora transgressão. Desde o início de sua carreira, afastou-se do que era “passageiro” e construiu seu estilo, sua personalidade, que são únicos (impossível ouvir Alaíde e confundi-la com outra cantora). Conta-se que, desde muito cedo, criança ainda, ela já demonstrava ter preferência por músicas mais refinadas. Em casa, ouvia-se muito rádio, mas ela não gostava do que era executado. Preferia canções mais elaboradas. Ou seja, o refinamento já estava “no sangue”, como dizem, ou, talvez, em “outras vidas”, como ela chegou a dizer.  
Nem mesmo a certas amarras da Bossa Nova é possível prendê-la (essa história de grilhões não é com Alaíde Costa). Quando esse movimento ainda estava nos “cueiros”, Alaíde ajudou a consolidá-lo; depois, em vários momentos, deixaram-na de lado. Sem problemas. Diferentemente de outros intérpretes que, há cinquenta e tantos anos, só vivem de “abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim”, Alaíde seguiu buscando outros horizontes, bem mais amplos por sinal. Sem aposentá-lo, deixou o banquinho no canto da sala e foi conquistar outros mares... muitos “nunca dantes navegados".
Fica muito claro para todos nós que Alaíde nunca gravou “para fazer sucesso”. Seu requinte, sua nobreza e sua sofisticação levaram-na a escolher, desde o início de sua carreira, canções consideradas difíceis por muita gente. Diziam, e ainda dizem, que ela “escolhe” muito seu repertório. E escolhe mesmo! Não há dúvidas quanto a isso. Seu crivo é exigente ao extremo. Poucos intérpretes têm um gosto tão apurado quanto o seu. E qual o problema em ser uma caçadora de esmeraldas, uma pescadora de pérolas? Por mais que um compositor que ela queira gravar tenha standards, ela vai sempre ao lado B (quem é do “tempo do vinil” sabe o que estou dizendo) e resgata preciosidades que, infelizmente, não chegam às rádios e acabam ficando esquecidas em algum vinil empoeirado do arquivo de algum colecionador. É muito fácil regravar canções que fizeram enorme sucesso. Entretanto, não é isso que Alaíde busca até hoje. “Lugar comum” não é com essa diva que encantou Oscar Peterson: ao vê-la cantar numa boate de São Paulo, esse extraordinário músico de jazz pediu para acompanhá-la em Insensatez (Tom Jobim / Vinicius de Moraes). Ao fim da apresentação, ele disse que ela era dona de uma afinação perfeita e que cantava como Sarah Vaughan. Que elogio!
Alaíde é uma intérprete nata e com um talento fora do comum, ao contrário de muitos por aí que, sem qualquer talento para a música, compram, além do espaço na mídia, a fôrma em que são fabricados. Depois, é fácil o caminho a ser seguido: tocam em todas as rádios, “moram” em programas de TV de qualidade duvidosa e têm “shows” agendados até o fim da vida. Resultado: sucesso, dinheiro e fama. O prestígio é zero, claro!, mas não estão nem aí. Todos sabem que eles são uma farsa, uma enganação, um blefe, mas o dinheiro não parando de chegar é o que importa. Porque não sabem cantar, recorrem, nos estúdios e até fora deles, a mecanismos que os fazem cantar (?). Até mesmo com os tais mecanismos, ainda há os que não conseguem emitir “uma” nota com afinação. O resultado é que saem por aí soltando gritos e balidos quando pensam que cantam.
Hoje, ao que parece, ninguém quer saber de talento, inclusive o público. Vê-se, assim, que não é exigido muito esforço para que certas criaturas vençam “na vida” artística, em especial na música. Portas se abrem constantemente e tapetes vermelhos são estendidos com frequência. Ao contrário dessas pessoas “privilegiadas”, cantores/intérpretes como Alaíde, que escolheram a integridade e o respeito à arte, pagam um preço muito alto por suas escolhas. As dificuldades por que passam são tantas, que muitos até desistem da carreira ou aposentam-se mais cedo, mas não se vendem. Bravos guerreiros!
Fazer valer o próprio gosto quando este paira bem acima da média exige um esforço quase sobre-humano do artista. Alaíde, por exemplo, chegou a bancar um de seus discos, o Joia Moderna, porque a gravadora, que apenas cedeu o estúdio, não queria fazer o disco como ela havia imaginado. E isso foi no início da década de 60! Dá para imaginar como deve ser hoje? Fácil: as gravadoras, com seus esquemas pouco ortodoxos, determinam exatamente tudo, ditam todas as regras. O que importa é vender. O artista, nessa história, é apenas um detalhe. Poucos são os heróis, como Alaíde, que não sucumbem. Não sucumbindo, só produzem obras de arte, como os dois discos gravados por ela junto com João Carlos Assis Brasil citados no início deste texto (vale dizer que todos os discos de Alaíde são obras de arte).
O primeiro, “Alaíde Costa & João Carlos Assis Brasil”, em cuja capa há duas pérolas, uma branca e uma negra, deve figurar, obrigatoriamente, em qualquer discoteca que se preze, que prime pela nobreza. Nele, só há canções deslumbrantes, cuja qualidade pode ser atestada por qualquer crítico do mundo todo. Entre essas canções, figura Sem você, que, mesmo não sendo uma das mais conhecidas da parceria Tom/Vinicius, é uma das mais belas canções que a dupla já produziu: [“Sem você/ Sem amor / É tudo sofrimento / Pois você / É o amor / Que eu sempre procurei em vão / Você é o que resiste / Ao desespero e à solidão (...)”]. De Oscar Castro Neves e Luvercy Fiorini, que, assim como Jobim e Vinicius, são compositores altamente requintados, Alaíde incluiu Morrer de amor [O amor deve ser a pergunta / que não se faz (...)] e uma das mais belas e pungentes canções de todos os tempos, Onde está você, perfeita na voz de nossa diva: “[Onde está você / Se o sol morrendo te escondeu / Onde ouvir você / Se a tua voz a chuva apagou / Onde ir buscar / Se o coração / Bater de amor pra ver você (...)”]. Outra que merece loas e mais loas é a 1ª ária (cantilena) das Bachianas Brasileiras nº 5, com texto de Ruth Valadares Correa. Em tal canção, que integra o repertório de dez entre dez cantoras líricas, Alaíde Costa, uma cantora popular, está simplesmente divina. É tanta perfeição, é tanta delicadeza, que, quando a ouvimos, prendemos a respiração, ficamos paralisados e comprovamos o que disse Hermínio Bello de Carvalho no texto do encarte que acompanha o CD: “(...) O que me fascina em Alaíde é que, além de uma grande cantora, ela é uma intérprete de extrema visceralidade (...)”. Aí, nessa faixa (e nas demais também), a técnica, apuradíssima, está a serviço do coração, órgão com o qual Alaíde adentra o universo vila-lobiano numa entrega total e apaixonante. Como conter as lágrimas ao ouvir tanta beleza? Impossível! Choro um rio sempre que a ouço.
E o desfile de pérolas não para por aí: Azulão (Jaime Ovalle / Manuel Bandeira), Estrada do sertão (João Pernambuco / Hermínio Bello de Carvalho), Come again (John Dolland / Versão: José Péricles da Silva Ramos), Modinha (Tom / Vinicius), Faca (Fátima Guedes), Sertaneja (Ernesto Nazareth / Catulo da Paixão Cearense), Te quiero (Alberto Favero / Mario Benedetti) e Primavera (Carlos Lyra / Vinicius) completam o repertório. Pergunto: por acaso, alguma pessoa, em sã consciência, ousa encontrar algum defeito num repertório assim? E o piano de Assis Brasil? Recorrendo novamente ao que disse Hermínio, esse moço, de rara sensibilidade, não faz “seu piano duelar, mas compactuar com o artista que divide com ele seu espaço”. Ambos, Alaíde e Assis Brasil, estão sublimes.
No “Voz & piano”, que Alaíde e Assis Brasil gravaram em 2006, a epifania se repete: intérpretes extraordinários e repertório impecável são  a chave para mais uma obra de valor inquestionável. Entre as iguarias, encontramos Amargura, de Radamés Gnattali e Alberto Ribeiro, uma sofisticada canção também gravada por Nana Caymmi, outra intérprete a quem os deuses permitiram cantar com a alma: “[Toda amargura que há no céu / Que há na terra e no mar / Nasceu talvez da tristeza / Que tens no olhar / No céu há um sol a brilhar / Que beija a terra e o mar / Só tu continuas assim / Dia e noite a chorar (...)”]. Pois é, que junta Jobim e Buarque, é uma de minhas canções preferidas tanto do Chico quanto do Tom. Tão bela quanto as gravações de Elis (“Elis & Tom”, 1974) e Gal (“Água viva”, 1978) é a de Alaíde, que, mais uma vez, leva-nos às lágrimas: “[Pois é / Fica o dito e o redito por não dito / E é difícil dizer que ainda é (que foi) bonito / Cantar o que me restou de ti (é inútil cantar o que perdi) / Daí (Taí) / Nosso mais-que-perfeito está desfeito / E o que me parecia tão direito / Caiu desse jeito sem perdão (...)]”. Quem já perdeu um amor sabe o quanto é doída essa canção. Com Alaíde Costa, então, a dor é dilacerante. Bom-dia, de Herivelto Martins e Aldo Cabral, é um clássico do repertório de Dalva de Oliveira: “[Amanheceu / Que surpresa me reservava a tristeza / Nessa manhã muito fria (...)]”. À semelhança de Dalva, Alaíde imprime à canção a dramaticidade e a emoção que ela requer. E por falar em Dalva, é a própria Alaíde quem diz que nosso “Rouxinol” foi sua “escola” no quesito “emocionar”, mesmo sabendo que emoção não se aprende e que as duas são completamente diferentes quanto ao estilo.
Outra de nossas incontestáveis divas é Elis Regina, de cujo repertório Alaíde garimpou Essa mulher, que dá nome ao disco que a “Pimentinha” gravou em 79 e é o preferido de Alaíde. De Joyce e Ana Terra, essa canção é excepcional. Assim como Elis, Alaíde foi ao ápice da emoção: “De manhã cedo, essa senhora se conforma / Bota a mesa, tira o pó, lava a roupa, seca os olhos / Ah, como essa santa não se esquece de pedir pelas mulheres / pelos filhos, pelo pão (...)]”. E mais obras-primas integram o “Voz & Piano”: Estrada branca (Tom / Vinicius), Teus ciúmes (Lacy Martins / Aldo Cabral), Quando tu passas por mim (Vinicius / Antônio Maria), Nunca (Lupicínio Rodrigues), Ocultei (Ary Barroso), Nova Ilusão (José Menezes / Luiz Bittencourt), Janelas abertas (Jobim / Vinicius) e a instrumental Noturno (Radamés Gnattali).
Ao falar em Alaíde Costa, lembrei-me de que Zé Pedro, DJ e dono da gravadora Joia Moderna, disse, em seu livro Meus discos e nada mais: memórias de um DJ na música brasileira, que ela o faz chorar. Também choro, Zé Pedro, quando ouço essa dama da canção. Choro bastante quando ouço essa intérprete rara chamada Alaíde Costa, um clássico da MPB mais nobre e requintada.  

 ESTRADA BRANCA
 Tom Jobim / Vinicius de Moraes
 Estrada branca /  Lua branca / Noite alta / Tua falta caminhando / Caminhando / Caminhando / Ao lado meu / Uma saudade / Uma vontade / Tão doída / De uma vida / Vida que morreu / Estrada passarada / Noite clara / Meu caminho é tão sozinho / Tão sozinho / A percorrer / Que mesmo andando / Para a frente / Olhando a lua tristemente / Quanto mais ando / Mais estou perto / De você // Se em vez de noite / Fosse dia / Se o sol brilhasse / E a poesia / Em vez de triste / Fosse alegre / De partir / Se em vez de eu ver / Só minha sombra / Nessa estrada / Eu visse ao longo / Dessa estrada / Uma outra sombra / A me seguir // Mas a verdade / É que a cidade / Ficou longe, ficou longe / Na cidade / Se deixou meu bem-querer / Eu vou sozinho sem carinho / Vou caminhando meu caminho / Vou caminhando com vontade de morrer



NUNCA
Lupicínio Rodrigues
Nunca / Nem que o mundo caia sobre mim / Nem se Deus mandar / Nem mesmo assim / As pazes contigo eu farei / Nunca / Quando a gente perde a ilusão / Deve sepultar o coração / Como eu sepultei / Saudade / Diga a esse(a) moço(a) por favor / Como foi sincero o meu amor / Quanto eu o(a) adorei tempos atrás / Saudade / Não esqueça também de dizer / Que é você quem me faz adormecer / Pra que eu viva em paz

PRIMAVERA
Carlos Lyra / Vinicius de Moraes
O meu amor sozinho / É assim como um jardim sem flor / Só queria poder ir dizer a ela / Como é triste se sentir saudade // É que eu gosto tanto dela / Que é capaz dela gostar de mim / E acontece que eu estou mais longe dela / Que da estrela a reluzir na tarde // Estrela, eu lhe diria / Desce à terra, o amor existe / E a poesia só espera ver / Nascer a primavera / Para não morrer  // Não há amor sozinho / É juntinho que ele fica bom / Eu queria dar-lhe todo o meu carinho / Eu queria ter felicidade // É que o meu amor é tanto / Um encanto que não tem mais fim / E no entanto ela não sabe que isso existe / É tão triste se sentir saudade // Amor,eu lhe direi / Amor que eu tanto procurei / Ah, quem me dera eu pudesse ser / A tua primavera / E depois morrer

FACA
Fátima Guedes
O seu nome é uma faca / me dilacerando / O segredo é uma faca / de dois gumes / Morro de paixão / morro de ciúmes / Você vive na estrela / incomunicável / Você fala comigo e nem me vê / Preciso olhar o céu / Pra compreender você / O seu nome é uma faca / lâmina afiada / enterrada em meu peito até o fim / É melhor morrer de uma vez / Eu já estou jogada a seus pés / Tenha dó de mim

SERTANEJA
Ernesto Nazareth / Catulo da Paixão Cearense
Sestrosa, dengosa / derriçosa, odorosa flor / Maldosa, formosa, / Sertaneja, meu lindo amor / Anjinho, benzinho / meu carinho, meu beija-flor / Condena, sem pena / que minha alma / te adora o rigor / Quando tu passas / na orla do monte / caminho da fonte / da tarde ao morrer / Meu pranto rola / por sobre a viola / que a noite consola / no seu gemer / Provocante, radiante / fascinante, ondulante / num teu fado ritmado / tu nos fazes até chorar / Logo a gente, a gente sente / uns desejos dos teus beijos / que até nos fazem delirar / Ingrata, ingrata / volve a mim o teu doce olhar / Teu riso me mata, / me maltrata, me faz banzar / Desata, desata / esse olhar do meu coração / Ingrata, ingrata / suspirosa irerê do sertão / Também se passas / formosa e tirana / por minha choupana / da tarde ao cair / vou te seguindo / na estrada arenosa / qual rola saudosa / a carpir, a carpir / Na dança deslizas / e assim pisa mil corações / Teu peito é o leito / doce leito das tentações / Teus olhos, teus olhos, / os queixumes das nossas paixões









         
 







quarta-feira, 30 de setembro de 2015

POLÊMICA POBRE, BRIGUINHA, DESACATO




                 
PARECE QUE BEBE
Itamar Assumpção


Você parece que não sei
Diz tanta coisa que eu vou te contar
Olha pensando bem cala-te boca
E tum e tal e cousa e lousa
Sempre a mesma lenga-lenga
A mesma transa o mesmo tchans
E "zás e trás" tá louco fica só naquela
E fica nessa sei lá maior comédia
O que é isso logo pra cima de moi
Tô por aqui ó sai fora disso
Parece que bebe parece que sei lá
  


   POLÊMICA POBRE, BRIGUINHA E DESACATO


   Por Fábio Brito



             O que é argumentar?, perguntei, dias atrás, a alunos. Afirma-se, grosso modo, que é fazer afirmações e sustentá-las com informações. Simples assim? Não! Argumentar vai além: é preciso saber como se defende uma ideia, como se desenvolve um raciocínio, como se demonstra, como se fundamenta, como se exemplifica. Tudo visando ao convencimento do interlocutor.
            Nesse “conceito” de argumentação, eis uma palavrinha importante: informação. Hoje, em pleno século XXI, como anda o acesso a essa tal informação? Que informações as pessoas estão selecionando? O que estão fazendo com essas informações? Raciocinemos: se o fato de ter a informação (ou a facilidade de acesso a ela) é um dos itens para a construção de argumentos, espera-se que, nestes tempos, quando não se precisa correr atrás das tais informações, as pessoas consigam argumentar mais, não é mesmo? Nada disso! Ledo engano. Não é bem assim que caminha a humanidade. Já caminhou assim, mas faz “muito tempo que caminha de "outro jeito". E ponha “muito” tempo nisso!
            Dias atrás, num seminário sobre práticas de leitura e escrita, um colega questionou-me acerca da “demonização” do celular (encabeço a lista dos “demonizadores”). Ele me disse que podemos inverter essa história toda e fazer do celular (e da Internet) um aliado para a garimpagem de informações. Eu lhe disse o seguinte: podemos, sim, mas o problema é como fazer isso, uma vez que a maioria, quando usa o celular (e usa durante 24 horas), só quer saber de bobagem. Ou seja, não vejo solução a não ser “demonizar” mesmo. Se, de fato, muita gente está lendo no celular, por que o nível de escrita não melhora? Só piora! Afirmo, constato e comprovo isso. E não preciso esforçar-me muito para chegar a essa constatação.
Um dado estarrecedor desmonta o raciocínio de que as pessoas estão argumentando mais por causa das novas tecnologias: andam selecionando apenas bobagens e sandices, como afirmei. A maioria (não nos assustemos!) das pessoas é fútil e vazia. Pronto! Não existe prova melhor para a incapacidade de argumentação. É evidente que, hoje e como nunca, as informações vêm a nosso encontro: entram pela greta da porta, pela fresta da janela, pelo telhado. Com todas as suas inutilidades e com algo que, vasculhando bem, pode ser aproveitado, a Internet está aí. Todavia, o problema está na seleção do que é veiculado. Se só ‘se’ leem bobagens, como fica – volto a perguntar - o nível argumentativo de quem “só lê bobagem”? A nota máxima não passa de zero. Se o indivíduo tem de argumentar, mas não sabe como, o que ele vai fazer? Buscará apoio, obviamente, no consenso geral, na ‘voz geral corrente’, no ‘discurso anônimo do senso comum’, na voz de todos que, em verdade, é a de ninguém.
Ter apenas a voz do outro como suporte é, como se sabe, precário à beça, exatamente porque isso significa abdicar da própria opinião. A criatura transforma-se, então, em papagaio de realejo e apenas repete. Repete, principalmente, o que diz o apresentador do grande telejornal, repete o que dizem as estrelas da TV (as que não têm nada a dizer, é evidente!). Resumo da ópera: as pessoas repetem o que, de modo geral, é ditado (ou “normatizado”) pela mídia, que manipula descaradamente (só não enxerga quem não quer). O resultado é o que se poderia esperar de pior: as pessoas “vão na onda”. Saem por aí dizendo somente algo sem consistência e sobre quaisquer assuntos”. Quando se trata de política, então, saem espancando, linchando e matando. Pura tirania, que nasce exatamente do “ir na onda”, da ignorância, da falta de argumentos. Nem querem saber. Não apuram, não investigam. Apenas vão atrás do que “ouviram dizer”.
 Vá ao facebook, por exemplo, e constate. Polêmica pobre, desacato e briguinha dão o tom da maioria das conversas/discussões que se desenvolvem nesse espaço. E os que apelam para o emocional? Dispensam comentários. Dizem que todos são bons, que querem justiça social e mais não sei o quê. Raras são as pessoas que conseguem discutir com seriedade algum assunto relevante. Não faz muito tempo, no “Twitter”, um conhecido ator ousou dizer que os idiotas nunca se expressaram tanto como nos tempos atuais. “Vixe”! O que não faltou foi pedrada. Ele, o ator, desistiu do “Twitter”. É isso aí! Ele disse mentira? Claro que não! E alguém, por acaso, aceita que digam o que ele disse? São todos uns filósofos. Deus meu, aonde vamos!




        Narcisismo no "Face"


            Luiz Felipe Pondé 



         Cuidado! Quem tem muitos amigos no "Face" pode ter uma personalidade narcísica. Personalidade narcísica não é alguém que se ama muito, é alguém muito carente.
          Faço parte do que o jornal britânico The Guardian chama de social media sceptics (céticos em relação às mídias sociais) em um artigo dedicado a pesquisas sobre o lado "sombrio" do Facebook (2203-2012).
          Ser um social media sceptic significa não crer nas maravilhas das mídias sociais. Elas não mudam o mundo. Aliás, nem acredito na "história", sou daqueles que suspeitam que a humanidade anda em círculos, somando avanços técnicos que respondem aos pavores míticos atávicos: morte, sofrimento, solidão, insegurança, fome, sexo. Fazemos o que podemos diante da opacidade do mundo e do tempo.
          As mídias sociais potencializam o que no humano é repetitivo, banal e angustiante: nossa solidão e falta de afeto. Boas qualidades são raras e normalmente são tão tímidas quanto a exposição pública.
          E, como dizia o poeta russo Joseph Brodsky (1940-96), falsos sentimentos são comuns nos seres humanos, e quando se tem um número grande deles juntos, a possibilidade de falsos sentimentos aflorarem cresce exponencialmente.
          Em 1979, o historiador americano Christopher Lasch (1932-94) publicava seu best-seller acadêmico "A Cultura do Narcisismo", um livro essencial para pensarmos o comportamento no final (sic) de século 20. Ali, o autor identificava o traço narcísico de nossa era: carência, adolescência tardia, incapacidade de assumir a paternidade ou maternidade, pavor do envelhecimento, enfim, uma alma ridiculamente infantil num corpo de adulto.
          Não estou aqui a menosprezar os medos humanos. Pelo contrário, o medo é meu irmão gêmeo. Estou a dizer que a cultura do narcisismo se fez hegemônica gerando personalidades que buscam o tempo todo ser amadas, reconhecidas, e que, portanto, são incapazes de ver o "outro", apenas exigindo do mundo um amor incondicional.
          Segundo a pesquisa da Universidade de Western Illinois (EUA), discutida pelo periódico britânico, "um senso de merecimento de respeito, desejo de manipulação e de tirar vantagens dos outros" marca esses bebês grandes do mundo contemporâneo, que assumem que seus vômitos são significativos o bastante para serem postados no "Face".
          A pesquisa envolveu 294 estudantes da universidade em questão, entre 18 e 65 anos, e seus hábitos no "Face". Além do senso de merecimento e desejo de manipulação mencionados acima, são traços "tóxicos" (como diz o artigo) da personalidade narcísica com muitos amigos no "Face" a obsessão com a autoimagem, amizades superficiais, respostas especialmente agressivas a supostas críticas feitas a ela, vidas guiadas por concepções altamente subjetivas de mundo, vaidade doentia, senso de superioridade moral e tendências exibicionistas grandiosas.
          Pessoas com tais traços são mais dadas a buscar reconhecimento social do que a reconhecer os outros.
          Segundo o periódico britânico, a assistente social Carol Craig, chefe do Centro para Confiança e Bem-estar (meu Deus, que nome horroroso...), disse que os jovens britânicos estão cada vez mais narcisistas e reconhece que há uma tendência da educação infantil hoje em dia, importada dos EUA para o Reino Unido (no Brasil, estamos na mesma...), a educar as crianças cada vez mais para a autoestima.
          Cada vez mais plugados e cada vez mais solitários. Na sociedade contemporânea, a solidão é como uma epidemia fora de controle.
          O Facebook é a plataforma ideal para autopromoção delirante e inflação do ego via aceitação de um número gigantesco de "amigos" irreais. O Dr. Viv Vignoles, catedrático da Universidade de Sussex, no Reino Unido, afirma que, nos EUA, o narcisismo já era marca da juventude desde os anos 80, muito antes do "Face".
          Portanto, a "culpa" não é dele. Ele é apenas uma ferramenta do narcisismo generalizado. Suspeito muito mais dos educadores que resolveram que a autoestima é a principal "matéria" da escola.
          A educação não deve ser feita para aumentar nossa autoestima, mas para nos ajudar a enfrentar nossa atormentada humanidade. 


Fonte: http://www.paulopes.com.br/2012/04/facebook-potencializa-banalidade-da.html


 


O MUNDO DOS HOMENS ENVOLVE-ME
Cecília Meireles

O mundo dos homens envolve-me,
porém não me abraça.

Eu não tenho nada com a onda,
mesmo que naufrague dentro dela.

Se tu não sentes esta coisa simples que eu sinto,
esta unidade que não se rompe,
mesmo quando compreende e participa...

(Então, ó deuses, de que somos, de  quem somos, quem somos (...)?
 


          TEMPO INCERTO
          Cecília Meireles


 Os homens têm complicado tanto o mecanismo da vida que já ninguém tem certeza de nada: para se fazer alguma coisa é preciso aliar a um impulso de aventura grandes sombras de dúvida. Não se acredita mais nem na existência de gente honesta; e os bons têm medo de exercitarem sua bondade, para não serem tratados de hipócritas ou de ingênuos.
Chegamos a um ponto em que a virtude é ridícula e os mais vis sentimentos se mascaram de grandiosidade, simpatia, benevolência. A observação do presente leva-nos até a descer dos exemplos do passado: os varões ilustres de outras eras terão sido realmente ilustres? Ou a História nos está contando as coisas ao contrário, pagando com dinheiros dos testamentos a opinião dos escribas?
Se prestarmos atenção ao que nos dizem sobre as coisas que nós mesmos presenciamos - ou temos que aceitar a mentira como a arte mais desenvolvida do nosso tempo, ou desconfiaremos do nosso próprio testemunho, e acabamos no hospício!
Pois assim é, meus senhores! Prestai atenção às coisas que vos contam, em família, na rua, nos cafés, em várias letras de forma, e dizei-me se não estão incertos os tempos e se não devemos todos andar de pulga atrás da orelha!
A minha esperança estava no fim do mundo, com anjos descendo do céu; anjos suaves e anjos terríveis; os suaves para conduzirem os que se sentarão à direita de Deus, e os terríveis para os que se dirigem ao lado oposto. Mas até o fim do mundo falhou; até os projetos se enganam, a menos que as rezas dos justos tenham podido adiar a catástrofe que, afinal, seria também uma apoteose. E assim continuaremos a quebrar a cabeça com estes enigmas cotidianos.
No tempo de Molière, quando um criado dava para pensar, atrapalhava tudo. Mas agora, além dos criados, pensam os patrões, as patroas, os amigos e inimigos de uns e de outros e todo o resto da massa humana. E não só pensam, como também pensam que pensam! E além de pensarem que pensam, pensam que têm razão! E cada um é o detentor exclusivo da razão!
Pois de tal abundância de razão é que se faz a loucura. Os pedestres pensam que devem andar pelo meio da rua. Os motoristas pensam que devem pôr os veículos nas calçadas. Até os bondes, que mereciam a minha confiança, deram para sair dos trilhos. Os analfabetos, que deviam aprender, ensinam! Os ladrões vestem-se de policiais, e saem por aí a prender os inocentes! Os revólveres, que eram considerados armas perigosas, e para os quais se olhava a distância, como quem contempla a Revolução Francesa ou a Guerra do Paraguai - pois os revólveres andam agora em todos os bolsos, como troco miúdo. E a vocação das pessoas, hoje em dia, não é para o diálogo com ou sem palavras, mas a balas de diversos calibres. Perto disso, a carestia da vida é um ramo de flores. O que anda mesmo caro é a alma. E o demônio passeia pelo mundo, glorioso e impune.



"Às vezes te consideras por demais esquisito e te reprovas por seguires caminhos diversos dos da maioria. Deixa-te disso. Contempla o fogo, as nuvens, e quando surgirem presságios e as vozes soarem em tua alma abandona-te a elas sem perguntares se isso convém ou é do gosto do senhor teu pai ou do professor ou de algum bom deus qualquer. Com isso só conseguimos perder-nos, entrar na escala burguesa e fossilizar-nos. Meu caro Sinclair, nosso Deus se chama Abraxas e é deus e demônio a um só tempo; sintetiza em si o mundo luminoso e o obscuro. Abraxas nada tem a opor a qualquer de teus pensamentos e a qualquer de teus sonhos. Não te esqueça disso.

"Demian", Herman Hesse




MÃOS DADAS
Carlos Drummond de Andrade


Não serei o poeta de um mundo caduco
Também não cantarei o mundo futuro
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças
Entre eles, considero a enorme realidade
O presente é tão grande, não nos afastemos
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história
Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida
Não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes
A vida presente