É PRECISO DIZER ADEUS
Tom
Jobim / Vinicius de Moraes
É
inútil fingir
Não te
quero enganar
É
preciso dizer adeus
É
melhor esquecer
Sei que
devo partir
É
preciso dizer adeus
Ah, eu
te peço perdão
Mas te
quero lembrar
Como
foi lindo
O que
morreu
E essa beleza
do amor
Que foi
tão nossa
E me
deixa tão só
Eu não
quero perder, não quero enganar, não devo trair
Porque
tu foste pra mim
Meu
amor
Como um
dia de sol
QUERO
QUE TUDO SAIA COMO SOM DE... ITHAMARA
Por
Fábio Brito
"(...) Sim, juro que somos deuses. Porque eu também já morri de alegria muitas vezes na minha vida. (...)"
Clarice Lispector
Clarice Lispector
Por volta de 1985, o músico Carlos Sapão chamou uma jovem de
nome Ithamara, que ainda não assinava Koorax, para uma canja no lendário “Café
Nice” (é... o mesmo da canção “Memórias do Café Nice”, de Artúlio Reis e
Monalisa, imortalizada por Doris Monteiro, Milton Carlos...). Depois de ouvi-la, Sapão foi
certeiro ao dizer que a menina tinha futuro. E foi esse mesmo músico que, dia
21, retribuiu a canja: participou do “show” de Ithamara (agora Koorax), no Bottle's Bar, uma pequena boate do Beco
das Garrafas (Copacabana, Rio) que, nos anos 60, deu colo à recém-nascida Bossa
Nova e ao samba-jazz.
Pois é, o que dizer de um “show”, de um concerto, que, além do
sax de Sapão, contou também com outros músicos geniais, como Gerferson Horta
(baixo), Alfredo Cardim (piano), Rubinho Moreira (bateria) e Ithamara Koorax
(voz)? Se, como apregoam por aí, a perfeição não existe, esses músicos
(Ithamara é “um” músico cantando), passaram perto, bem perto dessa tal
perfeição. O que pude ver – em êxtase –
nessa noite de 21 de janeiro foi um “show” inigualável. Ithamara e os demais
músicos tiveram a capacidade de mostrar as canções por inteiro e em total
harmonia com a plateia. Com improvisações desconcertantes, fugiram a quaisquer
formas estabelecidas. Preencheram até espaços inimagináveis. Para nós, público,
poder ouvi-los indo a regiões a que raríssimos músicos no mundo ousariam ir é
um deslumbre.
No repertório do espetáculo, só obras-primas, claro! Garota
de Ipanema e Eu sei que vou te amar,
ambas de Tom/Vinicius, são clássicos dos quais os “shows” da diva Koorax não
podem prescindir. Nessa noite ímpar, tais canções foram presentes oferecidos a
nós em português/inglês e em português/francês, respectivamente. Mesmo sendo
canções conhecidíssimas e com inúmeras gravações mundo afora, Ithamara as
reinventou. Sempre que a ouço interpretando esses clássicos (e muitos outros), é
fácil constatar o que há de diferente em cada nova interpretação. É, sim, um
trabalho de coautoria, de recriação, mas é também um jeito muito peculiar de
“viver” as canções que interpreta. O grande intérprete apossa-se, no melhor
sentido, das canções que ele “vive” ou recria. Toma-as para si. Ithamara, como
poucos, chegou, com altivez, a esse nível de excelência, que é o de “viver”
todas as canções que interpreta.
Insensatez (Tom e Vinicius), por
exemplo, é uma das canções mais belas que já ouvi. Doída e lírica, ela é
catártica para mim. Com a interpretação da Ithamara, melodiosa ao extremo,
deixo vazarem meus reservatórios sentimentais. Como resistir a uma canção em
cuja letra o eu poético nos fala de um descuidado coração que fez chorar de dor
um amor muito delicado? Há muitos corações sem cuidado por aí, que, sem pudor,
saem pisoteando amores delicados. Ouvindo Ithamara, lembramo-nos de muitos
corações assim.
Minha saudade (João Donato e João
Gilberto), Desafinado (Tom Jobim e
Newton Mendonça) e Ela é carioca (Tom
Jobim e Vinicius de Moraes) sempre brilham alto. São canções que já ouvi
Ithamara interpretar inúmeras vezes. Desnecessário dizer que, a cada
interpretação, nascem mais três canções. Multipliquem aí...
Lígia (Tom Jobim), exatamente
como na gravação do CD Love Dance,
foi interpretada com uma languidez insuperável. Em tempos de homenagem ao
“maestro soberano”, ouvir esse clássico na interpretação perfeita de Koorax é
mais uma chance de constatarmos a genialidade de Jobim e a falta que ele nos
faz.
Disse alguém / All of me (Seymor Simons
/ Gerald Marks – Haroldo Barbosa), pinçada lá do repertório de Billie Holiday,
já é quase obrigatória nos “shows” da Ithamara. Sempre que a ouço, fico assoviando a melodia
durante dias seguidos. Uma canção assim também não passaria despercebida por
Frank Sinatra e João Gilberto...
Em Só louco (Dorival
Caymmi), Ithamara e os músicos optaram por um andamento mais lento, o que
realçou ainda mais a beleza dessa obra-prima do Caymmi, nosso querido
“Algodão”, que é um patrimônio deste país. Consagrada nas vozes de Nana Caymmi,
Gal Costa e do próprio Caymmi, essa canção ganhou de Ithamara mais uma
interpretação antológica.
Mas que nada (Jorge Ben) é um “show” à
parte. Já ouviram falar em virtuosismo? Ei-lo na interpretação de Koorax para
esse clássico. Detalhe: é virtuosismo, sim, mas com “profundidade de
inspiração”. Em se tratando de Ithamara, não podemos falar apenas de grande
habilidade técnica. O sentimento e a emoção estão aí. Suas gravações dessa obra genial (ou as apresentações ao vivo) deveriam figurar em alguns “livros de recordes”.
E, agora, uma pausa, que pode ser de “mil compassos”: Ária na corda sol da suíte nº 3, de
Johann Sebastian Bach, leva-me às lágrimas. O ritual é sempre o mesmo: quando
Ithamara a interpreta, fecho os olhos e levito. Não sei aonde vou. Só sei que
viajo.
Pois é, depois de assistir a um espetáculo como esse do Bottle’s, em que músicos geniais e uma
voz insuperável reinaram durante quase duas horas, pensei no seguinte:
muitas figuras que vejo por aí - que se autodenominam cantoras, que não saem
da mídia, que vendem muito e não têm o mínimo pudor em dizer que cantam - deveriam
estudar na “Escola Superior de Música Ithamara Koorax”. Certamente, ficariam
reprovadas (talvez até jubilassem) durante bons anos, mas, ao fim de tudo,
aprenderiam pelo menos o elementar.
A voz de Ithamara é, no mínimo, algo perturbador. “Cristalinamente
afinada”, é uma iguaria finíssima que, infelizmente, ainda não pode ser
degustada por muita gente que consome música neste país. Que pena! Há um
contexto assustador que não deixa que os tais biscoitos finos cheguem à massa. Trata-se
de um boicote antigo e com raízes fundas. Ao povo, restam as sobras, a
indigência. O triste é constatar que não foi sempre assim...