PELA INTERNET 2
(Gilberto Gil)
Criei meu website
Lancei minha homepage
Com 5 gigabytes
Já dava pra fazer um barco que veleje
Meu novo website
Minha nova fanpage
Agora é terabyte
Que não acaba mais por mais
que se deseje
Que o desejo agora é garimpar
Nas terras das serras peladas virtuais
As criptomoedas, bitcoins e tais
Novas economias, novos capitais
(...)
Meu bem, o iTunes tem
De A a Z quem você possa imaginar
Estou preso na rede
Que nem peixe pescado
É zapzap, é like
É instagram, é tudo muito bem bolado
O pensamento é nuvem
O movimento é drone
O monge no convento
Aguarda o advento de Deus pelo iPhone
Cada dia nova invenção
É tanto aplicativo que eu não sei mais não
What's app, what's down, what's new
Mil pratos sugestivos num novo menu
É Facebook, é Facetime, é Google Maps
Um zigue-zague diferente, um beco, um CEP
Que não consta na lista do velho correio
De qualquer lugar
Waze é um nome feio, mas é o melhor meio
De você chegar
EM QUE SÉCULO MESMO?
Por
Fábio Brito
Há uns meses, num
encontro sobre leitura e literatura, ouvi de uma professora – “moderninha” - um
comentário que tenho ouvido com frequência nos últimos anos. Ela disse que,
hoje, nossos alunos estão no século XXI, mas os professores estacionaram no (já)
distante século XX, quiçá no XIX. É mesmo, professora?, perguntei a meus
botões. Qual seria, matutei, a justificativa que ela daria para seu comentário,
que provocou um “oooooh” na plateia? Vai adentrar o terreno dourado das novas
tecnologias, eu disse novamente a meus botões, meus ouvintes fidelíssimos.
Acertei em cheio! E não é que ela “deitou falação” sobre novas tecnologias? É a
salvação do mundo, pensou a maioria das pessoas que ouviam a professora. Era
tudo o que queriam ouvir, tanto que o “oooooh” não foi à toa.
Sendo craques
no uso das novas tecnologias, os alunos, conforme o raciocínio da professora,
não têm dificuldades de aprendizagem.
Eles chegam às informações e ao conhecimento bem antes do professor.
Será, professora? Será que um aluno sem uma base bem feita sabe, por exemplo, fazer a triagem
do que ele busca na internet? Sabe não, professora! Será que o Google – que é visto por
muita gente como um oráculo - pode ser bem usado por pessoas que não sabem nem
o que procuram? Pode ser não, professora!
É... posso
estar redondamente enganado, mas muitos alunos não estão no glamouroso século XXI que
você tanto idolatra, professora. Decepcionando-a, devo dizer-lhe que muitos alunos não
saíram do longínquo século XVI, ou até antes um pouquinho. Não se espante e
nem se assuste. Tenho justificativas que considero plausíveis para minha afirmativa. Vamos a
elas? Na história da ortografia portuguesa, tivemos três períodos. Um deles – o
que me interessa no momento - é o fonético, que coincide com a fase arcaica da
língua e vai até o século XVI. Nesse período, a escrita era a reprodução da
fala. E o que vemos, hoje, nos textos de nossos alunos, professora? Não é a
reprodução exata da fala? E não me refiro a alunos do fundamental! Alunos do
ensino médio e, pasme!, até de universidades escrevem exatamente como falam, independentemente da situação. Eis
aí apenas um argumento para justificar o fato de muitos alunos não terem saído
do século XVI. É ou não é uma justificativa consistente?
O problema a
que me refiro é muito grave, professora. Não se trata, como podem pensar
algumas pessoas, de rabugice de professor arcaico que não
acredita no fato de a língua ser dinâmica. Não é isso. Não se trata disso. Muitos
alunos, professora, quando chegam ao ensino médio ou à faculdade, chegam praticamente "zerados" em leitura. Não leram praticamente nada durante a vida. Mas até alunos de universidade?, você pode perguntar. Sim,
professora, alunos de universidade também! Há muitos que não conseguem
compreender textos um pouco mais complexos. Sabemos que quaisquer textos, para serem entendidos, exigem
do leitor a compreensão – ainda que mínima - da lógica das construções frasais.
Numa leitura em voz alta, por exemplo, podemos identificar imediatamente se o
aluno está lendo mesmo, ou seja, se ele está compreendendo o que lê, ou se apenas
junta – e muito mal – letrinhas e sílabas e não consegue chegar ao sentido do
que “está lendo”. Se perguntado, por exemplo, sobre o assunto de que trata o texto, esse aluno, certamente, não saberá dizer. Não é assustador isso?
Cara
professora, esses alunos a que me refiro são excelentes em
novas tecnologias. Todos nós sabemos disso. Entretanto, não é isso que me
interessa. O que quero, professora, é que meu aluno saiba, principalmente, usar
a leitura e a escrita como exercício de cidadania. O que quero, professora, é
que meu aluno entenda os textos que lê e os que ele escreve. Se ele tem um
celular de última geração e faz tudo com ele, mas não consegue compreender um
simples texto informativo, esse aluno ainda precisa de muita ajuda, professora. Posso até dizer que ele é mais um deslumbrado com todas as novidades tecnológicas que, aos borbotões, têm invadido nossa vida nos últimos anos. Ele não passa de uma vítima desse sistema perverso que está aí. Esse aluno precisa, portanto, de ajuda.
Rezando “por”
sua cartilha, como diziam os mais velhos, esse aluno – que é “expert” em novas
tecnologias – é “top”; o professor, ao contrário, é um primitivo. O professor, pobre
criatura, ainda está no tempo do papel; o aluno, no século XXI. Por isso, o
aluno não está nem aí para as aulas, não é mesmo, professora? O professor fala,
fala, fala, mas não é ouvido. E se o professor, por exemplo, deixasse de ser primitivo” e mergulhasse no mundo dourado do aluno, daria certo? Ou seja, se o professor abandonasse o “velho e
bolorento” mundo em que ele vive, o da papelada sem fim, e virasse, de um instante para outro, “muderno”, tão “muderno” a
ponto de as pessoas se espantarem com tamanha transformação, daria certo? Para
muitas instituições de ensino, sim, professora. Esses
professores “transformados” seriam tão bem vistos, que essas instituições se encarregariam não só de promovê-los, mas também de demitir os “dinossauros”, os que não quiseram, ou não conseguiram, "mudar".
Pois é,
professora, para você, o caminho é esse aí mesmo, não é? O caminho dourado e enganador - que você pensa conhecer tão bem - das novas e encantadoras tecnologias. Você tem certeza disso, não é mesmo? Eu não teria tanta certeza assim. Sabe por que esse meu ceticismo? Porque o mundo está fútil e vazio, professora. À realidade que
vejo, não interessa que a pessoa se aprofunde em nada. Quanto mais vazia... melhor. Assim, o caminho para a manipulação não vai encontrar barreiras.
Professora, experimente “dar uma aula totalmente imersa em
tecnologia”. Ah, sim, você já faz isso há muito tempo, não é? É, mas deve fingir que
não vê (ou não vê mesmo!) o que os alunos fazem: pegam seus celulares e acessam
bobagens o tempo todo. Não há planejamento, por mais mirabolante que seja, que dê jeito nisso! Seja qual for o assunto da aula, este será
menos interessante do que as futilidades que eles facilmente encontram em seus celulares. Já parou para pensar nisso? Ah, cara professora, a tecnologia
pode e deve ser usada, uma vez que ela é uma ferramenta primorosa. É uma ferramenta e, como toda ferramenta, precisa ser bem usada. Simples, simples.
Saber usar ferramentas na educação, professora, não é promover "oba-oba". É com seriedade que vamos mudar - ainda tenho esperanças – o cenário caótico em que se encontra a
educação neste país. Se, hoje, vivemos no império da superficialidade, as mudanças só chegarão por meio de muita leitura.
Leitura do professor, do aluno, dos pais... Ler os clássicos, por exemplo, faz
diferença na vida da gente, professora. Para lê-los, você pode até usar a tecnologia, sabia? Se o problema é a ojeriza ao papel, muitos livros
que mudaram o mundo já estão disponíveis em PDF. Problema resolvido. Não é fácil? Até qualquer dia, professora.