CANTORIA
Ivan Lins - Vitor Martins
Nossa cantoria
Nosso coração
Nosso bloco, nossa folia
Contra a solidão
Nossa teimosia
Nossa louvação
Nosso fogo, nossa magia
Contra a escuridão
Somos a aroeira
Madeira dura de se cortar
Mesmo depois de morta, ela
brota
Só pra desafiar
Somos a correnteza
Que começa num gotejar
Mesmo que se represe, ela
segue
E vai transbordar o mar.
COMO NASCEM OS LINCHADORES
Por Fábio Brito
Outro dia, uma pessoa
conhecida de nossa família, ao encontrar sobre uma das mesas aqui de casa um
exemplar de uma inclassificável “revista”, pegou-o e, imediatamente, ao olhar a
capa, que é sempre grotesca, disse-nos: “– Vocês precisam ler isto aqui”! Não
perdi tempo: “– Porque sou Leitor (com inicial maiúscula), não li e não lerei esse tipo de publicação". Minha estrada de leitura, a esta altura da
vida, já é considerável. Dos livros que estão em minha biblioteca, noventa por cento já foram lidos por este jovem senhor
aqui. Posso e devo, portanto, prescindir da leitura de tudo o que é publicado pela imprensa marrom. Para essa pessoa que se dirigiu a mim (e para muitas, infelizmente), a tal revista não é uma revista, mas a
“verdade das verdades” (nota: porque lugar de lixo é no lixo, a “bendita” revista, que não assino, não deveria
estar aqui em casa e muito menos sobre a mesa.
Alguém de minha casa, inadvertidamente, pegou-a na caixa de correspondência e,
talvez por algum inexplicável pudor, não a atiçou, imediatamente, na lixeira. Vez em quando,
insistem em deixar essa publicação aqui em casa. Desconheço o porquê). Tal publicação, vale dizer, integra o “pig” (partido
da imprensa golpista), com minúsculas mesmo.
Qual a razão de meu
repúdio a certas “revistas” e a certos "jornais" (impressos ou não)? Simples:
faltam-lhes jornalistas. Falta-lhes seriedade. Estou cansado de espetáculos desprezíveis cujo único objetivo é o oba-oba, a venda e o "ibope" a qualquer custo. O julgamento prêt-à-porter é a tônica dessas revistas e desses jornais, que só enxergam ruína e destruição. A
imprensa precisa ser séria. E como! A mídia (o jornalismo "em particular") anda carecendo de seriedade (há exceções, lógico!). Em encontro
no TUCA (Teatro da Universidade Católica) de São Paulo, a filósofa Marilena
Chaui, dias atrás, foi categórica ao fazer um diagnóstico de nossa mídia. Vale
transcrever um trecho de sua fala: “(...) A mídia brasileira é obscena. A mídia
brasileira é um escárnio. Ela impede não só o exercício efetivo da liberdade de
expressão e de direito à palavra e à expressão, como ela manipula todas as
informações para produzir não a desinformação: é para produzir a falsa
informação, que é muito mais grave”. Em se tratando da corrupção, por exemplo,
que grassa em nosso país há muito tempo, é necessário que se tenha o máximo de
seriedade nas investigações, na apuração dos fatos. Uma notícia de um fato não
é um fato. Entretanto, é com as notícias de muitos fatos que boa parte da mídia vem
trabalhando há tempos. E aí?
Sobre o jornalismo, especificamente, e sua esperada seriedade, a jornalista Cosette
Alves, em artigo publicado em 1991, no jornal “Folha de S.Paulo”¹, chama a
atenção para o fato de que a imprensa precisa ser séria ao denunciar casos de
corrupção. Precisa apresentar “o máximo possível de provas”, que não podem,
obviamente, ser forjadas. Para ilustrar, Alves cita o caso Watergate, nos EUA, que resultou de sérias investigações dos
jornalistas do The Washington Post. Seriíssimos,
tais jornalistas apresentaram fatos em lugar de insinuações, que, quase sempre, pelo menos por estas bandas, são salpicadas aqui e ali
por inconformados adversários políticos. É da seriedade (jornalística também)
que nasce a “saudável indignação”. Do oba-oba e do show midiático, nascem os xingamentos, a histeria, o ódio, a truculência e a
alucinação. Se o jornalismo não é sério, ele vira “brincadeirinha”, atrás da
qual vai uma multidão, que sai por aí espancando e matando todos que pensam de
maneira contrária à sua. Nascem, assim, os linchadores.
Alguns vídeos a que andei
assistindo sobre a “manifestação” do dia 13 de março deixaram-me assustado (espantado
mesmo!). Na Avenida Paulista, por exemplo, um jovem de dezessete anos teve de
ser escoltado por policiais até encontrar um lugar em que pudesse ficar
protegido de alguns que vociferavam contra ele. O rapaz, acuado, dizia ser “contra
o golpe” (o pedido de impeachment da
Presidenta Dilma), mas, segundo os que o agrediam, ele estava impedido de
manifestar-se. Lembrando o que disse Marilena Chaui acerca dessa manifestação
do dia 13, o que vimos foi uma multidão com ódio, “sem freio e trava de
segurança e que está à procura de um líder, que apareça com essa
universalidade, essa transcendência e poder de unificação que impede a existência
efetiva das contradições (...) e impede o que é o coração da política
democrática: o trabalho dos conflitos”.
Para completar, dias atrás, cheguei a
“ler” (não tive estômago forte o bastante para concluir a leitura) alguns
“textos” que andaram escrevendo sobre as passeatas em defesa da “ética e da
moral” na política. Quem escreveu os tais textos não viu o mesmo que vi. Por
que será? Vi pessoas bradando contra a corrupção, mas com a moral “toda
enterrada na lama”². É muita cretinice! Gente que só não é mais corrupta por
falta de espaço e oportunidade empunhando bandeira para “salvar” o país dos
políticos. Deus meu! Tente subornar esse povo! Tente! Sou capaz de apostar no
seguinte: segurando a “bandeira da moral” com uma das mãos, o calhorda vai
aceitar o suborno com a outra. Claro! Corrupto é só o vizinho. Corrupto é só o
político.
Voltando ao que disse
Chaui, a multidão que saiu às ruas pedindo o fim da corrupção está à procura de
um líder, uma salvador da pátria. Olhando a história de nossos salvadores, fica evidente, para
mim, que, no cenário político brasileiro atual, redesenha-se, mais uma vez, “o
mito do sebastianismo”. Essa multidão, como frisa Chaui, “não está articulada a
nenhum movimento social, popular e partido político”. Só está a fim de um
“salvador”, um novo D. Sebastião. Ergue-se, então, um grande manicômio, que já
nasce superlotado. Fanáticos não faltam. E esses fanáticos – tentando ser bem gentil
em minhas observações - são moldados, não raro, por uma mídia irresponsável, que
finge não saber que está fomentando o ódio, a loucura e o desrespeito total e
irrestrito. O povo, para essa mídia, não passa de “massinha de modelar”.
É triste constatar que, na
mídia, o número de gente fútil, vazia, despreparada é estarrecedor (há honrosas exceções, volto a frisar!). E esse
pessoal sem preparo está capitaneando um barco perigoso: o que se vê, hoje, nada mais é do que uma gigantesca uniformização, uma alienação
gritante e uma total incapacidade de criticar. Nesse cenário em que a identidade
está em crise, assiste-se ao triunfo do lixo midiático e ao espetáculo da TV
dominando simbolicamente as pessoas. Tal domínio se dá, muito claramente, por
meio do sensacionalismo, que é só o que grande parte da mídia sabe fazer. Se falta
profundidade e se há uma completa desconstrução de uma cultura consistente,
posso dizer, por exemplo, que, com exceções, “jornalista raso”, hoje, é
pleonasmo. Qual terá sido o critério de seleção desse povo? Desconheço completamente. Não dá
para escolher um pessoal que lê, que estuda de fato, que pondera, que sabe
argumentar, que é sensato?
Ainda fico espantado
(graças a tudo, ainda não perdi o espanto e a perplexidade) com o nível a que
chegou certa parcela do jornalismo aqui no Brasil. Se alguém quiser saber como muitos
jornalistas andam escrevendo, é fácil: com os textos em mão, vá ao
“Google”, o “oráculo” da maioria, e “veja com os olhos” que, um dia, alimentarão
minhocas ou a cremação transformará em pó: não escrevem nada! Simplesmente copiam
um trechinho aqui, um fragmento acolá e, como se fosse de sua autoria, publicam
o tal “texto”, que é uma baita colagem. Ninguém vê isso na redação (ou finge
que não vê). Quem deveria ver não sabe nada também. Simples assim. Ergue-se,
então, o império da hipocrisia: fulano finge que escreve, beltrano finge que o que fulano escreve é bom. Estamos combinados? Não! O problema maior é que quem lê não vai fingir. Vai,
sim, acreditar em tudo o que está ali. Se “deu no jornal”, camarada, virou lei. Quando
esses pseudojornalistas fazem barba, sou capaz de jurar que, em vez de pelos,
sai puro pó de serra.
Se a mídia é tão irresponsável a ponto de
incitar uma nação a odiar certas pessoas, o que faremos com os “linchadores”
que ela cria e também nos quais ela se transforma? Para muitos, linchadores são
apenas delinquentes que merecem punição severa. Os cidadãos de bem e
cumpridores da lei - mesmo guiados por ódio e preconceito, "dando de ombros" para suas ações e atropelando a justiça - não são linchadores: são apenas pais de
família que pagam seus impostos (nem sempre em dia). A massa que tem saído às
ruas clamando por justiça acha (“teoria do achismo” mesmo) que está acima da
lei. Tem, portanto, direito de desrespeitá-la. O que tenho visto não é nada
menos que fascismo. Como li dias atrás, “a pata viscosa e pestilenta do
fascismo” está nas ruas e nas redes sociais. Querem exemplos de atitudes
fascistas? São muitos! Nas redes sociais, então...
Dia desses, uma amiga chamou minha atenção para uma postagem no Facebook que mostrava a Presidenta Dilma vestida de governanta. O texto escrito era este: “Uma coisa é certa: a presidente que exigia ser chamada de presidenta, deixa de ser governante para ser governanta.” (o uso incorreto da vírgula depois de “presidenta” está no texto original. Porque gosto de respeito, não o alterei. Deve ser "estilo"). Pausa para uma pequena digressão: aos que ainda implicam com o termo “presidenta”, devo dizer que ele está corretíssimo! Esse feminino é absolutamente correto, como afirma Luiz Antonio Sacconi em Não erre mais. Tão correto como parenta, ajudanta e hóspeda. Pior do que desconhecer o feminino “presidenta” (muitos insistem em negar a força feminina!), é a divisão de classes que, infelizmente, ainda é gritante aqui no Brasil. No subtexto dessa postagem, governanta é uma profissão menor, exercida por uma classe inferior. Apenas os bem-afortunados patrões das governantas, que vivem nos shoppings da vida e não saem da Disney, pertencem a uma classe superior (a classe média se acha a burguesia...). Pois é, para “diminuir” a Presidenta, a partir de agora, é só “vesti-la” de governanta. Ou melhor: por que não a vestir de “empregada doméstica”? Seria mais engraçadinho e jocoso, principalmente agora, quando todos estão demitindo suas “escravas do lar”. É... agora, elas têm direitos! No entanto, com os direitos assegurados, as despesas dos patrões (pobres patrões!) aumentaram “muito”! Assim, está difícil pagar mais às domésticas... Ufa! Sem dó ou piedade, a pata do fascismo pisoteia tudo o que encontra pela frente, principalmente pessoas que pensam. Salvemo-nos!
Dia desses, uma amiga chamou minha atenção para uma postagem no Facebook que mostrava a Presidenta Dilma vestida de governanta. O texto escrito era este: “Uma coisa é certa: a presidente que exigia ser chamada de presidenta, deixa de ser governante para ser governanta.” (o uso incorreto da vírgula depois de “presidenta” está no texto original. Porque gosto de respeito, não o alterei. Deve ser "estilo"). Pausa para uma pequena digressão: aos que ainda implicam com o termo “presidenta”, devo dizer que ele está corretíssimo! Esse feminino é absolutamente correto, como afirma Luiz Antonio Sacconi em Não erre mais. Tão correto como parenta, ajudanta e hóspeda. Pior do que desconhecer o feminino “presidenta” (muitos insistem em negar a força feminina!), é a divisão de classes que, infelizmente, ainda é gritante aqui no Brasil. No subtexto dessa postagem, governanta é uma profissão menor, exercida por uma classe inferior. Apenas os bem-afortunados patrões das governantas, que vivem nos shoppings da vida e não saem da Disney, pertencem a uma classe superior (a classe média se acha a burguesia...). Pois é, para “diminuir” a Presidenta, a partir de agora, é só “vesti-la” de governanta. Ou melhor: por que não a vestir de “empregada doméstica”? Seria mais engraçadinho e jocoso, principalmente agora, quando todos estão demitindo suas “escravas do lar”. É... agora, elas têm direitos! No entanto, com os direitos assegurados, as despesas dos patrões (pobres patrões!) aumentaram “muito”! Assim, está difícil pagar mais às domésticas... Ufa! Sem dó ou piedade, a pata do fascismo pisoteia tudo o que encontra pela frente, principalmente pessoas que pensam. Salvemo-nos!
¹
Mil e uma noites, Cosette Alves, Folha de S.Paulo, 12 jul.
1991.
² Lama: composição de Mauro Duarte e sucesso na voz de Clara Nunes (“Canto das
três raças”, 1975).
Apesar de você
Chico Buarque | |
Hoje você é quem
manda Falou, tá falado Não tem discussão A minha gente hoje anda Falando de lado E olhando pro chão, viu Você que inventou esse estado E inventou de inventar Toda a escuridão Você que inventou o pecado Esqueceu-se de inventar O perdão Apesar de você Amanhã há de ser Outro dia Eu pergunto a você Onde vai se esconder Da enorme euforia Como vai proibir Quando o galo insistir Em cantar Água nova brotando E a gente se amando Sem parar Quando chegar o momento Esse meu sofrimento Vou cobrar com juros, juro Todo esse amor reprimido Esse grito contido Este samba no escuro Você que inventou a tristeza Ora, tenha a fineza De desinventar Você vai pagar e é dobrado Cada lágrima rolada Nesse meu penar Apesar de você Amanhã há de ser Outro dia Inda pago pra ver O jardim florescer Qual você não queria Você vai se amargar Vendo o dia raiar Sem lhe pedir licença E eu vou morrer de rir Que esse dia há de vir Antes do que você pensa Apesar de você Amanhã há de ser Outro dia Você vai ter que ver A manhã renascer E esbanjar poesia Como vai se explicar Vendo o céu clarear De repente, impunemente Como vai abafar Nosso coro a cantar Na sua frente Apesar de você Amanhã há de ser Outro dia Você vai se dar mal Etc. e tal |