quinta-feira, 27 de junho de 2013

SAIR OU NÃO SAIR: EIS A QUESTÃO



MAR E LUA
Chico Buarque de Hollanda

Amaram o amor urgente
As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das noturnas praias
Levantavam as saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar
Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar
E foram ficando marcadas
Ouvindo risadas, sentindo arrepios
Olhando pro rio tão cheio de lua
E que continua
Correndo pro mar
E foram correnteza abaixo
Rolando no leito
Engolindo água
Boiando com as algas
Arrastando folhas
Carregando flores
E a se desmanchar
E foram virando peixes
Virando conchas
Virando seixos
Virando areia
Prateada areia
Com lua cheia
E à beira-mar

MARCENARIAS DANDO LUCRO ADOIDADO
Por Fábio Brito
Conte aí, rapidamente: quantas pessoas você conhece que "saíram do armário" de três anos para cá? Melhor: de um ano 'pra' cá? Se respondeu muitas, você não é diferente da maioria das pessoas. Você não descobriu a pólvora, meu amigo! Não fique 'se' achando muito esperto. Você está apenas mais ou menos antenado em relação ao assunto "sair do armário", que parece ter virado moda. Por que mais ou menos antenado? Porque, neste exato momento, deve haver muita gente saindo, e você nem está sabendo. Dormiu atualizado e acordou ultrapassado! Corra ao "oráculo" Google e fique por dentro das últimas "saídas de armário". Ah, não se esqueça de que esse assunto não se restringe ao Brasil, ok? O mundo inteiro está "saindo". Corra lá! Confira!
É, o tal do "sair do armário", agora, é algo que caiu no cobiçado circuito do consumo. Dá ibope, é fashion. No mundo das celebridades, por exemplo, temos assistido a uma "saição" sem fim. Nossa! Haja armário! Haja marceneiro! Muita gente deve estar encomendando armários e mais armários só 'pra' poder entrar e, depois, dizer que saiu, mas tudo com muito estardalhaço, claro! Não se trata, aqui, de uma saidinha discreta. Ao sair, a figura, imediatamente, ganha as páginas dos principais jornais e revistas do país. O povo quer refletores e holofotes. Querem provas? Vamos a elas!
Recentemente, num domingo, comprei três revistas semanais ditas "de informação" (dizem que são "de informação"). Em suas capas, as três traziam "uma" artista brasileira (não vou dizer o nome, para não dar mais ibope) que resolveu assumir um relacionamento amoroso com outra mulher. Bom, fiquei matutando: se isso tudo é verdade, se ela é mesmo homossexual, por que não resolveu sair do tal armário quando a carreira estava no auge? Só agora, que o sucesso anda meio fugidio, o armário deixou de ser aconchegante? Conte-me outra! Se isso não for estratégia de marketing, estou 'por fora' mesmo. Como num belo soneto camoniano, "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades..."; mudam-se os tempos, mudam-se as estratégias de marketing.
Foi-se o tempo em que pouquíssimos artistas assumiam, naturalmente, sua orientação sexual. Parece mentira, mas já houve esse tempo... Para mim, tudo deve ser muito natural mesmo. Nada de estardalhaço. Vai-se vivendo, e as pessoas, com naturalidade, vão participando, ou não, da vida de outras. Só isso. Quando se é heterossexual, por exemplo, ninguém vai aos jornais ou à TV dizer "que é heterossexual". Ah, nem reúne a família para comunicar o fato. Por que razões, então, homossexuais têm de "oficializar" sua homossexualidade? Será que é necessário tocar trombeta? É necessário preparar documento, ir a um cartório e reconhecer firma? Não, ‘né’! Para mim, tudo deve ser bem natural, como viver.
Certa vez, numa mesa de bar, conversa vai, conversa vem, um amigo que contava determinado "causo" ia dizer "meu namorado", quando o “superego” – sempre castrador - deu-lhe aquela travada. Naturalmente, outro amigo completou o que havia sido interditado e disse "meu namorado". E não doeu. Até hoje, o amigo que teve receios em dizer "meu namorado" é grato ao outro, o que, espontaneamente, não teve medo das palavras.  Não sei se só aparentemente, mas o fato é que as demais pessoas que estavam conosco naquela mesa de bar não se espantaram com o fato de um homem ter um namorado. Não houve suspenses, ninguém prendeu a respiração, não houve silêncios prolongados e muito menos risinhos disfarçados. O papo continuou rolando. E por que razões haveria de ser diferente?
Em "História sexual da MPB", de Rodrigo Faour, um competentíssimo estudioso e pesquisador de nossa música, encontrei o seguinte: "Uma coisa é mentir ou fingir; outra coisa é simplesmente não se sentir obrigado a dizer com quem se vai para a cama e o que se faz nela". Em tempos de falsas “saições” do armário, parece-me que as pessoas, movidas pela promoção a todo custo, estão expondo sua intimidade com um despudor nunca visto. Para tudo na vida, o recato, a meu ver, é sempre a melhor solução. Discrição sempre. É mais elegante, não é?
Em relação ao meio artístico, em especial, lembro que, nas décadas de 70 e 80, por exemplo (e nas anteriores também), era praticamente impossível algum artista assumir sua homossexualidade. O falso puritanismo e o conservadorismo acirrado detonariam a carreira de qualquer um que se declarasse homossexual. Afrontar a "família"? Jamais! Os tempos eram de patrulhas e mais patrulhas! Assim, o fato é que os homossexuais continuavam “na sua”, o que não impedia que houvesse os burburinhos e as revistas de fofoca, que vendiam bastante, claro!, porque, como bem disse Caetano Veloso em A luz de Tieta"Todo mundo quer saber com quem você se deita". Hoje, porém, parece que "assumir" não é mais problema. Para muitos, é imprescindível, porque o sucesso - ou sua retomada - vem a reboque.
Pois é, para agravar ainda mais a situação dos que não assumiam, homossexualidade era considerada doença mental até bem pouco tempo atrás. Muita gente não sabe, mas, somente em 1993, ou seja, há apenas vinte anos, a OMS (Organização Mundial da Saúde) eliminou a "homossexualidade" de seu CID (Cadastro Internacional de Doenças). Inacreditável, não? "Doença mental" é de matar!  E haja cabeça para enfrentar isso!
Nem doença, nem opção, nem "bandeira". Para mim, vale o que disse Guilherme Fiuza em uma crônica publicada recentemente na revista "Época": "Ser gay não é orgulho nem vergonha, não é ideologia nem espetáculo, não é chique nem brega. Não é revanche. Não é moderno. não é moda. É apenas humano".

ARMÁRIO
Zeca Baleiro

lembro
quando você me falou
dentro do armário
só tem bolor
e naftalina
vem já pra fora meu bem
que só aqui é que tem
amor e adrenalina

voltei pra casa
parei na porta
pensei um pouco
nem morta

não posso não posso
já falei que não posso
não é que eu não queira
mas é tão difícil pra mim
é claro que eu quero
quero mais que tudo
mas sinto tanto medo
um medo absurdo
medo dos vizinhos
medo da mammy medo do daddy
e do meu irmão
que já foi skinhead

oh, meu amor
você me faz tão feliz
ninguém me fez tanto bem
mas já que eu não posso sair do armário
quero que você entre no armário também

Fonte: CD SRV0017, Concerto, Zeca Baleiro, Saravá Discos, 2010.


NA MINHA MÃO
Marina Lima / Antônio Cícero

Se você pensa que eu não sou
Aquilo tudo que sonhou
Pois saiba que dói mais em mim
Saber você tão tola assim

O fato é que eu já comecei
A olhar em outra direção
Se todo mundo é mesmo gay
O mundo está na minha mão

Coração, coragem pra qualquer viagem, pra qualquer sermão
Não deixe as roupas que eu rasguei te encobrirem de razão

Se você pensa que eu não sei
O tanto o quanto eu te ensinei
Pois saiba que só mesmo o amor
Pra te cegar como cegou

O fato é que eu já constatei
Nem tudo é mão ou contramão
Nosso desejo não tem lei
E o resto é pura ilusão

Coração, coragem, pra qualquer viagem, pra qualquer sermão
Não deixe as roupas que eu rasguei te encobrirem de razão

E o mundo gira devagar
E eu à frente dele a mil
Um dia eu vou te reencontrar
E te explicar o que feriu

Fonte: CD duplo 731454844802 Marina Lima ao vivo - Sissi na sua, Marina Lima, Universal, 2000.


NÃO ESTOU BEM CERTA
(Sing your name)
                                                        Pedro Pimentel / Marina Lima -
                                                                    T. Trent D'Arby

Será que você será a dama que me completa?
Será que você será o homem que me desperta?

Tudo que eu pensei ser pra sempre
Eu já não sei se é mais
Penso na menina e fico atenta aos braços do rapaz
Vai que eu quero alguém diferente
Vai que alguém quer ser
Como te dizer...

Será que você será a dama que me completa?
Será que você será o homem que me desperta?

Ora chuva fina, ora eu viro lava de vulcão
Hoje eu penso assim, de repente pode ser que não
Mas se é pra fazer cena,
Me ensina eu nunca fui atriz
E sempre tive bis...

Será que você será a dama que me completa?
Será que você será o homem? Não estou bem certa...

Procurar Ricardos em Solanges nunca me fez mal
Se você se arrisca
Eu me entrego
Nada fica igual
Mas o que eu quero mesmo é saber pôr fogo no Brasil
Onde já se viu...

Será que você será a dama que me completa?
Será que você será o homem que me desperta?
Fonte: CD 797728 2, Marina Lima, EMI, 1994.

BÁRBARA
Chico Buarque / Ruy Guerra

Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás
Meu amor, vem me buscar

O meu destino é caminhar assim
Desesperada e nua
Sabendo que no fim da noite serei tua
Deixa eu te proteger do mal, dos medos e da chuva
Acumulando de prazeres teu leito de viúva

Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás
Meu amor vem me buscar

Vamos ceder enfim à tentação
Das nossas bocas cruas
E mergulhar no poço escuro de nós duas
Vamos viver agonizando uma paixão vadia
Maravilhosa e transbordante, feito uma hemorragia

Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás
Meu amor vem me buscar
Bárbara



MENINO DEUS
Caetano Veloso

Menino Deus
Um corpo azul dourado
Um porto alegre é bem mais que um seguro
Na rota das nossas viagens no escuro

Menino Deus
Quando tua luz se acenda
A minha voz comporá tua lenda
E por um momento haverá
Mais futuro do que jamais houve
Mas ouve a nossa harmonia
A eletricidade ligada no dia
Em que brilharias por sobre a cidade

Menino
Quando a flor do teu sexo
Abrir as pétalas para o universo
Então por um lapso se encontrará nexo
Ligando os breus
Dando sentido aos mundos
E aos corações sentimentos profundos
De terna alegria
No dia do menino Deus


"(...) E por que então não atuamos na direção de acabarmos com estes rígidos padrões de masculinidade? Por que não deixamos nossos filhos à vontade para andar, dançar e se movimentar do jeito que bem lhes aprouver? Por que morremos de medo que eles cresçam como homossexuais?! (...)
Com o passar das décadas, haveria uma tendência para a consolidação de um forma de educação mais liberal e permissiva para os meninos. Haveria uma diminuição desta tendência para a radicalização do que seja o masculino e o feminino; haveria o crescimento de crianças de ambos os sexos particpando das mesmas atividades, se vestindo de modo similar. Homens e mulheres cresceriam mais próximos e, na adolescência, se estranhariam menos. (...)"

Fonte: GIKOVATE, Flávio. 

MASCULINO E FEMININO
Baby Consuelo / Didi Gomes / Pepeu Gomes

Ser um homem feminino
Não fere o meu lado masculino
Se Deus é menina e menino
Sou masculino e feminino
(...)
Fonte: http://letras.mus.br/pepeu-gomes/128262/


" (...) A orientação sexual significa a expressão sexual de cada indivíduo por um membro de outro sexo, do mesmo sexo, ou por ambos os sexos. Não se sabe se a orientação sexual é determinada pelo social, por fatores biológicos ou ambos.
Homossexualidade tem a ver com orientação sexual. O homossexual é um indivíduo, homem ou mulher, que tem uma preferência erótica por membros do mesmo sexo. O homossexual não faz esta escolha. Nunca ouvi alguém dizer: "sábado, vou virar homossexual". A homossexualidade é parte da personalidade do indivíduo, cresce e se desenvolve com ele, sendo ou não assumida ou expressa abertamente. Geralmente o homossexual reconhece a realidade emocional e sexual da sua orientação. (...)
O homossexual é frequentemente estereotipado, tanto social como cientificamente. Como se os homossexuais fossem todos iguais, tivessem as mesmas profissões, interesses, educação, estilo de vida, personalidade e aparência física. Não é comum alguém se referir a uma pessoa como "ele é heterossexual", a não ser que esteja sendo discutida sua orientação sexual. Entretanto, "ele é homossexual", "bicha", são expressões que se ouvem para descrever um indivíduo. Esta classificação limita o homossexual como ser humano, enquadrando-o dentro de um estereótipo, esquecendo-se de que ele é gente e pode ser alto, baixo, gordo, magro, forte, fraco, bonito, feio, extrovertido, introvertido, rico, pobre, ilustrado, analfabeto, inteligente, burro, avarento, generoso... Por que reduzi-lo à sua orientação sexual?"

Fonte: SUPLICY, Marta.