QUANDO VOCÊ FICAR VELHO
Zé Rodrix
Eles todos vão lhe (sic) abandonar
Quando você ficar velho
É por isso que não adianta
Pintar o cabelo
Você vai ter que enfrentar o espelho
O retrato que nunca mentiu
Você vai ter que comprar passagem
No avião sem volta
A cidade vai mudar demais
Quando você ficar velho
E é por isso que não adianta
Quebrar o espelho
Você vai viver numa vitrine
Sufocado por amigos mortos
E eles todos vão passar lá fora
Sem te ver
Eles sempre vão dizer que não
Quando você ficar velho
E é por isso que não adianta
Ajeitar a gravata
Você vai dormir sempre sozinho
Abraçando o mesmo travesseiro
E sonhando com aqueles velhos tempos
De Ipanema
Eles passam sem lhe (sic) olhar
Mas eles também vão ficar velhos
E é por isso que ainda se pode
Sorrir pro espelho
Você vai observar de longe
A passagem da areia do tempo
E eles todos vão ficando velhos
Sem você
ZONA DO DESMANCHE
Por Fábio Brito
Em 2009, quando perguntaram à atriz Fernanda Montenegro como era “fazer 80 anos”, ela não perdeu tempo: é como ir a Marte!
Não faz muito tempo (em 2013), fotos da atriz Betty Faria saindo do mar e com biquíni causaram rebuliço nas redes sociais. É que a atriz, que já passou dos 70 anos (está com 75 atualmente), não poderia, segundo certas pessoas, ir à praia "de biquíni", o que despertou a ironia da própria atriz: "Querem que eu vá à praia de burca?", perguntou. Acharam-na "velha" para usar esse tipo de traje, o de banho, em público.
Marcos Lúcio, meu amigo mineiro-carioca, muito obrigado pelo texto "As corujas invisíveis do crepúsculo", do Karnal.
Não faz muito tempo (em 2013), fotos da atriz Betty Faria saindo do mar e com biquíni causaram rebuliço nas redes sociais. É que a atriz, que já passou dos 70 anos (está com 75 atualmente), não poderia, segundo certas pessoas, ir à praia "de biquíni", o que despertou a ironia da própria atriz: "Querem que eu vá à praia de burca?", perguntou. Acharam-na "velha" para usar esse tipo de traje, o de banho, em público.
Esse episódio envolvendo Betty Faria ativou em mim a certeza de que as pessoas têm, agora, um preconceito escancarado com a velhice. Houve um tempo em que elas até disfarçavam e recorriam a certos eufemismos. Hoje, os preconceituosos não mais se escondem. Com a ajuda das redes sociais, então, o preconceito quanto à velhice não está só no subtexto: chegou ao "dito do texto". Ou seja, está na superfície mesmo. Está às claras. E há inúmeras formas de constatarmos esse preconceito. Cobrar que pintemos os cabelos é uma...
Quando meus cabelos começaram a ficar brancos, quando "começou a nevar em minha cobertura", como disseram alguns, senti que uma boa batalha estaria a caminho: a de resistir a cobranças para que eu os pintasse. Não faz muito tempo, meu cabeleireiro até recorreu a um processo - que não é tintura - para dar um escurecida nas cãs, mas mantendo um percentual de branco. Não achei ruim o resultado, mas, assim que ele terminou o trabalho, não me reconheci no espelho, assim como não me reconheço mais em fotos antigas. Quando algumas pessoas olham as fotos em minha casa e perguntam se sou eu ali, respondo imediatamente: "Não! Era eu", como ouvi num filme. Voltando ao episódio do escurecimento parcial dos cabelos: quando eu ia a certos lugares, tinha a sensação (ou a certeza?) de que as pessoas só olhavam para minha cabeça, como se perguntassem: "Cadê o Fábio de cabelos brancos"? Comecei a ficar incomodado. Tive, portanto, saudade de minha cara anterior. Assim, torci por que os cabelos crescessem rapidamente, para eu voltar a ser eu. Engraçado isso. Os cabelos brancos já estão plenamente incorporados. Não adianta! Não cola mais usar os cabelos de trinta anos atrás com a cara de hoje. Fica "fake". A intenção, ao escurecer um pouco os cabelos, nem foi rejuvenescer, o que é impossível, mas mudar um pouco. Lembro, neste momento, certos idosos que, não satisfeitos com a tintura apenas da cabeça, pintam o bigode e também o que chamo de "rodapé" da cabeça. Até o couro cabeludo fica tingido. Não dá "pra" mim! Conheço pessoas - vários amigos - que tingem os cabelos à medida que eles vão aparecendo. Ótimo assim. Tenho um amigo que disse já ter nascido com os cabelos pintados. Perfeito! E ele não combina com cabelos brancos.
Não faz muito tempo, uma vizinha de 2 anos de idade acenou para mim da varanda de sua casa. Não só! Junto com o aceno, veio um cumprimento: “Ei... vovô”. Gelei! Deus meu, será que estou ouvindo direito?, pensei. Será que a surdez já chegou? Mas ainda sou tão jovem... Com algum receio, ou melhor, com muito receio, decidi chegar perto da garotinha. Porque a esperança é a última que morre (morre, mas é a última!), imaginei logo que, assim que dela eu me aproximasse, a confusão seria desfeita. Ela deve ter dito outra palavra que não compreendi direito, resmunguei baixinho. Eis que surge um impasse: como pedir a uma garotinha de 2 anos para repetir o que ela havia dito antes? Não há como. Melhor brincar um pouquinho com ela e esquecer essa história de vovô... Foi a saída que encontrei. Essa brincadeira de ter ouvido "vovô" só podia ser bobagem da minha cabeça! Pois bem, brinquei um pouquinho, perguntei algo sobre os brinquedos que ela segurava e dei-lhe um “tchau” bem rápido, seguro de que não haveria tempo de eu ouvir a resposta. “O medo me miava”, para usar uma expressão do Rosa. A resposta da garotinha foi acachapante: “Tchau, vovô”. É... não foi fácil constatar que não fiz confusão. Pior ainda é lembrar que criança não mente. Fabula, mas não mente. Nesse caso aí, não havia fabulação. Ela me chamou de vovô mesmo. Nessa hora, não caiu, como diziam há uns anos, a ficha, mas caíram todas as fichas do mundo. Esperança morre tarde, não é mesmo? Rapidamente, fiz umas contas na cabeça pensando não ter idade para ser avô da garotinha. Pura autoenganação. Tenho, sim, idade para ser avô dessa garotinha e até de crianças mais velhas. Ai... Fazer o quê? Encarar!
É, não é fácil lidar com o que o envelhecimento traz a reboque. Claro que há ganhos! Não existem dúvidas quanto a isso. No entanto, há as perdas, com as quais temos de aprender a lidar. Já convivi - e convivo - com idosos e não é fácil assistir a determinadas situações, como quando o idoso tenta fazer algo, mas o corpo não ajuda. Ou seja, a mente está bem, mas há um descompasso entre ela e o corpo. Minha mãe, com muito humor, costuma dizer que, hoje, ela se sente como uma casa cheia de escoras: os dentes já não são os originais; os cabelos são constantemente pintados; nos olhos, além de ter passado pela cirurgia de catarata, ela precisa de óculos “para longe e para perto”; para ouvir, ela não pode prescindir do aparelho. E o pior é que ela está certa. A imagem da casa cheia de escoras é perfeita, mas nem por isso devemos deixar de lado o bom humor. Ela não deixa! Às vezes, ela se irrita - o que é natural - e eu lhe digo que ela está com "mania de perseguição". Bom, com ou sem "perseguição", o jeito é enfrentar e jamais esmorecer, o que nos dá vigor e paciência para "tirarmos de letra" todos esses percalços e enfrentamentos diários que a velhice nos traz. Todavia, há um enfrentamento mais pesado, mais denso: aprender a lidar com a aproximação da morte, que se fortalece com o passar dos anos e da qual ninguém consegue fugir "ad aeternum".
Quando meus cabelos começaram a ficar brancos, quando "começou a nevar em minha cobertura", como disseram alguns, senti que uma boa batalha estaria a caminho: a de resistir a cobranças para que eu os pintasse. Não faz muito tempo, meu cabeleireiro até recorreu a um processo - que não é tintura - para dar um escurecida nas cãs, mas mantendo um percentual de branco. Não achei ruim o resultado, mas, assim que ele terminou o trabalho, não me reconheci no espelho, assim como não me reconheço mais em fotos antigas. Quando algumas pessoas olham as fotos em minha casa e perguntam se sou eu ali, respondo imediatamente: "Não! Era eu", como ouvi num filme. Voltando ao episódio do escurecimento parcial dos cabelos: quando eu ia a certos lugares, tinha a sensação (ou a certeza?) de que as pessoas só olhavam para minha cabeça, como se perguntassem: "Cadê o Fábio de cabelos brancos"? Comecei a ficar incomodado. Tive, portanto, saudade de minha cara anterior. Assim, torci por que os cabelos crescessem rapidamente, para eu voltar a ser eu. Engraçado isso. Os cabelos brancos já estão plenamente incorporados. Não adianta! Não cola mais usar os cabelos de trinta anos atrás com a cara de hoje. Fica "fake". A intenção, ao escurecer um pouco os cabelos, nem foi rejuvenescer, o que é impossível, mas mudar um pouco. Lembro, neste momento, certos idosos que, não satisfeitos com a tintura apenas da cabeça, pintam o bigode e também o que chamo de "rodapé" da cabeça. Até o couro cabeludo fica tingido. Não dá "pra" mim! Conheço pessoas - vários amigos - que tingem os cabelos à medida que eles vão aparecendo. Ótimo assim. Tenho um amigo que disse já ter nascido com os cabelos pintados. Perfeito! E ele não combina com cabelos brancos.
Não faz muito tempo, uma vizinha de 2 anos de idade acenou para mim da varanda de sua casa. Não só! Junto com o aceno, veio um cumprimento: “Ei... vovô”. Gelei! Deus meu, será que estou ouvindo direito?, pensei. Será que a surdez já chegou? Mas ainda sou tão jovem... Com algum receio, ou melhor, com muito receio, decidi chegar perto da garotinha. Porque a esperança é a última que morre (morre, mas é a última!), imaginei logo que, assim que dela eu me aproximasse, a confusão seria desfeita. Ela deve ter dito outra palavra que não compreendi direito, resmunguei baixinho. Eis que surge um impasse: como pedir a uma garotinha de 2 anos para repetir o que ela havia dito antes? Não há como. Melhor brincar um pouquinho com ela e esquecer essa história de vovô... Foi a saída que encontrei. Essa brincadeira de ter ouvido "vovô" só podia ser bobagem da minha cabeça! Pois bem, brinquei um pouquinho, perguntei algo sobre os brinquedos que ela segurava e dei-lhe um “tchau” bem rápido, seguro de que não haveria tempo de eu ouvir a resposta. “O medo me miava”, para usar uma expressão do Rosa. A resposta da garotinha foi acachapante: “Tchau, vovô”. É... não foi fácil constatar que não fiz confusão. Pior ainda é lembrar que criança não mente. Fabula, mas não mente. Nesse caso aí, não havia fabulação. Ela me chamou de vovô mesmo. Nessa hora, não caiu, como diziam há uns anos, a ficha, mas caíram todas as fichas do mundo. Esperança morre tarde, não é mesmo? Rapidamente, fiz umas contas na cabeça pensando não ter idade para ser avô da garotinha. Pura autoenganação. Tenho, sim, idade para ser avô dessa garotinha e até de crianças mais velhas. Ai... Fazer o quê? Encarar!
É, não é fácil lidar com o que o envelhecimento traz a reboque. Claro que há ganhos! Não existem dúvidas quanto a isso. No entanto, há as perdas, com as quais temos de aprender a lidar. Já convivi - e convivo - com idosos e não é fácil assistir a determinadas situações, como quando o idoso tenta fazer algo, mas o corpo não ajuda. Ou seja, a mente está bem, mas há um descompasso entre ela e o corpo. Minha mãe, com muito humor, costuma dizer que, hoje, ela se sente como uma casa cheia de escoras: os dentes já não são os originais; os cabelos são constantemente pintados; nos olhos, além de ter passado pela cirurgia de catarata, ela precisa de óculos “para longe e para perto”; para ouvir, ela não pode prescindir do aparelho. E o pior é que ela está certa. A imagem da casa cheia de escoras é perfeita, mas nem por isso devemos deixar de lado o bom humor. Ela não deixa! Às vezes, ela se irrita - o que é natural - e eu lhe digo que ela está com "mania de perseguição". Bom, com ou sem "perseguição", o jeito é enfrentar e jamais esmorecer, o que nos dá vigor e paciência para "tirarmos de letra" todos esses percalços e enfrentamentos diários que a velhice nos traz. Todavia, há um enfrentamento mais pesado, mais denso: aprender a lidar com a aproximação da morte, que se fortalece com o passar dos anos e da qual ninguém consegue fugir "ad aeternum".
Até os 30 anos, mais ou menos, não pensamos na bendita "velhinha com a foice em punho"; depois, por volta dos 40, imagens da "velha dama" começam a povoar nosso pensamento. Não só imagens! Ela vai chegando mesmo e sem pedir licença. E só sentimos isso com nitidez... quando pessoas bem próximas - familiares, principalmente - começam a morrer. Em pouco tempo, meus avós maternos e meu pai despediram-se de nós. Vi, então, que, enquanto eu era novo, a morte era só dos outros... e "dos outros" que estavam distantes; a partir do momento em que constatei que eu estava ficando velho também, ou que eu já estava "instalado na velhice", para recorrer a uma expressão de Simone de Beauvoir, a morte passou a ser não só de pessoas distantes ou bem próximas, mas minha também: penso nela constantemente. Hoje, qualquer dorzinha me assusta. Mil caraminholas brotam na cabeça rapidamente! E é também rapidamente que dou um jeito de espantá-las. Quero ir bem longe e com muita saúde, a despeito de tudo. Os deuses hão de colaborar!
AS CORUJAS INVISÍVEIS DO CREPÚSCULO
Leandro
Karnal, 4 setembro 2016
Há maneiras bonitas de descrever
o processo. A metáfora poética da geada dos anos clareando cabelos, por
exemplo. Shakespeare, no soneto 19, lembra que o tempo voraz cega as garras do
leão e subtrai dentes ao tigre. Inconformado, pede o poeta que o rosto de seu
amor seja poupado da devastação cronológica. Como todo conceito incômodo, o
envelhecimento apresenta denominações diversas: do suave “melhor idade” até o
cruel “zona do desmanche”. Rubem Alves sugeria o lirismo de “pessoas com o
crepúsculo no olhar”.
Cícero refletiu sobre o processo
na obra De Senectude, mesmo título do italiano Norberto Bobbio. Ecléa Bosi, no
livro Memória e Sociedade, criou
parágrafos lapidares sobre a idade. Simone de Beauvoir trata do conceito no
texto Da Velhice. No fim da sua vida e de Sartre, aumentou a secura analítica
no livro A Cerimônia do Adeus. Lembrei-me dos textos ao ver o filme Amor, de
Michael Haneke, um dos mais belos e duros que já assisti.
A cor da vida é a cor da morte,
assegura sábio ditado. Jovens chatos serão velhos chatos. Um adolescente
brilhante tem chance grande de gerar um ancião da mesma cepa. No fundo, gente
velha é igual a gente jovem, só que velha... Qual seria, de fato, nosso medo?
Provavelmente, o receio dialoga com a questão da perda de relevância e de
controle, especialmente sobre o nosso corpo.
O físico tem uma lógica
particular. Deus permitiu que Jó perdesse todos os bens e seus dez filhos. O
paciente sofredor resistiu, epicamente. Só depois, o Criador autoriza uma
doença grave sobre o protagonista. O que podemos deduzir? Perder bens e perder
filhos constituem males menores do que a fraqueza corporal em si. Em parte,
como queria Espinosa, sou o meu corpo. Não existem duas instâncias separadas,
mas uma só. Meu corpo não contém o meu ser, ele é o que sou. Velhice é a
consciência do limite da matéria.
O outono não é um raio num céu
azul. Há sintomas prévios. A primeira vez que nos chamam de tio é um alerta.
Uma mulher de 30 anos olha com docilidade e insinua: você gosta de mulheres
mais jovens? O Don Juan cinquentão estremece. Em breve surge o primeiro refluxo
após um pouco mais de álcool à noite. As letras teimam em diminuir diante das
retinas cansadas. Incorporamos palavras complexas ao vocabulário: presbiopia,
estatinas, colonoscopia... Nossa casa fica cada vez mais confortável e a rua
mais desafiadora. A nécessaire de remédios aumenta a cada ano.
A percepção se acelera quando
alguém nos cede um lugar no metrô lotado, ainda com o sorriso generoso de um
bom escoteiro que ampara Matusalém na reta final. Por fim, o elogio que mata o
último botão da nossa fantasia de juventude finda, é disparado: você está bem
para a idade... Pronto! Chegamos lá: a região obscura depois do cabo da Boa
Esperança. Carimbamos o passaporte para a terra sem volta. O que está pela
frente fica menor do que o que passou.
Há pessoas otimistas e
pessimistas. As duas posturas envelhecerão. Lutar contra o tempo é como
rebelar-se contra a lei da gravidade. Angustiar-se com a idade é temer a
chegada do fim do dia ou das fases da lua. Não existe maneira indolor de viver
o processo, mas há coisas objetivas a considerar.
Hegel notou que a coruja de
Minerva levanta seu voo apenas com as sombras da noite. Esta era a análise
tradicional para indicar que a ave símbolo da reflexão e ponderação (dedicada à
deusa da sabedoria Minerva) consegue subir no instante do declínio da luz.
Sabedoria nunca é alcançada cedo e nem sempre a tempo. Não existem garantias,
mas a tradição ensina que podemos melhorar com o tempo. A diminuição dos
movimentos rápidos dos anos de vigor máximo colabora para isto. O carro vai
mais devagar e a paisagem é mais clara, ainda que com óculos.
É uma idade de sinceridade.
Crianças, velhos e bêbados têm um compromisso maior com a verdade. Nem sempre
ficamos pacientes, mas cresce a autenticidade. A idade madura abre os olhos
para as coisas essenciais.
Idade do fim? Há controvérsias.
Para muitos é o momento de começar a fazer o que realmente gostam. Cora Coralina
publicou seu primeiro livro de poesia com quase 76 anos. Konrad Adenauer
reergueu a Alemanha Ocidental entre 73 e 87 anos, a mesma Alemanha que Hitler
começara a destruir aos 43 anos.
Ulysses Guimarães, respondendo
aos que o achavam velho demais para candidatar-se à presidência, gostava de
lembrar que, em oposição ao experiente Adenauer, Nero tocou fogo em Roma aos 27
anos. Aliás, a obra máxima do doutor Ulysses, a promulgação da Constituição de
1988, foi feita na véspera de ele completar 72 anos.
Por fim, quando o mundo não
precisa ser mais conquistado, ele pode ser fruído. Há mais tempo para isto. Os
ritmos podem ser respeitados. Há vagas em estacionamento e preferência nas
filas. De quando em vez, surgem netos, um estágio superior de paternidade e
maternidade. Alguns possuem mais dinheiro na maturidade do que na juventude.
Perdemos a obsessão com o julgamento alheio. Quase sempre saímos do jogo da
sedução.
Há melancolia e libertação no
processo. As cabeças não se voltam mais logo que entramos. Como muitos
perceberam, aumenta nossa invisibilidade para o mundo. Na infância, eu achava
que o homem invisível da televisão poderia fazer quase tudo. Os seres
crepusculares podem! As corujas voam mais livres no fim.
RUGAS
Nelson Cavaquinho / Ary Monteiro / Augusto Garcez
Se eu for pensar muito na vida
Morro cedo, amor.
Meu peito é forte,
Nele tenho acumulado tanta dor.
As rugas fizeram residência no meu rosto
Não choro pra ninguém
Me ver sofrer de desgosto.
Eu que sempre soube
Esconder a minha mágoa.
Nunca ninguém me viu
Com os olhos rasos d'água.
Finjo-me alegre
Pro meu pranto ninguém ver.
Feliz aquele que sabe sofrer.