domingo, 28 de agosto de 2011

IGUARIAS



No DVD "Na batucada da vida" (EMI, 2006), encontramos uma raridade: Elis nos emocionando com fragmentos do poema "Retrato do desconhecido", de Augusto Frederico Schmidt.
 
RETRATO DO DESCONHECIDO 
 Augusto Frederico Schmidt

Ele tinha uns ombros estreitos, e a sua voz era tímida, 
Voz de um homem perdido no mundo, 
Voz de quem foi abandonado pelas esperanças, 
Voz que não manda nunca, 
Voz que não pergunta, 
Voz que não chama,  
Voz de obediência e de resposta, 
Voz de queixa, nascida das amarguras íntimas, 
Dos sonhos desfeitos e das pobrezas escondidas. 
  
Há vozes que aclaram o ser, 
Macias ou ásperas, vozes de paixão e de domínio, 
Vozes de sonho, de maldição e de doçura. 
Os ombros eram estreitos, 
Ombros humildes que não conhecem as horas de fogo do 
amor inconfundível, 
  
Ombros de quem não sabe caminhar, 
Ombros de quem não desdenha nem luta, 
Ombros de pobre, de quem se esconde, 
Ombros tristes como os cabelos de uma criança morta, 
Ombros sem sol, sem força, ombros tímidos, 
De quem teme a estrada e o destino 
De quem não triunfará na luta inútil do mundo: 
Ombros nascidos para o descanso das tábuas de um caixão,  
Ombros de quem é sempre um Desconhecido, 
De quem não tem casa, nem Natal, nem festas; 
Ombros de reza de condenado, 
E de quem ama, na tristeza, a sombra das madrugadas;  
Ombros cuja contemplação provoca as últimas lágrimas. 
  
Os seus pés e as suas mãos acompanhavam os ombros  
num mesmo ritmo. 
Mãos sem luz, mãos que levam à boca o alimento  
sem substância, 
Mãos acostumadas aos trabalhos indolentes, 
Mãos sem alegria e sem o martírio do trabalho. 
Mãos que nunca afagaram uma criança, 
Mãos que nunca semearam, 
Mãos que não colheram uma flor. 
Os pés, iguais às mãos 
— Pés sem energia e sem direção, 
Pés de indeciso, pés que procuram as sombras e o esquecimento,  
Pés que não brincaram, pés que não correram. 
  
No entanto os olhos eram olhos diferentes. 
Não direi, não terei a delicadeza precisa na expressão  
para traduzir o seu olhar. 
Não saberei dizer da doçura e da infância daqueles olhos,  
Em que havia hinos matinais e uma inocência, uma tranqüilidade,  
um repouso de mãos maternas. 
  
Não poderei descrever aquele olhar,  
Em que a Poesia estava dormindo, 
Em que a inocência se confundia com a santidade. 
Não poderei dizer a música daquele olhar que me surpreendeu um dia, 
  
Que se abriram diante de mim como um abrigo, 
E que me trouxe de repente os dias mortos, 
Em que me descobri como outrora, 
Livre e limpo, como no princípio do mundo, 
Envolvido na suavidade dos primeiros balanços, 
Sentindo o perfume e o canto das horas primeiras! 
Não direi do seu olhar! 
  
Não direi do seu olhar! 
Não direi da sua expressão de repouso! 
Ainda não sei se era dele esse olhar, 
Ou se nasceu de mim mesmo, num rápido instante de paz 
e de libertação!  

QUE VÍCIO!




CADA TEMPO EM SEU LUGAR
Gilberto Gil

Preciso refrear um pouco o meu desejo de ajudar
Não vou mudar um mundo louco dando socos
                                                       [para o ar
Não posso me esquecer que a pressa
É a inimiga da perfeição
Se eu ando o tempo todo a jato, ao menos
Aprendi a ser o último a sair do avião

Preciso me livrar do ofício de ter que ser sempre
                                                                 [bom
Bondade pode ser um vício, levar a lugar nenhum
Não posso me esquecer que o açoite
Também foi usado por Jesus
Se eu ando o tempo todo aflito, ao menos
Aprendi a dar meu grito e a carregar a minha
                                                            [cruz
Ô-ô, ô-ô
Cada coisa em seu lugar
Ô-ô, ô-ô
A bondade, quando for bom ser bom
A justiça, quando for melhor
O perdão:
Se for preciso perdoar

Agora deve estar chegando a hora de ir descansar
Um velho sábio na Bahia recomendou: “Devagar”
Não posso me esquecer que um dia
Houve em que eu nem estava aqui
Se eu ando por aí correndo, ao menos
Eu vou aprendendo o jeito de não ter mais
                                                  [aonde ir

GIL, Gilberto. Gilberto Gil: todas as letras: incluindo letras comentadas pelo compositor / organização Carlos Rennó – São Paulo: Companhia das Letras, 1996.


QUE VÍCIO!
Por Fábio Brito
                                      
Não é à toa que “Cada tempo em seu lugar” é, entre as canções do Gil, minha preferida. Foi “amor à primeira ouvida”. Não é difícil explicar os porquês dessa paixão: porque ser sempre bonzinho adoece; porque existe um tempo para tudo nesta vida (até para se jogar pedra!); porque minha paciência tem diminuído consideravelmente a cada dia; porque ser sempre cordato e “bonzinho” é um desrespeito a mim, em primeiro lugar, e, depois, aos outros.
Há uns meses, quando minha saúde “pediu” socorro, tive, obrigatoriamente, de diminuir o ritmo. Assim, com o pé fora do acelerador, pude ficar um pouco mais meditativo. Foi necessário que transcorresse um tempo (não muito!) para eu perceber que diversos ensinamentos estavam a caminho. Um deles foi este: ser sempre “bom” é um vício terrível e que “leva a lugar nenhum”, como ‘nos’ diz a letra da canção do Gil. Ser sempre “bonzinho” adoece... gravemente.
É... há muitas ocasiões/situações em que é imperioso deixar de ser “bonzinho”. Exemplos não faltam. Quem, por exemplo, já foi importunado por alguma criatura (não me refiro às pessoas às quais empresto algo com o maior prazer) que deseja algo emprestado sabe exatamente como é ótimo ser “ruinzinho” nessa hora, a do empréstimo. As tais criaturas são, não raro, os “vigaristas dos empréstimos”, como classifico. Quer saber como elas se comportam? Atormentam e atormentam a vítima – a pessoa que será lesada – até a pobre coitada não aguentar mais. Tentam encontrá-la de todas as formas: celular, telefone fixo, tamborzinho, fumaça, apito, grito, berro, uivo, balido, zurro... tudo! Vira uma perseguição. Já sem forças, a vítima faz o quê? Empresta o que a criatura impertinente, absorvente, cansativa e inoportuna tanto quer. Ou seja, a vítima recebe a facada e, exausta, não tem mais forças para correr. Não é difícil adivinhar o que acontecerá depois: o devedor simplesmente não tem mais pressa para devolver o que tomou emprestado. Por que, para devolver, não há o mesmo ritual? Nãããooo! Agora não há pressa. Se for dinheiro, então, o objeto do empréstimo, aí é que o “trem” fica feio. A criatura vigarista “corta voltas” e finge que o outro desapareceu. Parece ficção. Ninguém toca no assunto. Não raro, cria-se um inimigo mortal. Triste isso, não?!  
Costumo sempre brincar que, em se tratando do assunto “empréstimo de dinheiro”, tenho o que chamam de “sangue doce”. Meu Deus! Há um bom tempo que sou perseguido por gente desonesta até o osso. Devo ter uma estrela - que nunca vi! - bem no centro da testa. Só pode! Vez em quando, uma criatura que nunca me viu procura-me para, sem mais nem menos, pedir, sem pudor ou constrangimento, dinheiro “emprestado”. Normalmente, a conversa é esta: “Preciso pedir uma coisa a você, mas estou com vergonha”. Vergonha?! Se tivesse a tal vergonha, não se dirigiria a mim. Conte-me outra! De uns tempos para cá, e só de uns tempos para cá, quando ouço essa história de que “preciso pedir algo a você, mas estou com vergonha”, vou logo dizendo que, se for dinheiro, não tenho nem para a feira da semana. Ai, meu Deus! Será que tenho cara de rico? Será que tenho cara de idiota? Será que tenho cara de “bonzinho”? Será que tenho cara “disso tudo” ao mesmo tempo?
Outras pessoas (ou criaturas) para quem precisamos ser “ruinzinhos” são aquelas que, por serem desorganizadas, exatamente por isso, desorganizam nossa vida. Elas não têm disciplina, não agendam nada, não se preocupam com nada e nem com ninguém. Dane-se o mundo! Dane-se o avião, uma vez que elas, as criaturas, não são o piloto. Como sempre, estão bem tranquilas. Viverão muito, claro! Sabem que nunca faltará alguém para “arrumar sua bagunça” ou tentar resolver algum problema que elas criaram. Não dá! Esse povo nos dá gastrite.  
 O tal do “professor bonzinho” também é de amargar. Graças a Deus, nunca me disseram que “sou um professor bonzinho”. Ao contrário! Reclamam porque sou “carrasco”, mas entendem que minhas exigências são necessárias. Tenho certeza de que meu rigor não diminui ninguém. É o tal “rigor amigo”, em vez da complacência inimiga. Professor “bonzinho” é o que passa a mão na cabeça e finge não enxergar (ou não enxerga mesmo!) as falhas do aluno. Esse professor não pode, portanto, ajudar ninguém a crescer. Se algum aluno prefere esse tipo de professor, pior para esse aluno. Preferir, hoje, o fácil pode significar graves problemas futuros. O crescimento não é filho das falsas bondades ou da incompetência alheia. Perigo à vista!
Certa ocasião, em um primeiro dia de aula, resolvi aplicar uma dinâmica (que, no geral, detesto!): pedi a alguns alunos que, rapidamente, escrevessem o nome de um professor inesquecível. Era fundamental que eles não tivessem tempo para pensar. Ao fim da tal dinâmica, sem que eles dissessem os nomes que escreveram, pedi a todos que me respondessem apenas o seguinte: “O nome que está aí no papel é de algum professor que foi “bonzinho” com vocês? Sem exceção, todos disseram que o nome lembrado foi o de um professor “carrasco”. Uh! Que alívio! No fundo, no fundo, eles, os alunos, sabem que paternalismo não faz ninguém crescer.
 O “eterno bonzinho” causa um mal terrível a si e aos outros. Não me esqueço do que disse D. Canô sobre sua filha Maria Bethânia, a grande intérprete da canção popular: “Acho que também ensinei a ela a honradez, o capricho de ser gente, de não molestar ninguém e não ser molestada.”* Depois que li essa declaração, mais do que sábia, da matriarca da família Veloso, pensei, com mais vagar, sobre como as pessoas deveriam ouvir isso que D. Canô nos disse. Muitas não querem (defendem-se com todas as armas!) ser molestadas, mas, quando se trata de molestar os outros, elas não se importam. Talvez sejam os tais “instintos naturais do egoísmo”. E o resultado disso é que temos de viver ‘nos’ defendendo o tempo todo. Isso cansa! E como!

*Correio Braziliense, 18 de outubro de 2009, ano 5, número 231.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

TER CLASSE NÃO É PARA QUALQUER UM



(...)
Eu vejo um novo
Começo de era
De gente fina
Elegante e sincera
Com habilidade
Pra dizer mais sim
Do que não...
(...)

Lulu Santos


TER ‘CLASSE’
Leandro Konder
A expressão “ter classe” nasceu e se difundiu, inicialmente, sob o signo de um evidente elitismo.
A autodesignada elite reconhecia em alguma pessoa determinadas características de comportamento que a definiam como integrante do estreito círculo dos privilegiados, capazes de refinamento, criaturas que podiam aproveitar os benefícios de uma bem cuidada educação.
Eram pessoas “elegantes” (na origem, elegante era quem usava luvas, gants em francês). Destacavam-se pela sofisticação e, independentemente das suas intenções, funcionavam como vitrinas daquilo que as classes dominantes achavam que podiam se orgulhar de mostrar ao mundo, em matéria de boas maneiras.
Por contraste com a massa dos excluídos, com a multidão dos “desclassificados” (assim eram designados aqueles que não tinham “classe”), definia-se um comportamento refinado.
Mas as palavras nos surpreendem. A linguagem reflete as complicações da vida. O tempo da metamorfose é lento, mas a história não admite nada que pretenda se situar num nível superior ao dela. Nenhuma criação humana escapa às transformações históricas.
As palavras mudam de sentido: dependendo do uso que é feito delas, passam a denotar e a conotar coisas diferentes daquelas que conotavam ou denotavam no passado. E o significado que predomina pode ser mais decisivamente determinado pelos de “cima” ou pelos de “baixo”. O termo francês arcaico dangier, por exemplo, se referia a um direito do senhor feudal (ao corpo dos seus vassalos) e em inglês moderno – danger – passou a indicar “perigo” (mostrando no novo sentido uma predominância do ângulo dos vassalos).
A expressão “ter classe” não foi apropriada pelos de “baixo”, quer dizer, os homens do povo não criaram uma nova concepção, comprometida com o ponto de vista deles. Mas o termo acabou assumindo um novo sentido, que o levou a escapar do domínio exclusivo por parte dos de “cima”.
Essa modificação do sentido está em andamento. Atualmente, “ter classe” está passando a ser um comportamento cada vez mais raro no âmbito das classes dominantes, cujos membros, em sua esmagadora maioria, costumam resvalar para a “baixaria” em vez de assumir atitudes compatíveis com os ideais de quem tem “classe”.
Sem demagogia, podemos dizer que se multiplicam os comportamentos cafajestes entre os ricos e as condutas dignas entre os pobres (...) Diversos elementos da vasta área dos “desclassificados” vêm se destacando, ao longo das últimas décadas, pela “classe” que mostram possuir, independentemente de sua proveniência popular, isto é, de sua origem de classe.
Duas ilustrações dessa situação nova me ocorrem, de imediato. A primeira me é lembrada pelo tristíssimo episódio do assassinato do garçom pelos garotos ricos de Brasília.
A tragédia do garçom agredido me fez recordar o velho garçom de um restaurante de Petrópolis, que, destratado por um freguês endinheirado, prepotente e ignorante, limitou-se a dizer, com muita “classe”.
- Minha idade e minha função aqui me impedem de bater boca com o senhor. Só quero lhe dizer uma coisa: se nós fôssemos duelar e eu tivesse de escolher a arma para o duelo, escolheria a gramática.
Outra historinha reveladora de alguém que tem “classe”, nas camadas populares, me foi contada há muitos anos, quando eu trabalhava no Sindicato dos Sapateiros.
Uma viúva pobre ganhou um dinheirinho na loteria e resolveu festejar o Natal com a família e um grupo de amigos. Animou-se a realizar um velho sonho: comprou um peru. Preparou a iguaria com carinho.
Quando todos estavam reunidos na sala pra a ceia, o jovem filho da viúva entrou, orgulhoso, com o peru recheado, e foi saudado com palmas. Emocionado, contudo, tropeçou, sofreu uma queda espetacular e deixou que o peru caísse no chão.
Foi então que a viúva mostrou sua “classe”. Antes que os circunstantes manifestassem o constrangimento que sentiam, a dona da casa, com serenidade e firmeza, falou para o filho adolescente:
- Recolha este peru que caiu no chão, leve tudo para a cozinha e traga para nós o OUTRO peru (...)
Jornal do Brasil, 26 de outubro de 2002 (Caderno B)

sábado, 20 de agosto de 2011

POIS É...



Sempre considerei "Pois é" uma das grandes canções da parceria Jobim/Buarque. "Perdoando Deus", da Clarice, também é, para mim, um dos maiores contos da literatura mundial. Pois é, escolhi justamente essa canção e um fragmento desse conto para  figurararem neste espaço junto com um poema (pretensão!) que escrevi lá pelos idos de 1996. Recentemente, mexendo em velhos "guardados", tirei a poeira da memória e das gavetas, resolvi criar coragem e o "Enregelado" está aí, bem ao lado de Buarque, Jobim, Clarice e Elis. Quanta ousadia minha! Espero que gostem.


POIS É
Tom Jobim / Chico Buarque de Hollanda

Pois é
Fica o dito e o redito por não dito
E é difícil dizer que foi bonito
É inútil cantar o que perdi

Taí
Nosso mais-que-perfeito está desfeito
E o que me parecia tão direito
Caiu desse jeito sem perdão

Então
Disfarçar minha dor eu não consigo
Dizer: somos sempre bons amigos
É muita mentira para mim

Enfim
Hoje na solidão ainda custo
A entender como o amor foi tão injusto
Pra quem só lhe foi dedicação

Pois é, e então...

Hollanda, Chico Buarque. Tantas palavras. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

"(...) Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. (...)"

     Fragmento do conto "Perdoando Deus", de Clarice Lispector

ENREGELADO
Fábio Brito

Somos, agora, a situação evitada,
o recuo da porta,
a insônia constante,
o andar combalido,
o olhar meio longe,
o coração muralhado,
o cansaço incessante,
o desamparo dormente,
os atalhos urgentes,
o embaraço na voz,
o retiro apressado,
o silêncio forçado,
o apego arrastado,
o sossego procurado.
Somos a roldana
no poço seco.
Somos o grande blefe.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

REYNALDO JARDIM


http://poemacao.blogspot.com/2011/04/homenagem-ao-poeta-reynaldo-jardim-na.html


A CHAVE DE FENDA
Reynaldo Jardim

Não se ofenda
com oferenda precária:
uma chave de fenda
achada na rede
viária.
Mesmo um tanto
corroída pela ferrugem,
o cabo de plástico
esmigalhado,
uma chave de fenda
sempre tem valor se
usada no momento
febril, bastando alguma
habilidade do
usuário.
Aliás, todo poema
deveria vir acompanhado
da respectiva chave de
fenda, para que o leitor
pudesse afrouxar as
articulações doloridas.
Apertar as metonímias,
extrair as hipérboles
e outros quistos
ortofônicos.
Quando se tornasse oportuno,
o leitor, o poeta, o crítico,
poderiam, sem muita
dificuldade, desconstruí-lo
e jogá-lo no cesto do
lixo orgânico, para que
não se tornasse impiedosamente
nocivo às pessoas razoavelmente
sensíveis.
Há décadas alguém andou divulgando
o aforismo de que o poema
não se escreve com ideias
e sim com palavras.
Palavras são ideias, seu toupeira.
Ideias são, necessariamente palavras, quando
saem do limbo e se transformam
em caricaturas escritas.
Se você entendesse de
luminescências, eu explicaria que
só a luz é real.
E não carece de
ideias e sons, mesmo ágrafos.
Por enquanto fiquemos na
utilidade prática das chaves de
fendas.

Fonte: Idéias&Livros – Jornal do Brasil, 22 de abril de 2006

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

SOPHIA



Sophia, a gatinha aí das fotos, é filha dos amigos Fernanda e Rodrigo. Ao conhecê-la, foi impossível não pensar em MARIPOSA, parceria do Francis e da Olivia Hime, que ganhou duas gravações espetaculares: da Mônica Salmaso e da própria Olivia.

Ó filhinha minha, não sai de perto até clarear
Tua mãe tem medo e precisa muito do teu olhar
Conta aquela história que eu te contava pra dor passar
Me acalma, sussurra um verso e me diz o que é que faz sossegar
Nana, nana, nana, menina, e nina quem te nanou
Tua mãe tá triste é de tanto amor
Me diz quantas folhas perde a palmeira antes dela crescer
Será que eu vou ter de ter a coragem de tanto me perder
Me diz quantas cruzes bordo em meu peito antes de me render
Se nos meus bordados ou mesmo nos pontos de um botão
Arrremato a dor do que foi em vão
Pra onde vai tanta luz e essa mariposa que se espantou
Pra onde vai a ternura que um dia o meu peito já guardou
Pra onde é que eu vou tão triste e madura, pra onde, meu amor
Nana, nana, nana, menina, e nina quem te nanou
Tua mãe tá triste é de tanto amor
Ó filhinha minha, não sai de perto até clarear
Tua mãe precisa do teu olhar
Nana, nana, nana, menina e nina quem te nanou
Tua mãe tá triste é de tanto amor
“Mariposa", Francis Hime, Álbum Musical 2, Biscoito Fino, BF 860, Rio de Janeiro, 2008.