quarta-feira, 24 de agosto de 2011

TER CLASSE NÃO É PARA QUALQUER UM



(...)
Eu vejo um novo
Começo de era
De gente fina
Elegante e sincera
Com habilidade
Pra dizer mais sim
Do que não...
(...)

Lulu Santos


TER ‘CLASSE’
Leandro Konder
A expressão “ter classe” nasceu e se difundiu, inicialmente, sob o signo de um evidente elitismo.
A autodesignada elite reconhecia em alguma pessoa determinadas características de comportamento que a definiam como integrante do estreito círculo dos privilegiados, capazes de refinamento, criaturas que podiam aproveitar os benefícios de uma bem cuidada educação.
Eram pessoas “elegantes” (na origem, elegante era quem usava luvas, gants em francês). Destacavam-se pela sofisticação e, independentemente das suas intenções, funcionavam como vitrinas daquilo que as classes dominantes achavam que podiam se orgulhar de mostrar ao mundo, em matéria de boas maneiras.
Por contraste com a massa dos excluídos, com a multidão dos “desclassificados” (assim eram designados aqueles que não tinham “classe”), definia-se um comportamento refinado.
Mas as palavras nos surpreendem. A linguagem reflete as complicações da vida. O tempo da metamorfose é lento, mas a história não admite nada que pretenda se situar num nível superior ao dela. Nenhuma criação humana escapa às transformações históricas.
As palavras mudam de sentido: dependendo do uso que é feito delas, passam a denotar e a conotar coisas diferentes daquelas que conotavam ou denotavam no passado. E o significado que predomina pode ser mais decisivamente determinado pelos de “cima” ou pelos de “baixo”. O termo francês arcaico dangier, por exemplo, se referia a um direito do senhor feudal (ao corpo dos seus vassalos) e em inglês moderno – danger – passou a indicar “perigo” (mostrando no novo sentido uma predominância do ângulo dos vassalos).
A expressão “ter classe” não foi apropriada pelos de “baixo”, quer dizer, os homens do povo não criaram uma nova concepção, comprometida com o ponto de vista deles. Mas o termo acabou assumindo um novo sentido, que o levou a escapar do domínio exclusivo por parte dos de “cima”.
Essa modificação do sentido está em andamento. Atualmente, “ter classe” está passando a ser um comportamento cada vez mais raro no âmbito das classes dominantes, cujos membros, em sua esmagadora maioria, costumam resvalar para a “baixaria” em vez de assumir atitudes compatíveis com os ideais de quem tem “classe”.
Sem demagogia, podemos dizer que se multiplicam os comportamentos cafajestes entre os ricos e as condutas dignas entre os pobres (...) Diversos elementos da vasta área dos “desclassificados” vêm se destacando, ao longo das últimas décadas, pela “classe” que mostram possuir, independentemente de sua proveniência popular, isto é, de sua origem de classe.
Duas ilustrações dessa situação nova me ocorrem, de imediato. A primeira me é lembrada pelo tristíssimo episódio do assassinato do garçom pelos garotos ricos de Brasília.
A tragédia do garçom agredido me fez recordar o velho garçom de um restaurante de Petrópolis, que, destratado por um freguês endinheirado, prepotente e ignorante, limitou-se a dizer, com muita “classe”.
- Minha idade e minha função aqui me impedem de bater boca com o senhor. Só quero lhe dizer uma coisa: se nós fôssemos duelar e eu tivesse de escolher a arma para o duelo, escolheria a gramática.
Outra historinha reveladora de alguém que tem “classe”, nas camadas populares, me foi contada há muitos anos, quando eu trabalhava no Sindicato dos Sapateiros.
Uma viúva pobre ganhou um dinheirinho na loteria e resolveu festejar o Natal com a família e um grupo de amigos. Animou-se a realizar um velho sonho: comprou um peru. Preparou a iguaria com carinho.
Quando todos estavam reunidos na sala pra a ceia, o jovem filho da viúva entrou, orgulhoso, com o peru recheado, e foi saudado com palmas. Emocionado, contudo, tropeçou, sofreu uma queda espetacular e deixou que o peru caísse no chão.
Foi então que a viúva mostrou sua “classe”. Antes que os circunstantes manifestassem o constrangimento que sentiam, a dona da casa, com serenidade e firmeza, falou para o filho adolescente:
- Recolha este peru que caiu no chão, leve tudo para a cozinha e traga para nós o OUTRO peru (...)
Jornal do Brasil, 26 de outubro de 2002 (Caderno B)

3 comentários:

  1. Meu caro amigo tem que vir a Lisboa conhecer os locais onde os grandes da literatura dos séculos XVIII e XIX fizeram história: Chiado; Nicola; Martinho da Arcada, etc. Conhecer Belém, o Museu dos Coches, o Centro Cultural e os pastéis de nata. Tem que vir a Lisboa conhecer o local onde “a terra acaba e o mar começa”. Conhecer Coimbra, o Mercado do Bulhão do Porto. Évora e a terra do Marquês de Pombal e outros locais da história da literatura. Abraço.

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  2. Fábio,
    Você é uma pessoa "classuda" :o)

    Abração
    Rondi

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  3. Amigos "classudos" José Manuel e Rondi, obrigadíssimo pelos comentários, pelas visitas, pelo carinho.
    Bjs, Fábio

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