domingo, 21 de abril de 2013

EM DEFESA DA CLAUSURA




observarte.zip.net
Le déjeuner sur l’herbe (Almoço na relva), Édouard Manet.

DE PAPO PRO AR
Joubert de Carvalho e Olegário Mariano

Não quero outra vida
Pescando no rio de Jereré
Tem um peixe bom, tem siri patola
De dar com o pé

Quanto no terreiro
Faz noite de luar
E vem a saudade me atormentar
Eu me vingo dela
Tocando viola
De papo pro ar

Se ganho na feira
Feijão, rapadura
Pra que trabalhar?
Eu gosto do rancho
O homem não deve se amofinar
Fonte: “Batuque”, Ney Matogrosso, Universal, 2001, 73145485472.
OS RUÍDOS E O SILÊNCIO
Duas coisas ativam minha poesia: a poluição sonora das grandes cidades e o silêncio das cidades pequenas...
A DIFERENÇA
No campo as estrelas brilham. Na cidade, as estrelas ardem.
Mario Quintana (In: Cadernos de Literatura Brasileira, número 25 - agosto de 2009)


          EM DEFESA DA CLAUSURA
Por Fábio Brito
Em 2001, Ney Matogrosso regravou “De papo pro ar”, canção de Joubert de Carvalho e Olegário Mariano (além de muitos outros intérpretes, Selma Reis também a regravou, mas em 1991). Embora eu já conhecesse a canção, foram as regravações da Selma e do Ney que me fizeram, constantemente, transformar essa canção em um quase mantra: “Não quero outra vida / Pescando no rio de jereré / Tem um peixe bom / Tem siri patola / De dá com pé / Quando no terreiro / Faz noite de luá / E vem a saudade me atormentar / Eu me vingo dela / Tocando viola / De papo pro ar / Se ganho na feira / Feijão, rapadura / Pra que trabalhar?/ Eu gosto do rancho / O homem não deve / Se amofinar”. É ou não é o “nirvana”? Sofrimento? Definitivamente não existe! Que vontade de ir para esse rancho, principalmente nas noites de luar.
Na cidade, ao contrário, há pouco – ou quase nada – a ser contemplado. Dia desses, por exemplo, ao sair para uma de minhas caminhadas, que são sempre à noite, resolvi dar mais atenção aos sons e às imagens que vêm da rua. É claro que, sempre que saio, não há como livrar-me do que há pelo caminho, uma vez que não dá para tapar olhos e ouvidos. Se desse... Pois bem, nesse dia, resolvi ficar bem mais atento "que de costume”. Decidi, então, observar detalhes, pormenores, minúcias mesmo. Ao fim da caminhada, até que nem me senti muito irritado. Espantado sim! É que a rua virou um palco de sandices. Não só a rua. O mundo também, ‘né’! As pessoas perderam a noção de tudo. Tristes e engraçados relatos... Vamos a eles?
Para começo de caminhada, eis que, em poucos minutos, numa calçada (para fugir ao trânsito, encontrei um atalho numa rua com pouco movimento), passo por um rapaz que está mexendo em seu celular (ou “smartphone”, sei lá!). Em segundos, passa um carro cujo motorista mexe com esse rapaz, o do celular. Chama-o por um nome qualquer que não lembro (eu não estava tão atento como planejei). No instante exato em que eu passava pelo rapaz, o do celular, este resolveu dar uma resposta, em altíssimo som, ao cara do carro: “- Fala, seu chifrudo!”. Ê... gesto carinhoso! Mas precisava ser no momento exato em que eu passava por ali? Naquele momento, um tampão no ouvido seria uma maravilha para mim. Vou providenciar um rapidamente. Como eu não havia pensado nisso antes?! Muita gente usa-o só para dormir. Para mim, ele servirá para as caminhadas. Será um bálsamo. Continuemos a peregrinação. Pois é, logo de início, já deixou de ser caminhada... 
Mais adiante, eis que passa por mim um carro. Carro?! Não! Havia muito mais alto-falantes do que carro naquele “negócio” que por mim passou. Deus meu! Era um barulho muito além de ensurdecedor. Não houve jeito: para amenizar um pouco (e poupar meus pobres tímpanos, claro!), tive de levar as duas mãos aos ouvidos. Era como se houvesse muitos bumbos tocando dentro de mim. Senti meu corpo quase levitar. Para que isso? Fiquei imaginando como estariam as pessoas dentro daquele carro. É, dentro daquele "troço", por incrível que pareça, havia várias criaturas. As do banco de trás estavam com as janelas abertas e, com os braços para fora do veículo, faziam movimentos que pareciam acompanhar o som que vinha de dentro, que já estava mais fora do que dentro. Mas dava para acompanhar? Do lado de fora, nem consegui entender se tocava alguma música. Só sei que, daquele "negócio", saía era muito barulho. Só isso. Nem dava para saber se havia alguma voz em meio àquela barulheira toda. Ai... não sei mais nada! Sigamos.
Uns cem metros depois do carro-barulho, encontro duas igrejas, coladinhas, parede-meia (são muitas no trajeto de minha caminhada). Mais confusão em minha cabeça. Não consegui distinguir o som de cada uma. Era uma gritaria geral. Só tenho certeza do seguinte: nas duas, havia microfone. Cuidado! Não deem microfone a qualquer um. O povo, de modo geral, não pode ver um microfone, que já sai gritando, conclamando e amaldiçoando. Por que microfone?, pergunto. Em espaços diminutos, em que até um sussurro é ouvido com clareza, parece-me desnecessário qualquer aparelho que emita som. Entretanto, muita gente não sabe disso. E tome microfone! E tome gritaria! E tome neurastenia! Ah, lembrei que, mesmo com tanta gritaria, pude ouvir o seguinte: “- Jesus não quer te ver longe daqui, irmão. Não pense que ele não ‘tá’ vendo você longe...”. Quanto a mim, tenho certeza de que, longe dali, não só serei perdoado por Jesus, como estarei em paz. Amém!
Depois de acelerar os passos para ficar longe das tais igrejas, eis que encontro vários adolescentes vindo em minha direção. Houve tempo de contá-los: eram seis.  Antes, porém, de relatar o que eles faziam, permito-me uma digressão: por que seis jovens – em torno dos 17, 18 anos – perambulavam pelas ruas àquela hora (por volta das 21 horas)? Se trabalhavam (?) durante o dia, por que não estavam, à noite, numa escola? Sabemos a resposta. Voltemos, então, à cena. Dois dos rapazes do grupo estavam com fones de ouvido; os demais seguravam um celular (cada um tinha uma luz azul na palma da mão). Se formavam um grupo, pressupõe-se que estavam (ou deveriam estar) conversando, trocando ideias, como dizem. Por que, então, dois estavam com fones nos ouvidos? Comunicavam-se, mesmo assim, com os demais? Vai saber... Nem é preciso descrever o som que saía dos aparelhinhos: era “som”. Nada de música. O velho bate-estaca e um “noiado” qualquer soltando palavras desconexas acompanhadas por alguma batida. Basta! Continuemos a caminhada.
Mais à frente, uma mudança no panorama de minha caminhada. Na laje de uma casa, uma moça - debruçada sobre uma mesa e com uma garrafa de cerveja, acho que vazia, à sua frente – ouvia uma espécie de “lamento” daqueles bem bregas: “Quando foi embora, você roubou minha alma”. Ai, que dor! Pior que essa só outra que ouvi dias antes: "Quando nos abraçamos, me alimento da sua seiva". É mole? Eta! E a moça da laje parecia viver a cena, tamanha era sua introspecção. Não deu para saber se ela estava chorando. Desconfio de que sim. Deu para notar a tristeza estampada em seu rosto. O semblante era de muita dor mesmo. "Tadinha"! Fiquei com dó “dela”, sabia? O melhor de tudo é que a cena, mesmo carregada de tristeza e melancolia para a moça, deu uma arejada em minha caminhada, que, até aquele momento, vinha passando por muitas turbulências. Há sempre um oásis em qualquer caminho, não é mesmo? Depois de passar pela “moça da laje”, é hora de eu descer alguns degraus e dar início ao caminho de volta. O que será que me aguarda? Vamos lá! Como estão meus batimentos cardíacos? Prefiro nem saber. É muita adrenalina!
Pressinto que o episódio envolvendo a “moça da laje” talvez seja um sinal de que a volta será mais agradável. Pouco depois da meia-volta, encontro dois meninos que soltam pipa. À noite mesmo. Sempre os vejo brincando bem tarde. Porque é tarde, as pipas não ficam muito longe. Não ganham a amplidão. Assim, as linhas também ficam bem baixas. Com medo de ser degolado por uma linha com cerol, pergunto, antes, se posso passar. Permissão concedida, prossigo.
Milagrosamente, consigo andar em paz uns trezentos metros. Sei que muitos devem pensar que se trata de um trecho muito pequeno para ‘se’ ter paz. “Nonada”! No trajeto que faço, esse pedacinho de trezentos, quatrocentos metros representa, para mim, quase uma encarnação. Agradeço a Deus, que me concedeu esses minutos (minutos mesmo!) de tranquilidade. Porque toda felicidade é constituída apenas de instantes, não tarda para que o tumulto volte: encontro, depois da pausa, vários rapazes, que – deduzo – estão saindo de um futebol (devem ter jogado numa quadra próxima). Falam todos ao mesmo tempo. Contam todas as façanhas da partida, imagino. Difícil é passar entre eles. Melhor desviar: saltando o meio-fio, continuo a caminhada por uma trilha de terra batida até que, mais adiante, retomo o asfalto. Estou quase chegando a casa.
Chego a uma bifurcação. Preciso atravessar “uma” das ruas. Antes, porém, preciso saber por que rua os carros que vêm vindo seguirão. Mais martírio! Ninguém dá sinal (ou “abre seta”, como dizem). Entre vinte, um carro sinaliza (média complicada!). Consigo, então, atravessar. Daí a cem metros, mais ou menos, pessoas participam de uma festa num local que parece ser, durante o dia, uma oficina de lanternagem de automóveis. Claro que, no espaço, não cabem todas as pessoas. Resultado: o excedente vaza para o acostamento (e é neste que caminho). Paro um pouquinho, respiro fundo e penso em como passar por ali. Não há jeito: tenho de sair do acostamento, que já é bem estreito. Desviando-me dos carros, que insistem em tirar meu verniz, sobrevivo. Ufa! Andando mais um pouco, chego, enfim, a casa. Que maratona! Uma hora e dez de caminhada. Entretanto, com meu "atençômetro" ligado o tempo todo, caminhei durante umas vinte horas.
Durante o percurso, veio surgindo a ideia de um texto para narrar a "epopeia". Pois é, estou aqui, tentando ajeitar o tal texto: à medida que os momentos da caminhada vêm à mente, digito a história. Agora mesmo, enquanto escrevo, dois carros que passam por minha rua fornecem-me mais subsídios, mais material: um vende abacaxi; outro é de uma criatura do mundo. Este toca algo parecido com “tchap, tchap, tchap, tchap, tchap, tchap, tchap...” incessantemente. Só isso. As janelas aqui de casa, que são de vidro e já fragilizadas pelo tempo, balançam bastante. O carro do vendedor de abacaxi “grita” o seguinte: “- Olha o carro do abacaxi. É três abacaxi. É cinco real. Abacaxi da massa amarelinha, direto de Marataízes”. Ai, ai, ai... Dizer mais o quê? Quero um rancho, uma cabana, talvez a clausura... e mais nada.


CASA NO CAMPO
Zé Rodrix  / Tavito

Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais

Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais

Eu quero carneiros e cabras
Pastando solenes no meu jardim
Eu quero o silêncio
Das línguas cansadas

Eu quero a esperança de óculos
E um filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
A pimenta e o sal

Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal
Pau a pique e sapê
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros e nada mais 
Fonte: CD (reedição 2012), “Elis”, Elis Regina, Universal Music, 8360092 (LP 1972).

VOCÊ VAI GOSTAR
Elpídio dos Santos

Fiz uma casinha branca lá no pé da serra pra nós dois morar
Fica perto da barranca do rio Paraná
O lugar é uma beleza, eu tenho certeza, você vai gostar
Fiz uma capela bem do lado da janela pra nós dois rezar

Quando for tempo de festa
Você veste seu vestido de algodão
Quebro meu chapéu na testa
Para arrematar as coisas do leilão
Satisfeito vou levar
Você de braço dado atrás da procissão
Vou com meu terno riscado
Uma flor do lado e meu chapéu na mão 
Fonte: CD “Avarandado”, Ana Salvagni, Vai Ouvindo, 199018509, 2004.
  
NO RANCHO FUNDO
Ary Barroso / Lamartine Babo

No Rancho Fundo
Bem pra lá do fim do mundo
Onde a dor e a saudade
Contam coisas da cidade
No Rancho Fundo
De olhar triste e profundo
Um moreno canta as mágoas
Tendo os olhos rasos d'água
Pobre moreno!
Que de tarde no sereno
Espera a lua no terreiro
Tendo um cigarro por companheiro
Sem um aceno
Ele pega da viola
E a lua por esmola
Vem pro quintal deste moreno
No Rancho Fundo
Bem pra lá do fim do mundo
Nunca mais houve alegria
Nem de noite, nem de dia
Os arvoredos
Já não contam mais segredos
E a última palmeira
Já morreu na cordilheira
Os passarinhos
Internaram-se nos ninhos
De tão triste esta tristeza
Enche de treva a natureza
Tudo porque
Só por causa do moreno
Que era grande, hoje é pequeno
Para uma casa de sapê
Se Deus soubesse
Da tristeza lá da serra
Mandaria lá pra cima
Todo amor que há na Terra
Porque o moreno
Vive louco de saudade
Só por causa do veneno
Das mulheres da cidade
Ele que era
O cantor da primavera
Que até fez do Rancho Fundo
O céu maior que tem no mundo
E o sol queimando
Se uma flor lá desabrocha
A montanha vai gelando
Lembrando o aroma da cabrocha 
Fonte: CD “Songook Ary Barroso volume 1”, Lumiar Discos, LD03/95.

ESTRADA DO CANINDÉ
Luiz Gonzaga

Ai, ai, que bom
Que bom, que bom que é
Uma estrada e uma cabocla
Cum a gente andando a pé

Ai, ai, que bom
Que bom, que bom que é
Uma estrada e a lua branca
No sertão de Canindé

Artomóvel lá nem se sabe...
Se é “homi” ou se é “muié”
Quem é rico anda em burrico
Quem é pobre anda a pé

Mas o pobre vê nas estrada
O orvalho beijando a flor
Vê de perto o galo-campina
Que quando canta muda de cor

Vai moiando os pés no riacho
Que água fresca, nosso Senhor
Vai oiando coisa a granel
Coisas que pra mode ver
O cristão tem que andar a pé 
Fonte: CD “Dominguinhos & convidados cantam Luiz Gonzaga / Asa Branca – volume 1”, Velas, 270.093, 1997.


LUAR DO SERTÃO
Catulo da Paixão Cearense / João Pernanambuco

Não há, oh! gente, oh! não
Luar como esse do sertão!
Não há, oh! gente, oh! não
Luar como esse do sertão!

Oh! que saudades
Do luar da minha terra
Lá na serra branquejando
Folhas secas pelo chão!
Este luar
Cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade
Do luar lá do sertão!

Se a lua nasce
Por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata
Prateando a solidão!
E a gente pega
Na viola que ponteia
E a canção é a lua cheia,
A nos nascer no coração!

Quando vermelha,
No sertão, desponta a lua,
dentro d'alma, onde flutua,
Também rubra nasce a dor!
E a lua sobe
E o sangue muda em claridade
E a nossa dor muda em saudade
Branca, assim, da mesma cor!
  
Ai, que me dera
Que eu morresse lá na serra,
Abraçado a minha terra
E dormindo de uma vez!
Ser enterrado
Numa grota pequenina
Onde, à tarde, a sururina
Chora a sua viuvez!
  
Diz uma trova,
Que o sertão todo conhece,
Que se à noite o céu floresce
Nos encanta e nos seduz!
É porque rouba
Dos sertões as flores belas
Com que faz essas estrelas
Lá no seu jardim de luz!
  
Mas como é lindo
Ver, depois, por entre o mato,
Deslizar, calmo, o regato,
transparente como um véu!
No leito azul
Das suas águas murmurando,
Ir, por sua vez, roubando
As estrelas lá do céu!

A gente fria
Desta terra sem poesia
Não se importa com essa lua,
Nem faz caso do luar!
Enquanto a onça
Lá la verde capoeira
Leva uma hora inteira
Vendo a lua a meditar!

Coisa mais bela
Neste mundo não existe,
Do que ouvir um galo triste
No sertão, se faz luar!
Parece até
Que a alma da lua é que descanta
Escondida na garganta
Desse galo a soluçar!

Se Deus me ouvisse,
Com amor e caridade,
Me faria esta vontade,
O ideal do coração!
Era que a morte
A descantar me surpreendesse
E eu morresse numa noite
De luar do meu sertão!  
Fonte: http://www.cifras.com.br/cifra/luar-do-sertao-completa


TRISTEZA DO JECA
Angelino de Oliveira

Nesses versos tão singelos
Minha bela, meu amor
Pra você quero contar
O meu sofrer e a minha dor

Eu sou que nem sabiá
Quando canta é só tristeza
Desde o “gaio” onde ele está
Nessa viola, eu canto e gemo de verdade
Cada quadra representa uma saudade

Eu nasci naquela serra
Num ranchinho beira-chão
Tudo cheio de buraco
“Adonde” a lua “fai” clarão
Quando chega a madrugada
Lá no mato a passarada
Principia um “baruião”

Nessa viola, eu canto e gemo de verdade
Cada quadra representa uma saudade
Lá no mato tudo é triste
Desde o jeito de falar
Pois o jeca quando canta
Tem vontade de chorar
E o choro que vai caindo
Devagar vai se sumindo
Como as água vão pro mar 
Fonte: CD “Pescador de pérolas”, Ney Matogrosso, Universal Music, 60251785442 (LP 1987).

ONTEM AO LUAR
Pedro Alcântara / Catulo da Paixão Cearense

Ontem, ao luar, nós dois em
plena solidão
Tu me perguntaste o que era a dor
de uma paixão.
Nada respondi, calmo assim fiquei
Mas, fitando o azul do azul do céu,
A lua azul eu te mostrei
Mostrando-a ti, dos olhos meus
correr senti
Uma nívea lágrima e, assim,
te respondi
Fiquei a sorrir por ter o prazer
De ver a lágrima nos olhos a sofrer

A dor da paixão não tem explicação
Como definir o que eu só sei sentir?
É mister sofrer para se saber
O que no peito o coração não
quer dizer
Pergunta ao luar, travesso e tão taful
De noite a chorar na onda toda azul
Pergunte ao luar, do mar à canção
Qual o mistério que há na dor de
uma paixão

Se tu desejas saber o que é o amor
E sentir o seu calor
O amaríssimo travor do seu dulçor
Sobe um monte à beira-mar, ao luar
Ouve a onda sobre a arei-a a lacrimar

Ouve o silêncio a falar na solidão
De um calado coração
A penar, a derramar os
prantos meus
Ouve o choro perenal
A dor silente, universal
E a dor maior, que é a dor de Deus 
Fonte: CD “Água”, Fafá de Belém, Universal Music, 60253718377 (LP 1977).


UM VIOLEIRO TOCA
Almir Sater / Renato Teixeira

Quando uma estrela cai
No escurão da noite
Um violeiro toca suas mágoas
Então os olhos dos bichos
Vão ficando iluminados
Rebrilham neles estrelas
De um sertão enluarado

Quando um amor termina
Perdido numa esquina
E um violeiro toca a sua sina
Então os olhos dos bichos
Vão ficando entristecidos
Rebrilham neles lembranças
De amores esquecidos

Quando o amor começa
Nossa alegria chama
E um violeiro toca em nossa cama
Então os olhos dos bichos
São os olhos de quem ama
Pois a natureza é isso
Sem medo, nem dó, nem drama

Tudo é sertão
Tudo é paixão
Se um violeiro toca
A viola, o violeiro e o amor se tocam  
Fonte: CD “Almir Sater ao vivo”, Colúmbia, 850.139/464237, 1991.

CASINHA BRANCA
Gilson/ Joran
Eu tenho andado tão sozinho ultimamente
Que nem vejo à minha frente
Nada que me dê prazer
Sinto cada vez mais longe a felicidade
Vendo em minha mocidade
Tanto sonho perecer
Eu queria ter na vida simplesmente
Um lugar de mato verde pra plantar e pra colher
Ter uma casinha branca de varanda
Um quintal e uma janela para ver o sol nascer
Às vezes saio a caminhar pela cidade
À procura de amizades
Vou seguindo a multidão
Mas eu me retraio olhando em cada rosto
Cada um tem seu mistério
Seu sofrer, sua ilusão 


CANDEIAS
Edu Lobo

Ainda hoje vou-me embora pra Candeias
Ainda hoje, meu amor, eu vou voltar
Da terra nova nem saudade vou levando
Pelo contrário, pouca história pra contar
Quero ver a lua vindo por detrás da samambaia
Rede de palha se abrindo em cada palmo de praia
Quero ver a lua branca clareando como um dia
E nos teus olhos de espanto
Tudo quanto eu mais queria
Ainda hoje vou-me embora pra Candeias
Ainda hoje, meu amor, eu vou voltar
Da terra nova nem saudades vou levando
Pelo contrário, pouca história pra contar
E nas sombras lá de longe
Lá onde o céu principia
Quero ver mestre proeiro (e proeiro) no vento e na valentia
Procissão de velas brancas no sentido da baía 
Fontes: CD “Songbook Edu Lobo – volumes 1 e 2”, Lumiar Discos, LD 01/95. 
             CD “Meia-noite”, Edu Lobo, Velas, 270.204.
  

CORRENTEZA
Luiz Bonfá / Tom Jobim

A correnteza do rio
Vai levando aquela flor
O meu bem já está dormindo
Zombando do meu amor...
Na barranceira do rio
O ingá se debruçou
E a fruta que era madura
A correnteza levou...
E choveu uma semana
E eu não vi o meu amor
O barro ficou marcado
Aonde (sic) a boiada passou
Depois da chuva passada
Céu azul se apresentou
Lá, à beira da estrada,
Vem vindo o meu amor
Vem vindo o meu amor
Vem vindo...

A correnteza do rio
Vai levando aquela flor
E eu adormeci sorrindo
Sonhando com nosso amor
Sonhando com nosso amor
Sonhando...
Ô, Dandá (dandá)
Ô, Dandá (dandá)

Fontes: CDs “Rio vermelho”, Ithamara Koorax, Imagem MCD 2012, 1995.
                     “Malásia”, Djavan, Epic, 758.288/2-479373, 1996.
                     “Songbook Antonio Carlos Jobim – volume 1”, Lumiar Discos, LD 02/96.               


Nos campos o vilão sem sustos passa,
Inquieto na corte o nobre mora;
O que é ser infeliz aquele ignora,
Este encontra nas pompas a desgraça.

Aquele canta e ri; não se embaraça
Com essas coisas vãs que o mundo adora:
Este (oh, cega ambição!) mil vezes chora,
Porque não acha bem que o satisfaça:

Aquele dorme em paz no chão deitado,
Este no ebúrneo leito precioso
Nutre, exaspera velador cuidado:

Triste, sai do palácio majestoso;
Se hás-de-ser cortesão, mas desgraçado,
Antes ser camponês, e venturoso!

Bocage