terça-feira, 11 de setembro de 2018

EM QUE SÉCULO MESMO?


PELA INTERNET 2
(Gilberto Gil)

Criei meu website
Lancei minha homepage
Com 5 gigabytes
Já dava pra fazer um barco que  veleje

Meu novo website
Minha nova fanpage
Agora é terabyte
Que não acaba mais por mais
que se deseje 

Que o desejo agora é garimpar
Nas terras das serras peladas virtuais
As criptomoedas, bitcoins e tais
Novas economias, novos capitais

(...)
Meu bem, o iTunes tem
De A a Z quem você possa imaginar
Estou preso na rede
Que nem peixe pescado
É zapzap, é like
É instagram, é tudo muito bem bolado 

O pensamento é nuvem
O movimento é drone
O monge no convento
Aguarda o advento de Deus pelo iPhone

Cada dia nova invenção
É tanto aplicativo que eu não sei mais não
What's app, what's down, what's new
Mil pratos sugestivos num novo menu

É Facebook, é Facetime, é Google Maps
Um zigue-zague diferente, um beco, um CEP
Que não consta na lista do velho correio
De qualquer lugar 
Waze é um nome feio, mas é o melhor meio 
De você chegar



EM QUE SÉCULO MESMO?
Por Fábio Brito

Há uns meses, num encontro sobre leitura e literatura, ouvi de uma professora – “moderninha” - um comentário que tenho ouvido com frequência nos últimos anos. Ela disse que, hoje, nossos alunos estão no século XXI, mas os professores estacionaram no (já) distante século XX, quiçá no XIX. É mesmo, professora?, perguntei a meus botões. Qual seria, matutei, a justificativa que ela daria para seu comentário, que provocou um “oooooh” na plateia? Vai adentrar o terreno dourado das novas tecnologias, eu disse novamente a meus botões, meus ouvintes fidelíssimos. Acertei em cheio! E não é que ela “deitou falação” sobre novas tecnologias? É a salvação do mundo, pensou a maioria das pessoas que ouviam a professora. Era tudo o que queriam ouvir, tanto que o “oooooh” não foi à toa.
Sendo craques no uso das novas tecnologias, os alunos, conforme o raciocínio da professora, não têm dificuldades de aprendizagem.  Eles chegam às informações e ao conhecimento bem antes do professor. Será, professora? Será que um aluno sem uma base bem feita sabe, por exemplo, fazer a triagem do que ele busca na internet? Sabe não, professora! Será que o Google – que é visto por muita gente como um oráculo - pode ser bem usado por pessoas que não sabem nem o que procuram? Pode ser não, professora!
É... posso estar redondamente enganado, mas muitos alunos não estão no glamouroso século XXI que você tanto idolatra, professora. Decepcionando-a, devo dizer-lhe que muitos alunos não saíram do longínquo século XVI, ou até antes um pouquinho. Não se espante e nem se assuste. Tenho justificativas que considero plausíveis para minha afirmativa. Vamos a elas? Na história da ortografia portuguesa, tivemos três períodos. Um deles – o que me interessa no momento - é o fonético, que coincide com a fase arcaica da língua e vai até o século XVI. Nesse período, a escrita era a reprodução da fala. E o que vemos, hoje, nos textos de nossos alunos, professora? Não é a reprodução exata da fala? E não me refiro a alunos do fundamental! Alunos do ensino médio e, pasme!, até de universidades escrevem exatamente como falam, independentemente da situação. Eis aí apenas um argumento para justificar o fato de muitos alunos não terem saído do século XVI. É ou não é uma justificativa consistente?
O problema a que me refiro é muito grave, professora. Não se trata, como podem pensar algumas pessoas, de rabugice de professor arcaico que não acredita no fato de a língua ser dinâmica. Não é isso. Não se trata disso. Muitos alunos, professora, quando chegam ao ensino médio ou à faculdade, chegam praticamente "zerados" em leitura. Não leram praticamente nada durante a vida. Mas até alunos de universidade?, você pode perguntar. Sim, professora, alunos de universidade também! Há muitos que não conseguem compreender textos um pouco mais complexos. Sabemos que quaisquer textos, para serem entendidos, exigem do leitor a compreensão – ainda que mínima - da lógica das construções frasais. Numa leitura em voz alta, por exemplo, podemos identificar imediatamente se o aluno está lendo mesmo, ou seja, se ele está compreendendo o que lê, ou se apenas junta – e muito mal – letrinhas e sílabas e não consegue chegar ao sentido do que “está lendo”. Se perguntado, por exemplo, sobre o assunto de que trata o texto, esse aluno, certamente, não saberá dizer. Não é assustador isso?
Cara professora, esses alunos a que me refiro são excelentes em novas tecnologias. Todos nós sabemos disso. Entretanto, não é isso que me interessa. O que quero, professora, é que meu aluno saiba, principalmente, usar a leitura e a escrita como exercício de cidadania. O que quero, professora, é que meu aluno entenda os textos que lê e os que ele escreve. Se ele tem um celular de última geração e faz tudo com ele, mas não consegue compreender um simples texto informativo, esse aluno ainda precisa de muita ajuda, professora. Posso até dizer que ele é mais um deslumbrado com todas as novidades tecnológicas que, aos borbotões, têm invadido nossa vida nos últimos anos. Ele não passa de uma vítima desse sistema perverso que está aí. Esse aluno precisa, portanto, de ajuda.   
Rezando “por” sua cartilha, como diziam os mais velhos, esse aluno – que é “expert” em novas tecnologias – é “top”; o professor, ao contrário, é um primitivo. O professor, pobre criatura, ainda está no tempo do papel; o aluno, no século XXI. Por isso, o aluno não está nem aí para as aulas, não é mesmo, professora? O professor fala, fala, fala, mas não é ouvido. E se o professor, por exemplo,  deixasse de ser primitivo” e mergulhasse no mundo dourado do aluno, daria certo? Ou seja, se o professor abandonasse o “velho e bolorento” mundo em que ele vive, o da papelada sem fim, e virasse, de um instante para outro, “muderno”, tão “muderno” a ponto de as pessoas se espantarem com tamanha transformação, daria certo? Para muitas instituições de ensino, sim, professora. Esses professores “transformados” seriam tão bem vistos, que essas instituições se encarregariam não só de promovê-los, mas também de demitir os “dinossauros”, os que não quiseram, ou não conseguiram, "mudar". 
Pois é, professora, para você, o caminho é esse aí mesmo, não é? O caminho dourado e enganador - que você pensa conhecer tão bem - das novas e encantadoras tecnologias. Você tem certeza disso, não é mesmo? Eu não teria tanta certeza assim. Sabe por que esse meu ceticismo? Porque o mundo está fútil e vazio, professora. À realidade que vejo, não interessa que a pessoa se aprofunde em nada. Quanto mais vazia... melhor. Assim, o caminho para a manipulação não vai encontrar barreiras. 
Professora, experimente “dar uma aula totalmente imersa em tecnologia”. Ah, sim, você já faz isso há muito tempo, não é? É, mas deve fingir que não vê (ou não vê mesmo!) o que os alunos fazem: pegam seus celulares e acessam bobagens o tempo todo. Não há planejamento, por mais mirabolante que seja, que dê jeito nisso! Seja qual for o assunto da aula, este será menos interessante do que as futilidades que eles facilmente encontram em seus celulares. Já parou para pensar nisso? Ah, cara professora, a tecnologia pode e deve ser usada, uma vez que ela é uma ferramenta primorosa. É uma ferramenta e, como toda ferramenta, precisa ser bem usada. Simples, simples. 
Saber usar ferramentas na educação, professora, não é promover "oba-oba". É com seriedade que vamos mudar - ainda tenho esperanças – o cenário caótico em que se encontra a educação neste país. Se, hoje, vivemos no império da superficialidade, as mudanças só chegarão por meio de muita leitura. Leitura do professor, do aluno, dos pais... Ler os clássicos, por exemplo, faz diferença na vida da gente, professora. Para lê-los, você pode até usar a tecnologia, sabia? Se o problema é a ojeriza ao papel, muitos livros que mudaram o mundo já estão disponíveis em PDF. Problema resolvido. Não é fácil? Até qualquer dia, professora. 



12 comentários:

  1. Estava inspirado, hein???
    Se é que existe... sarcasmo ácido (pleonasmo puro) vou classificar assim seu texto!!!!
    Dividi com outras pessoas... no Face tb!!!!

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    1. Obrigado, meu querido, pela leitura do texto, pelo comentário. Pois é, sem ironia, não dá... Beijos.

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  2. Desejo ardentemente que a professora... um dia leia seu texto!!!! E ela própria pare de reproduzir esse tipo de fala!!!!!!

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    1. Hoje, Fernando, em pleno séc. XXI, professores "muderninhos" estão sendo reproduzidos em larga escala. Parecem sair de uma linha de montagem. Sabe por quê? Porque "representam" bem as instituições. São uma "boa" propaganda, dão "retorno financeiro", atraem alunos. Ou seja, são um "bom" produto no que chamo de "império do raso". Ensino? Para quê? Ensino com sustentação teórica? Para quê? Obrigado pela leitura. Beijos.

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  3. Meu querido mestre...você se supera, assim como a diva Ithamara. Seu preciso e precioso texto é 'kooraaxiano". Perfeito. Se eu tivesse um tiquinho de talento e grande conhecimento, além de inteligência luminosa como a sua, certamente digitaria exatamente as mesmas palavras, sem nada para acrescentar ou excluir. Lamento enormemente este horror "muderno", ou seja, um povo que aperta botão com destreza (adestraamento) e não destrincha ou interpreta um texto... mesmo que banal (aprendizado) . Nem ler direito esta gente consegue. Escrever, então, "creiemdeuspai"...penso que eles mesmos, tempos depois , nem conseguirão decifrar seus hieroglifos rs.

    Concordo plenamente com o Ludwig Wittgenstein: 'Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo".

    A tragédia maior é saber disto: http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2018-08/maioria-no-ensino-medio-tem-dificuldades-em-matematica-e-portugues, OU SEJA, cerca de 70% dos estudantes que concluíram o ensino médio no país apresentaram resultados considerados insuficientes em matemática. A mesma porcentagem não aprendeu nem mesmo o considerado básico em português. Os dados são do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), apresentados hoje (30) pelo Ministério da Educação (MEC). Convenhamos que, nestas condições de quase analfabetismo e midiotização, tornam-se, estes incautos e incultos aluno, um rebanho fácil de entreter-se ou seduzir-se pelas perversidades fascistóides ou bolsomicas, não é?

    Tudo indica que já estamos quase cronicamente inviáveis, socorro!
    ABRAÇAÇOS.

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    1. INCAUTOS E INCULTOS ALUNOS...corrigindo a digitação apressada/errada rs.

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    2. Querido Marcos, mais uma vez, fico muito feliz com sua presença firme e forte em minha vida e neste blogue. Não me canso de dizer que sou seu fã... e faz um bom tempo. Amigo, você disse tudo: é lamentável ver "um povo que aperta botão com destreza (adestramento), e não destrincha ou interpreta um texto... mesmo que banal (aprendizado)". E os dados do SAEB? Tudo muito triste mesmo. Às vezes, bate um desânimo danado, sabia? No entanto, não esmoreço. Mesmo que ensinar a LER e a ESCREVER possa mostrar-se, às vezes, como um trabalho hercúleo, não desisto. Meu melhor beijo, querido. Obrigado pelo carinho, pelo comentário, pela força de sempre.

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    3. Marcos, talvez os números sejam mais assustadores ainda que os apresentados pelo SAEB...

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  4. Fábio, sua análise tão consistente e inteligente merece minhas sinceras homenagens. Parabéns ilustre colega e professor. Um texto digno de grandes escritores e sábios intérpretes. Sendo de sua autoria, não poderia ser diferente. Ler, interpretar e escrever: desafios que a tecnologia, tão veloz, ainda não conseguiu alcançar e superar a mente humana.

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    1. Lucimar, meu amigo, muito obrigado pelo comentário. Porque você é uma das pessoas mais inteligentes que conheço, sua opinião tem muito peso para mim. Forte abraço.

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  5. Fábio, no Brasil é proibido ensinar, por isso amargamos colocação ridícula nos rankings de educação. Infelizmente, "soluções tecnológicas" surgem como única forma de ensinar e o fracasso evidente cai nas costas dos professores que "estão no séc. XIX". Rezo por ver o clássico em sala novamente. Forte abraço!

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    1. Obrigado, Luiz, Pelo comentário. Pois é, meu amigo, temos de ser "mudernos"... As tais "soluções tecnológicas", como sabemos, são uma embromação, uma mentira capciosa. Triste isso. Ah, os clássicos... como fazem diferença na vida de todos. Abração. Valeu!

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