sábado, 10 de fevereiro de 2018

NÃO PRECISA SER ALIENANTE OU ESCAPISTA



ONDE DEUS POSSA ME OUVIR 
Vander Lee 

Sabe o que eu queria agora, meu bem? 
Sair, chegar lá fora e encontrar alguém 
Que não me dissesse nada
Não me perguntasse nada também 

Que me oferecesse um colo, um ombro
Onde eu desaguasse todo o desengano
Mas a vida anda louca
As pessoas andam tristes 
Meus amigos são amigos de ninguém 

Sabe o que eu mais quero agora, meu amor? 
Morar no interior do meu interior
Pra entender por que se agridem 
Se empurram pr'um abismo 
Se debatem, se combatem sem saber

Meu amor...
Deixa eu chorar até cansar
Me leve pra qualquer lugar
"Aonde" Deus possa me ouvir

Minha dor...
Eu não consigo compreender
Eu quero algo pra beber
Me deixe aqui, pode sair
Adeus



NÃO PRECISA SER ALIENANTE OU ESCAPISTA
Por Fábio Brito 

No verão, quando abro o "face" e, durante poucos minutos (o tempo de minha paciência para as redes sociais é ínfimo), rolo a tela, o que mais vejo é foto de gente na praia. Às vezes, tenho a impressão de ter visto certas fotos várias vezes. Acho que é só impressão...  
Será que esse negócio de "ter" de ir à praia no verão é alguma regra imposta por algum suposto deus da diversão? É alguma obrigação? Há pessoas que, inclusive, chegam ao cúmulo de postar fotos de verões passados como se elas fossem atuais. O "babado" deve ser o seguinte:  porque "o mar não está 'pra' peixe", muitas pessoas não podem ir à praia com frequência (é... a situação econômica, diferentemente do que mostram os grandes jornais de TV, não está nada boa para a maioria). A solução, então, para que não sejam "discriminados", é fingir que estão na praia, no "nirvana". Ah, quanto às fotos de verões passados, devem pensar mais ou menos assim: ninguém vai reparar que as fotos são de outros tempos. Detalhes não importam. O que vale é não ficar de fora. 
Não sei o porquê dessa necessidade. Realmente, não sei. Nas prais mais próximas de minha cidade, a situação, todo ano, não é das melhores: falta infraestrutura para atender a tantos turistas. O resultado, claro, é a falta de tudo: falta água, falta pão, faltam produtos nos supermercados, falta paciência, falta educação, falta respeito...
Certa vez (já faz um tempinho), fiquei hospedado no apartamento de uma amiga numa praia com ótima estrutura aqui do ES. Pois bem, de manhã, gentilmente, ofereci-me para ir à padaria. Assim, eu poderia retribuir um pouco da gentileza. Deus do céu, que martírio! Para início de conversa, a fila era inacreditável. Pior do que o tamanho da fila foi constatar que cada fornada só era suficiente para algumas pessoas que estavam nessa bendita fila. Ou seja, até que chegasse minha vez, tive de esperar umas 3, 4 fornadas. E eu não posso deixar de perguntar: por que tanto sacrifício? Há necessidade de passar por um sofrimento assim? Se eu estivesse em casa, eu conseguiria o pão quentinho sem o sacrifício cruento de esperar um tempão numa fila. E olhe que essa praia tinha/tem uma ótima infra-estrutura (imaginemos as menores...). Não faz sentido e não há nada que justifique isso. Por causa dessa espécie de obrigação de ter de passar o verão nalguma praia, as pessoas passam por situações, no mínimo, desgastantes. Entretanto, não querem nem saber. O importante é estarem na praia. 
Por causa dessa "obrigação" de ter de ir à praia no verão, nas cidades sem praia, a história se repete: aos sábados à tarde e aos domingos, principalmente, o que vemos é um deserto só. Em decorrência disso, os assaltos a residências crescem. Nos últimos anos, com a santa "ajuda" das redes sociais, têm crescido mais ainda. Nas tais redes (no "face", principalmente), as pessoas "avisam" que vão à praia. Ou seja, "avisam" aos assaltantes que eles podem "fazer a festa", ou, para usar uma expressão de minha infância, podem "lavar a égua". "Viraemexe", vejo alguém postando algo assim : "partiu praia tal..." É, criatura, dirija com cuidado e vá com Deus! Fique tranquilo. Sua casa estará protegida... Ah, muitos ainda têm o "cuidado" de deixar as luzes acesas, principalmente as de áreas externas. Deixe-me ver se entendi: se as luzes ficarem acesas, os assaltantes vão pensar que existe alguém em casa? Quem, por acaso, deixa luzes acesas durante o dia, principalmente em áreas externas? Ninguém! Se, à noite, todas as luzes estiverem apagadas, o ladrão pode até pensar que os donos saíram, foram até a esquina e podem voltar a qualquer momento. Ou seja, pode pintar uma dúvida aí na cabeça do assaltante. No entanto, se o ladrão vir uma luz acesa durante o dia, ele vai ter certeza de que não há ninguém em casa.  
Em nome de uma obrigação esquisita, vale a pena passar por certos sacrifícios? Acho que não. Tudo bem. Sei que praia relaxa, sei que o mar traz alívio e bem-estar. Também gosto muito de praia, mas no inverno, quando ela está praticamente deserta. Se há aglomeração, tumulto e desconforto, ninguém pode dizer que sente prazer. Diversão, para mim, não precisa ser alienante e escapista. E praia, quando passa a ser obrigação, vira algo alienante e escapista. Hoje, chegando ao que Almeida Garrett chamaria de outono da vida, tenho total certeza de que ficar em casa - lendo, ouvindo música, assistindo a filmes, cuidando de plantas, por exemplo - é um programa muito mais interessante e prazeroso do que ficar torrando num sol de 40º e disputando centímetros de espaço na areia de uma praia qualquer. Ah, o pior de tudo: ouvindo o som que se ouve hoje... e numa altura ensurdecedora. Não vejo graça em diversão que exige sacrifícios. Sem prazer, não dá. 



OS AMIGOS NA PRAIA
Éramos três velhos amigos na praia quase deserta. O sol estava bom; e o mar, violento. Impossível nadar: as ondas rebentavam lá fora, enormes, depois avançavam sua frente de espumas e vinham se empinando outra vez, inflando, oscilantes, túmidas, azuis, para poucar de súbito na praia. Mal a gente entrava no mar a areia descaía de chofre, quase a pique, para uma bacia em que não dava pé; alguns metros além havia certamente uma plataforma de areia onde o mar estourava primeiro. Demos alguns mergulhos, apanhamos fortes lambadas de onda e nos deixamos ficar conversando na praia; o sol estava bom.
Éramos três velhos amigos e cada um estava tão à vontade junto dos outros que não tínhamos o sentimento de estar juntos, apenas estávamos ali. Talvez há 10 ou 15 anos atrás tivéssemos estado os três ali, ou em algum outro lugar da praia, conversando talvez as mesmas coisas. Certamente éramos os três mais magros, nossos cabelos eram mais negros… Mas que nos importava isso agora? Cada um vivera para seu lado: às vezes um cruzara com outro em alguma cidade e então possivelmente teria perguntado pelo terceiro. Meses, talvez anos, podem haver passado sem que os três se vissem ou se escrevessem; mas aqui estamos juntos tão à vontade como se todo o tempo tivéssemos feito isso.
Falamos de duas ou três mulheres, rimos cordialmente das coisas de outros amigos (“aquela vez que o Di chegou de S. Paulo”… “o Joel outro dia me telefonou de noite…”) mas nossa conversa era leve e tranquila como a própria manhã, era uma conversa tão distraída como se cada um estivesse pensando em voz alta suas coisas mais simples. Às vezes ficávamos sem dizer nada, apenas sentindo o sol no corpo molhado, olhando o mar, à toa. Éramos três animais já bem maduros a entrar e sair da água muito salgada, tendo prazer em estar ao sol. Três bons animais em paz, sem malícia nem vaidade nenhuma, gozando o vago conforto de estarem vivos e estarem juntos respirando o vento limpo do mar – como três cavalos, três bois, três bichos mansos debaixo do céu azul. E tão sossegados e tão inocentes, que, se Deus se nos visse por acaso lá de cima, certamente murmuraria apenas – “lá estão aqueles três” – e pensaria em outra coisa.
Março, 1956
Rubem Braga



"(...) Temos de reaprender o que é satisfação. Estamos tão desorientados, que achamos que satisfazer-se é ir às compras. Um luxo verdadeiro é um encontro humano, um momento de silêncio diante da criação, fruir de uma obra de arte ou de um trabalho bem-feito. Satisfações verdadeiras são aquelas que embargam a alma de gratidão e nos predispõem ao amor. (...) 

Ernesto Sabato 

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