sábado, 14 de janeiro de 2012

UM "ARRASTÃO" NA MPB



Vídeo da apresentação de Elis Regina no "Carinhoso", Festival  de Choros da TV Bandeirantes (1978).
Canção: Carinhoso (João de Barro / Pixinguinha)

          UM 'ARRASTÃO' NA MPB
          Por Fábio Brito

          Pois é, e assim se passaram trinta anos! Todas as pessoas que gostavam, e continuam gostando, da "Pimentinha" Elis lembram exatamente o que estavam fazendo no momento em que receberam a notícia que, infelizmente, não podia ser desmentida: na manhã de 19 de janeiro de 1982, uma terça-feira, Elis Regina havia partido. Calara-se a primeira voz do Brasil. Perplexidade total. Eu também, quando soube, não acreditei. Essa história só poderia ser "invencionice" da imprensa, eu dissera. Uma notícia dessas era algo absurdo, porque Elis estava a toda: apresentava, com muito sucesso, o espetáculo "Trem azul". Estava no auge da carreira. Mesmo não acreditando nessa história estapafúrdia, liguei a TV. Não era boato. O plantão do Jornal Nacional confirmava a notícia que nos deixou órfãos da maior cantora que este país já teve. E essa cantora excepcional foi uma das primeiras que ouvi, ainda criança. 
          Em fins da década de 60 (68/69), o rádio era um veículo muito presente nos lares brasileiros. Em minha casa, não era diferente: ouvia-se bastante. E foi exatamente nessa época que ouvi "Lapinha" (Baden Powell / Paulo César Pinheiro), interpretada pela Elis e primeiríssimo lugar  na I Bienal do Samba (1968), promovida pela TV Record e pela revista Intervalo. Criança ainda, eu gostava muito dessa canção e sabia quem a interpretava, mas não tinha noção de que se tratava de alguém tão importante para a Música Popular Brasileira e para a "Música Popular Mundial". O engraçado - sempre conto essa história - é que, em lugar de "Lapinha", eu entendia/"ouvia" "latinha". Isso mesmo! E imaginava uma latinha de sardinha. Uma brincadeira dos compositores, eu pensava. 
           Pouco antes, em 1965, Elis vence o I Festival Nacional de Música Popular Brasileira (TV Excelsior, 1965) com "Arrastão" (Edu Lobo / Vinicius de Moraes). E foi um arrastão mesmo! Eis o que nos diz Zuza Homem de Mello¹ acerca de Elis e sua apresentação "épica": "(...) Fez uma apresentação empolgante para os presentes no teatro e para quem assistia pela televisão. O teatro veio abaixo, foi uma ovação emocionada e incontida (...)". Nelson Rodrigues, em conversa com Otto Lara Rezende, ao ver Elis com Baden Powell na boate Zum-Zum, foi categórico: "A Elis Regina faz de qualquer canção uma Marselhesa".² A baixinha (tinha apenas 1m53) chegava aos três metros no palco. Era 'gigante pela própria natureza'. Nesse Festival, o de 65, ela não só conquistou o júri com sua interpretação para lá de explosiva, mas todo o país. Não houve quem ficasse indiferente ao talento da gauchinha irascível que, como poucas, soube se impor no cenário da MPB, onde já havia tanta gente talentosa. Impôs-se porque era única, excepcional.
          Elis era/é um gênio. Ninguém duvida disso. Muito já se disse, e ainda há muito o que se dizer, sobre sua genialidade. Nelson Motta, por exemplo, ao comentar a interpretação de "Carinhoso" no Festival de Choros da Bandeirantes, em 1978, intitulado exatamente "Carinhoso", "disse" tudo sobre a emoção de Elis na recriação desse clássicoComentou sobre "(...) o misto de medo e coragem extremos que se via em seus olhos enquanto sua voz andava por regiões, timbres e ritmos ainda impercorridos da canção, a respiração suspensa de todos os que ouviam a respiração precisa da cantora, a pureza cristalina das notas imprevistas que fluíam de sua garganta, filhas da audácia e da agonia. Emoção e revolução, em tempos de frio e medo. Agonia, em seu sentido original, quer dizer 'guerreiro que luta nos limites de suas forças' e não tem nada a ver com qualquer coisa ou pessoa ou ideia que esteja morrendo ou se acabando"³. Elis era guerreira mesmo. E lutava principalmente pelos outros. Basta ver os talentos lançados por ela: de Milton, passando por Gil, chegando a Renato Teixeira e tantos outros. Foram muitos. Que "faro" maravilhoso! E todos, sem exceção, reverenciam-na: o próprio Milton já disse, inúmeras vezes, que fez, e continua fazendo, todas as canções para ela. Recentemente, Filipe Catto, jovem cantor, disse - no programa "Ensaio" (TV Cultura) - que Elis é sua "professora de canto".
          Às vezes, como exercício, fico imaginando o que ela teria gravado nesses trinta anos. Ou melhor, o que ela teria imortalizado nesse tempo todo. Certamente, continuaria lançando talentos, como o fez durante sua longa/curta vida artística. Também teria regravado inúmeras canções. Em uma das páginas de sua agenda (reproduzida em Furacão Elis)*, estão grafadas algumas canções (será que se tratava de um possível repertório para um novo disco?) que ficariam sensacionais em sua interpretação: "Nos bailes da vida", "Gema", "Sonora garoa", "Vida", "Quando te vi", "Caminhos do coração", entre outras.
          A "Pimentinha", mesmo quando regravava um clássico revisitado inúmeras vezes, como "Carinhoso", sempre inovava. E fazia sempre melhor. Com seu talento inigualável, dava um "banho de loja" em qualquer canção, por mais esquecida que ela estivesse em algum fundo de "armário". Ela perseguia, incansavelmente, a tal perfeição, "a meta defendida pelo goleiro que joga na seleção", como ela mesma cantou em "Meio de campo", do Gil. Sua interpretação de qualquer canção era única. Até hoje, pouca gente ousa revisitar seu repertório, porque a comparação é inevitável. Como passar por canções já gravadas por alguém que, aos vinte anos, já era a melhor cantora do país? Dificílima essa tarefa. Quase impossível.
           Elis vai ser sempre uma "saudade de variadas leituras", como disseram os jornalistas Timóteo Lopes e Sérgio Garcia**, por ocasião dos dez anos de sua partida. Uma dessas leituras diz respeito à sua técnica apuradíssima. Com sua voz exuberante, impressionava porque sabia trafegar da técnica para a sensibilidade com um equilíbrio perfeito, algo dificílimo para muitas cantoras consideradas até muito boas, mas que, não raro, ou ficam frias ao extremo, ou são puramente emoção. Elis foi, entre todas, a que soube combinar melhor técnica e emoção. A musicalidade é outra de suas qualidades inquestionáveis. "Era tão musical que era capaz de cantar os arranjos que bem entendia sem ler uma nota", declarou Luiz Eça.***  Sabia tudo do ofício de cantar. Pelas canções do Milton, por exemplo, que, sem exceção, têm uma construção harmônica dificílima, ela trafegava com incrível facilidade. Até hoje, não são muitos que se atrevem a cantar - mas cantar bem! - o que Bituca compôs.
          Impossível também não se falar, obviamente, da emoção de que somos tomados quando ouvimos Elis. Incrível como, até hoje, ouço Elis constantemente. E choro sempre, e fico arrepiado sempre. Elis me comove. É isso! Sempre que há alguém - da novíssima geração, por exemplo - que não a conhece, corro para mostrar tudo o que ela gravou. E todos, como eu já esperava, também ficam encantados e até reclamam: "Por que não a conheceram antes"? Sabemos, sim, o porquê:  o achatamento do gosto musical do brasileiro está aí para afastar muitas pessoas de canções e artistas excepcionais. O importante é que, ontem, hoje ou amanhã, nunca é tarde para conhecermos Elis Regina Carvalho Costa, a nossa Elis, uma das cantoras mais importantes do século XX e um clássico da arte popular do Brasil.

Fontes:
* ECHEVERRIA, Regina. Furacão Elis. Versão atualizada. São Paulo: Ediouro, 2007.
** e *** Jornal do Brasil (revista "Domingo"), 19 de janeiro de 1992.
¹ MELLO, Zuza Homem de. A era dos festivais: uma parábola. . São Paulo: Ed. 34, 2003.
² CASTRO, Ruy. Chega de saudade: a história e as histórias da Bossa Nova. 3ª ed. atualizada, 7ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
³  O Globo, 25-10-78.

A VOZ DO BRASIL
Luis Fernando Verissimo
19-01-1983

A voz continua, viva e límpida.
Continua nos discos e nas fitas. E continua, ainda mais límpida e mais vida, na nossa memória.
O resto é como um desenho feito a lápis, sem fixador, que vai se apagando com o tempo. O que ela fez, o que ela disse, o que disseram dela...
A voz não se apaga. O disco pode arranhar, a fita pode gastar, mas a voz que a gente guarda na memória continua tão nítida que até atrapalha: não podemos ouvir outra cantora sem ouvir, junto, a voz dela, e comparar. É covardia. Ninguém mais canta como ela.
Era uma baixinha complicada.
Uma pimenta, plata miúda e ardente. Tinha de saber cdomo lidar, senão ela queimava. Morreu e se transformou num milagre de botânica. 
Hoje é uma flor que a música brasileira usa atrás da orelha. 
E se nome é sempre-viva. 
Ela usava a voz como um instrumento.
Ela era isso, um instrumento de sopro. Como o piston, que também é pequeno e difícil mas canta como um anjo.
Só que os instrumentos, bem cuidados, duram cem anos.
E ela não se cuidou. Acabou antes do tempo.
Mas a voz continua, viva e límpida. 
Continua nos discos e nas fitas. E ainda mais viva e mais límpida na nossa saudade.

Fonte: Revista "Domingo" (Jornal do Brasil), ano 16, nº 820, 19 de janeiro de 1992.

Agora o braço não é mais o braço erguido num grito de gol.
Agora o braço é uma linha, um traço, um rastro espelhado e brilhante.
E todas as figuras são assim: desenhos de luz, agrupamento de pontos de
partículas, um quadro de impulsos, um processamento de sinais.
E assim - dizem - recontam a vida.
Agora retiram de mim a cobertura de carne, escorrem todo o sangue,
afinam os ossos em fios luminosos e aí estou, pelo salão, pelas casas,
pelas cidades, parecida comigo.
Um rascunho.
Uma forma nebulosa, feita de luz e sombra.
Como uma estrela.
Agora eu sou uma estrela.

Texto de Fernando Faro dito por Elis no espetáculo Trem azul.
Fonte (CD): Elis Regina, Trem azul, Som Livre, 400.1168, Rio de Janeiro, 1992.


Maninha, precisava ser agora?
Elis, quando eu soube, assim de imediato, não acreditei. Esse vício de eternidade que a gente tem. E logo você, bicho? Tão agitadinha, tão atrevidinha e cheia de vida. Fui ao banheiro lavar o rosto, molhar os pulsos e olhar bem a minha cara cansada de 33 anos. Quando saí e espiei em volta, tudo continuava lá. Feito nada tivesse acontecido. Lembrei duma história da mitologia grega. Contam que quando morreu Pan, o deus da música, alguns pescadores ouviram uma voz misteriosa gritar numa praia deserta: “O grande deus Pan morreu!” E nunca mais se ouviu falar dele. Hélice – como te chamava a Rita, acho que por causa daquela sua mania antiga de girar os braços enquanto cantava, em tempos de Arrastão – eu não sei o que estou sentindo. Depois do trabalho, saí a procurar pelas ruas do centro da cidade um sinal qualquer que confirmasse ou desmentisse tua partida. Não encontrei nada. As lojas não tocavam teus discos. Ninguém caminhava mais devagar. Não havia nenhuma melancolia específica no céu, além do cinza habitual. Só eu assobiava baixinho “Acender as velas já é profissão, quando não tem samba, tem desilusão”. (Vezenquando, só de sacanagem, você dizia, “quando não sou eu, é Nara Leão”, e dava aquela risada gostosa.) Então peguei um táxi e vim embora. Pedi para o motorista ligar o rádio, mas tocava Núbia Lafaiette. Você acharia engraçado. Pedi para ele parar antes de casa, comprei duas garrafas de vinho. Estou no meio da segunda. Pimentinha, que difícil que tá. Você tem que amar quem você ama agora, JÁ, você tem que começar a fazer tudo o que você quer porque a bruxa tá do lado esperando. Elis, eu também vou morrer nem sei quando. Antes eu queria tanto ser feliz. Embora nem saiba como é isso. Acendo uma vela branca procê ir embora numa boa. Abro as janelas e ponho bem alto você cantando “Primeiro Jornal”, porque é assim que quero te guardar, juntando tua voz matinal aos restos dos sons noturnos que ainda boiam na casa. Não tenho medo da morte. Tenho medo da vida. Baixinha, foi tão de repente... Mas ainda ontem, todo domingo de manhã eu ia ao cinema Castelo assistir você cantando no programa do Maurício Sobrinho, da Rádio Gaúcha. Você vinha com aqueles vestidos repolhudos cantar “Banho de lua” e aquelas versões tipo Fred Jorge (Vixe como tô ficando veio guria!). No fim todo mundo aplaudia em pé, dançava e cantava junto. Depois, feito a Janis Joplin fez com Port Arthur, você saiu de Porto Alegre. Foi ser estrela na vida. Falavam mal, então, como falavam: porque isso, porque aquilo, porque você chiava como carioca, que era metida que nem parecia ter saído ali do Partenon, que parecia que tinha Deus na barriga (descobri depois que você tinha mesmo, não na barriga, mas na voz). Nunca mais te vi ao vivo, só no finzinho do ano passado, no Anhembi. De repente você disse que queria falar com Deus. Eu me arrepiei. Parecido com quando você cantava “Atrás da porta”. Ou quando, naquele inverno comprido, eu atravessava noites bebendo conhaque ouvindo “As aparências enganam”. Uma vez a Paula Dip bateu na porta enquanto você cantava e, mal abri, ela caiu no choro, porque tinha vindo contar-me coisas sobre esses enganos, essas aparências.
Maninha, precisava ser agora? Em pleno verão, o sol quase em Aquário. Sei que teu coração não aguentava mais tanta barra. Sacanagem... E juro que agora eu ouvi você rindo assim: quá-quá-rá-quá-quá. Tô sentindo um oco, Hélice. Tão ruim. O dia não conseguiu chover: eu queria agora chorar todo o choro que o dia não choveu por ti. Não consigo. Eu tenho a impressão de que poderia reconstituir, dias após dia, desde uma daquelas manhãs de domingo no Cine Castelo (que coisa mágica, eu tinha 12 anos, você 15) até estas duas da madrugada de hoje? Consigo não, chê. A gente, que é gaúcho, se entende. O tempo existe, Pimentinha, e passa, leva no arrastão as coisas e as pessoas que não morrem: ficam encantadas. Y solo resta el silencio, un ondulado silencio...
Nós te amávamos tanto, tanto. Guria. Até.
Caio Fernando Abreu
http://livrocadente.blogspot.com/2009/11/carta-de-caio-fernando-de-abreu-para.html

O QUE DISSERAM DELA
"Ela (Elis) conseguia transitar bem do grave ao agudo, sem perder o timbre da voz e a riqueza de suas interpretações. (...) Elis cantava samba, bossa nova, bolero (...), entre outros, com variação de timbres e interpretações absolutamente únicas na MPB."  Marta Assumpção de Andrada e Silva, fonoaudióloga. 
"Tudo devo a ela. (...) Foi sempre a grande descobridora e incentivadora dos novos. Foi a maior cantora do Brasil. Uma das três maiores de todos os tempos, somente junto com Janis Joplin e Billie Holiday. Não tem pra mais ninguém. Ninguém canta como ela, em lugar ou tempo algum. Ela tem o toque da divindade na voz."    Guilherme Arantes
"Foi a única artista que, na época, peitou as autoridades e foi me visitar no Hipódromo Feminino onde eu estava presa numa cela com outras 10 mulheres e grávida do meu primeiro filho. Até aquele momento, Elis nunca havia conversado comigo, ela era da turma que não gostava dos tropicalistas. Elis tinha isso. Diante de qualquer tipo de injustiça, lá ia ela defender com unhas e dentes. Nessas horas, baixava uma mãezona brava que rodava a baiana legal. (...)  Ainda não existe uma cantora brasileira com a potência, precisão e emoção da voz dela. Saudades de Elis sempre!"   Rita Lee
"Elis sempre foi minha musa maior. Sempre que eu fazia música, era pensando em sua voz. Muito mais até que em mim. Intérprete como ela: não aparecerá. (...) Me emociono, choro e sinto saudades intermináveis." Milton Nascimento
Fonte: revista Mulheres que fazem, ano 1, nº 1, novembro de 2001.
"Elis vai a lugares que eu gostaria de ir, mas não tenho coragem. Ela se entrega de um jeito intenso, emocional e definitivo." Björk, cantora islandesa
"Você acha que Elis cantava bem? Acha? Pois você tinha que ver ela cozinhando... Era um almoço melhor que o outro. Feijoada, tortilha, bobó de camarão, pratos mineiros. Certa vez um amigo foi almoçar pela primeira vez em casa e, surpreso com o sabor da comida, fez o elogio: 'Como você cozinha bem, Elis'. E ela respondeu sorrindo: 'Obrigada. Você precisa me ver cantando...'". João Marcelo Bôscoli, filho
Fonte: encarte Universo Musiclub, s/d.
O QUE ELA DISSE
"Fazer música não é botar fusca na praça, não é linha de montagemm, não."
"O mercado musical vive de preestabelecido."
"Os artistas agora só falam em milhões, lhões, lhões."
"Vem o diretor da gravadora e diz: 'Este é o ano de fulano'. Os outros? Ferro, claro!"
"As minhas posições sobre os novos frutos da música popular não são saudosistas. O que acho é que muitos deles refletem uma involução de pelo menos 30 anos."
"Não é fácil ter cinco carros e dez empregados. Eu até poderia ter. Sou uma mercadoria cara. Mas prefiro o meu jipe."
"No fundo acabo escolhendo quem merece gostar de mim."
"Alguma alegria é fundamental. É preciso fé, esperança, passar um brilho no olho e ir engatinhando para, em termos de sensação, redescobrir a vida, descobrir o sabor da festa."
"O importante é procurar reconstruir, onde você está, o clima da casa onde você nasceu."
"A vida está seguindo mansa no meu pedaço."
"É bom que a gente esteja vivo. Gente como nós, com cabeça pra levar as coisas adiante."
"Pude perceber o quanto era importante ter o relógio do meu avô em casa. Não por um sentimento de posse, mas por viver a sensação de que não perdi tudo do meu passado."
"A gente não come carne, usa arroz integral e açúcar mascavo por achar que é fundamental a coerência da vida como um todo."
"Não se trata de uma visão pessimista. Procuro acreditar que a gente não pode viver em função dos dias difíceis."
"Tomei parte de uma geração de músicos muito mais atentos. Nós ainda não tínhamos sido vítimas da assepsia cultural no país."
"Essa história de pular é uma moda que estão empurrando."
"Vou pensar o quê? Que vivemos a grande época da chegada do surfe? Nesta terra, só se liga para cifrões. O sujeito vale muito pouco."
"Essa máquina de faturamentos é muito desleal."
"Os amigos? Poucos, muito poucos."
"Não estou preocupada em fazer uma avaliação de perdas e danos, nem rescaldos de incêndio. Viver é melhor do que sonhar."
"No Brasil a inspiração é americana, mas a organização é macunaímica."
"Cantar, pra mim, é um sacerdócio. O resto é o resto."
"Dediquei minha vida a cantar e não tem homem, nem pai, nem mãe, nem filho que me tire disso."
"Quem atravessar no meio para dividir ou diminuir, vai ser atropelado por um trator passando por cima de uma margarida."
"A catarse acontece no palco. Tem até vomitórios."
"Tenho o prazer de me danar e me recompor sozinha. Não preciso de muletas."
"Claro que continuo amarrando bodes e pagando caro essa minha liberdade."
"Só dou o tiro. Quem mata é Deus."
"Entre a parede e a espada, me atiro contra a espada."
"Eu sou guerreira e pego a metralhadora para sair atrás de quem me enche o saco. Agora, se um amigo precisa de mim, eu faço tudo e não cobro gratidão para o resto da vida, somente exijo um mínimo de fidelidade e coerência."
"Sou espírita. Há espíritas e espíritas. O importante é que você entenda que vem para cá se lascar mesmo, que é para ficar mais legal, porque você precisa se acrescentar, você tem coisas a dizer, porque tem compromissos assumidos antes com as organizações que tomam conta disso tudo. E depois você vai ter que prestar contas."
"A única mulher com a coragem de dizer que sente prazer é a Rita Lee. Ela fala o que a mulher fala, sem pudor. E a mulherada fica querendo se emancipar sem saber para onde vai, que nem o país."
"Sou obstinada, perfeccionista. Exigente comigo mesma. Autopunitiva. Espero muito de mim e sou amiga dos meus amigos. O lance pinta, eu registro e devolvo multiplicado. Deu um, recebe mil. Nos dois sentidos. Enfim, sou uma mulher de uma fidelidade estúpida."
Fontes: revista Manchete, n º 1.605, Rio de Janeiro, 22 de janeiro de 1983 e revista Mulheres que fazem, ano 1, número 1, novembro/2001.







13 comentários:

  1. Meu amigo, tantas vezes já pude ver seus olhos brilhando ao falar de Elis Regina: e não podia ser diferente, não é? Conheci Elis por você e não deixo mais de ouvi-la, vez ou outra.
    Fábio, sua crônica, a carta de Caio F. de Abreu e os trechos apresentados só fazem a aumentar a admiração por esse orgulho de nossa história. Adorei tudo!

    Abração,

    Rodrigo Davel

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  2. Muito obrigado, Rodrigo. Pois é, Elis estará sempre conosco. A grande arte, os grandes artistas sempre 'me' deixarão comovido. Abração, amigo.

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  3. Elis... diamante raro lapidado pelas emoções extremas!!! E o quadro que montaria com as fotos das cantoras? Que fim teve?

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Pois é, Fê, Elis era/é um diamante mesmo. Muita emoção! Muita técnica! Perfeita. Ah, sobre os quadros com fotos de cantoras: em breve, eles estarão montados. Só preciso do papel. Quero algo bem rústico. Descobri um. Aguarde-me. Bjs. e obrigado pela visita ao "blog".

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  4. O que mais eu posso falar de Elis. Até hoje ela me arrasta de uma forma inexorável e eu vou sendo arrastado por essa voz que nunca se calará enquanto eu viver e mesmo quando for a seu encontro.

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    1. Geraldo, meu querido, estou com você: Elis jamais morrerá. Ouço-a sempre. Todos os dias, a "Pimentinha" entra em minha casa, em minha vida. Um beijo grande. Obrigado pela visita ao "blog".

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  5. Meu caro...seu texto é irretocávelmente verdadeiro e tocante. Não comento mais para não macular o brilho das suas bem digitadíssimas linhas com o coração no teclado, né? Quem ainda não viu o excelente musical em cartaz no Rio: Elis, a musical...não imagina o que está perdendo em nível de reconhecimento , respeito e excelências, enfim, todas as reverências e "bateções de cabeça rs" que a baixinha (nada disto: concentrada) de enooooooooooooooorme talento merece, eternamente. E a cantora/intérprete deste espetáculo obrigatório...abala!!!O grande Caio Fernando Abreu levou-me às lágrimas com seu desabafo/testamento "à pele da flor" que cogito mais poderoso que à flor da pele.Abraço caloroso e forte.Obrigado pelas chiques emoções (re)despertadas elisreginianamente.
    Marino Monti

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    1. Marino, meu amigo, mais uma vez, muitíssimo obrigado pelas palavras carregadinhas de emoção. Obrigado pela visita ao "blog", que é sempre um luxo. Pois é, meu querido, Elis é sempre uma saudade "à pele da flor", como você diz. Até hoje, fico muito emocionado ouvindo-a/vendo-a. Que intérprete! Que cantora! Que mulher! Um abração.

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  6. Que luxo de texto! Emocionada com essa justa homenagem a uma cantora que nos "arrastou" com sua voz poderosíssima! Não sei o que mais me enleva, estas palavras tão carregadas de emoção ou a voz de nossa ilustríssima Elis! Um abração, meu querido amigo e mestre de sempre!
    Rosangela faria

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    1. Rosangela, querida, muito obrigado pela visita a este "blog". Muito obrigado pelas palavras carinhosas. Um beijo.

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  7. Fábio, confesso pra você que não ouço ou quase nunca ouvi Elis a não ser por acaso.Mas esse texto carregado de emoção aguça em mim o interesse em ouvi-la e saboriar seus sabores.Obrigada!Um beijo!

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    1. Querida Elenice, que bom que o texto despertou em você o desejo de ouvir a Elis, que é fantástica. Obrigado, amiga, pela visita a este "blog". Beijos.

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