quarta-feira, 4 de julho de 2012

"ELA VAI AO INFINITO..."



“ELA VAI AO INFINITO...”
Por Fábio Brito
“Há canções e há momentos / Eu nem sei como explicar / Em que a voz é um instrumento / Que eu não posso controlar / Ela vai ao infinito / Ela amarra todos nós / E é um só sentimento / Na plateia e na voz...” Para mim, os versos dessa canção de Brant e Milton resumem o canto de Ithamara Koorax, cuja voz é, de fato, um raro instrumento que vai ao infinito... Que nos leva ao infinito. Não há como ficar indiferente ao ouvi-la.
Meu primeiro contato com a voz da Ithamara foi em “Elas cantam Caetano Veloso”, CD lançado em 1994 pela Continental Warner Music Brasil, cuja proposta era apresentar uma parte representativa da obra de Caetano por meio de doze novas vozes femininas da MPB. Curioso como sempre, principalmente em se tratando de vozes femininas, pus o CD para tocar e ouvi-o com bastante atenção. Na quinta faixa, aumentei o volume. Depois dos três minutos e cinquenta e nove segundos de duração, eu estava fascinado. A faixa, repetida à exaustão, era “A rã”, parceira de Caetano e João Donato; a voz, a da Ithamara, que se destacava entre as doze belas vozes do CD.
No ano seguinte, 1995, em uma loja que não mais existe e em cujo “catálogo” havia CDs raríssimos, eis que encontro o “Rio vermelho”, um dos mais belos CDs já produzidos até hoje. Pronto! A paixão, que havia começado com “A rã”, só aumentou. Religiosamente, não parei mais de ouvir Ithamara, que, há vinte anos, ocupa o posto de melhor cantora do Brasil. Músicos respeitadíssimos do mundo confirmam o que acabo de dizer. E são poucos – pouquíssimos! - os cantores que podem se dar o luxo do prestígio entre músicos, que criam uma espécie de “ilha” onde só entram intérpretes cuja competência está acima do bem e do mal. Ou seja, a essa “ilha”, só chega quem não tem mácula: os perfeitos.
Falando em perfeição, dia 23 de junho, pude assistir a mais um ‘show’ (Bossa Nova Rio+20) de Ithamara no “Bar do Tom”, um aconchegante e agradabilíssimo espaço no Leblon (RJ). O repertório – que, desta vez, privilegiou canções brasileiras – estava, como sempre, impecável. Entre os destaques, Coco peneruê, do repertório de Stelinha Egg, cantora paranaense “especializada em música derivada do folclore”, como afirma Tárik de Souza, e que fora casada com o maestro Lindolpho Gaya. O ritmo contagiante da canção e a segurança de Ithamara deixaram-me, mais uma vez, boquiaberto (amigos que me acompanhavam disseram que, quando escuto Ithamara, fico paralisado. E fico mesmo!). Não faltaram outras preciosidades, como Bim Bom, do repertório do “papa” João Gilberto, Aviso aos navegantes e Fica mal com Deus. No encerramento, a surpresa ao resgatar uma bela canção – talvez a mais conhecida – da dupla Antônio Carlos & Jocafi, Você abusou, anunciada por Ithamara como a canção preferida de Stevie Wonder.
Há mais preciosidades: para cantar Corcovado, uma de minhas canções preferidas de Jobim, nossa diva chamou ao palco o afilhado Marcos Ozzellin, que, em 2010, lançou o excelente CD O samba transcendental de Marcos Ozzellin e, atualmente, é sucesso absoluto no Rio Scenarium, um dos melhores bares da Lapa/RJ. Os dois arrasaram. A voz maviosa de Ozzellin sempre combina perfeitamente com o talento incomum de Ithamara. Depois, foi a vez do violonista Rodrigo Lima, que a acompanhou em Por causa de você, parceria de Dolores Duran e Tom Jobim. Que número maravilhoso! Como se não bastasse, o rapaz, além de tocar divinamente, ainda canta. Em português, ele passeou com desenvoltura pelos versos de Duran, enquanto Ithamara, em inglês, mostrou-nos, mais uma vez, que ela é “a” voz. Outra presença importantíssima no ‘show’ foi a do lengendário Wilson Chaplin, percussionista cujo solo deixou o ambiente em silêncio absoluto. Ficamos encantados. Quanta beleza para uma noite apenas!  
Pois é, mais uma vez, saio de um ‘show’ de Ithamara com a certeza de que todos que lá compareceram tiveram uma aula – de pós-doutorado – de canto e de interpretação. Parafraseando nosso menino-poeta Cazuza, Ithamara, quando canta, recebe Deus.


QUANDO EU ESTIVER CANTANDO
Cazuza – João Rebouças
Tem gente que recebe Deus quando canta
(...)
Fique em silêncio
Quando eu estiver cantando
Não cante comigo
Eu só canto só
O meu canto é a minha solidão
É a minha salvação
Porque meu canto redime meu lado mau
Porque meu canto é pra quem me ama
Quando eu estiver cantando
Fique em silêncio
Porque o meu canto é a minha solidão
É a minha salvação
Porque o meu canto é o que me mantém vivo
É o que me mantém vivo

Ref. CD: Cazuza, Burguesia, 838447-2, PolyGram, (P) 1989 – 1997.


 























4 comentários:

  1. Fiquei imaginando você "bebendo" todos esses acontecimentos do show. Sei também que você sabe de todos os detalhes por puro prazer.
    O seu "hobby" de apreciar o "bom" MPB e de entender e perceber suas nuances e pequenos detalhes de autorias, nomes e datas sempre me encantou. Tenho orgulho de você. Seria um dos melhores comentaristas do Brasil nesse campo. Pra mim já é!
    Abraço Fraterno!
    Rondi

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  2. Rondi, meu querido, você precisa assistir a um 'show' da Ithamara comigo. Precisa "bebê-lo" comigo. Ela é uma pessoa fantástica, além de ser a cantora/intérprete que é. Não fica fazendo, como eu disse em um texto, pose de estrelona inecessível. Sobre os detalhes: é por puro prazer mesmo, meu amigo. Mais uma vez, muitíssimo obrigado pela visita ao 'blog' (que só existe por sua causa, lembra?), pelos comentários, pelo carinho, pela atenção, pelo respeito. Um beijo grande, imenso.

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  3. Ah!, meu amigo, parece até repetição, clichê, mas, falar de Ithamara, é tudo isso, mesmo!

    Abração,
    Rodrigo Davel

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    1. Rodrigo, meu amigo, sempre tenho algo novo para falar sobre a Ithamara e seu talento incomum. Adoro! Abração e obrigado pela visita.

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