segunda-feira, 10 de setembro de 2012

ENTRE O DOCINHO, O LANCHINHO E O CHURRASQUINHO



FORMIGUEIRO
Ivan Lins - Vitor Martins

Avisa ao formigueiro
Vem aí tamanduá

Pra começo de conversa, tão com
grana e pouca pressa
Nego quebra a dentadura, mas não
larga a rapadura
Nego mama e se arruma, se vicia e
se acostuma
E hoje em dia está difícil de acabar
com esse ofício

Avisa ao formigueiro
Vem aí tamanduá

Repinique e xique-xique, tanta caixa
com repique
Pra entupir nossos ouvidos, pra cobrir
nossos gemidos
Quando acabar o batuque, aparece
outro truque
Aparece outro milagre do jeito que
a gente sabe

Avisa ao formigueiro
Vem aí tamanduá

Tanto furo, tanto rombo não se tapa
com biombo
Não se esconde o diabo, deixando de
fora o rabo
E pros "home" não tá fácil de arrumar
tanto disfarce
De arrumar tanto remendo, se tá todo
mundo vendo

Avisa ao formigueiro
Vem aí tamanduá

Fonte: Ivan Lins (CD "Juntos"), Universal, 04228226722, (P) 1984, reedição em CD: 2002.
                                               

ENTRE O DOCINHO, O LANCHINHO E O CHURRASQUINHO
Por Fábio Brito
Porque não gosto de discorrer sobre temas atuais, relutei em escrever este texto. Entretanto, dias atrás, assistindo à propaganda eleitoral, não resisti: preciso dividir com os amigos minhas dúvidas acerca das eleições municipais, em especial no quesito “vereador”.
Depois de assistir a dois programas, fui tomado de uma dúvida que me dilacera até o momento: em quem votar? No Zezinho do docinho, na Zizinha do lanchinho ou no Toninho do churrasquinho? Realmente, não sei! Meu primeiro impulso foi votar no Zezinho, porque, antes de tudo, adoro doces, e os que ele faz são do céu, como dizem. Desde que ‘me entendo por gente’, sempre gostei de doces. De quaisquer doces, principalmente dos caseiros. Entre todos, o meu preferido é o de queijo, que deixa minha língua “grossa”. Só para ilustrar: certa vez, no aniversário da filha de uma antiga colega de trabalho, cometi um desatino: quando passaram com a bandeja de docinhos, em vez de pegar um ou dois, no máximo, como fazem os educados, pedi à pessoa que servia que deixasse conosco (uns amigos e eu) a bandeja, que, àquela altura, ainda estava cheia. Para meu espanto – e minha felicidade – a bandeja ficou ao meu ladinho. Foi uma glória! Que dia feliz! Pois é, mas, agora, já sou “subcinquenta” e não posso, portanto, dá-me o luxo das orgias gastronômicas. As taxas ficam sempre olhando-me de esguelha, de "través": colesterol e afins. Decidi, então, que meu voto não vai para o Zezinho dos docinhos. Parti para um segundo nome: a Zizinha do lanchinho.
Não sendo um ET, também gosto muito de lanches, mas não chego a ser obcecado, como o são muitas pessoas que encontro por aí (já repararam como as casinhas de lanche multiplicaram-se de uns anos para cá?). Gosto porque gosto. Entretanto, se o lanche for com carne de porco, fico louco. Adoro carne de porco! Vez ou outra, minha mãe repete uma história – já perdi a conta do número de vezes que a ouvi! – sobre minha infância, que é excelente: sempre que meu pai saía para trabalhar, ele perguntava a meu irmão e a mim o que gostaríamos que ele trouxesse assim que voltasse. Certa vez, meu irmão, que adorava desenhar, respondeu que queria lápis de cor; eu, sem titubear, respondi na lata: “carne de porco”. Está explicada minha paixão por carne de porco. Ela nasceu exatamente aí: na mais tenra infância. Lembro-me claramente da panela de ferro, que ainda existe, em que minha mãe fritava a carne: bem pretinha, com alça e três pezinhos que pareciam travas de chuteira. A carne ficava tão douradinha, mas tão douradinha, que, só de lembrar, a boca “enche d’água”. E o cheiro? Jesus! Como é bom o cheiro de carne de porco!  Pois é, mas não posso esquecer que já sou “subcinquenta” e, obviamente, devo maneirar na alimentação. Pausa: por que todos os médicos satanizam a carne de porco? Não gosto disso! Mas não como a gordura, meu Deus! Escolho os pedaços mais sequinhos. Se, por acaso, uma “beirolinha” de gordura teima em ‘me’ afrontar, tiro-a imediatamente com a faca, só para ter a certeza de que fiquei livre da tentação. Para arrematar, ainda digo que detesto gordura, que ela me dá enjoo e coisas assim. Bom, é melhor não brincar, “né”? Não preciso banir a carne de porco de minha vida, mas posso limitar seu consumo, não posso? Não sou irracional e devo, portanto, dominar a vontade. Porque luto arduamente por minha saúde, devo confessar que meu voto não vai para a Zizinha do lanchinho. Perdão, amiga, mas vou ter de pensar em outro candidato. Bom, resta-me, então, o Toninho do churrasquinho.
Churrasquinho é um negócio que combina com os lares de muitos brasileiros, não combina? Se ele estiver associado a alguma “laje”, então, combina mais ainda. Em fins de semana, a combinação fica perfeita. Conheço muita gente que troca qualquer programa por um churrasquinho na laje. Muitos até deixam de estudar ou fazer tarefas da escola em nome desse programa. É, mas Toninho não prepara churrasco em laje: ele tem é aquela carrocinha que sopra uma “fumaceira” do cão. Não me incomodo com isso. Essa fumaça é até saudável, penso. Pior é a dos carros que passam por nós constantemente. Que horror! Como há carros nesta cidade, não é mesmo? Deve haver mais carro do que gente nesta nossa Tubiacanga. Voltando ao churrasquinho: todos os dias, depois do trabalho, não resisto: vou ao encontro do Toninho e espero um tempo – bem menor que o das consultas médicas - até que o churrasquinho venha fumegando para minhas mãos. Que deleite! Que "diliça"! Mas devo confessar que só não gosto muito das unhas do Toninho: são pretinhas, pretinhas. Será que é por causa do carvão? Deve ser, porque ele é bem limpinho. É pobre, como dizem, mas é limpinho. Ai, vem mais um empecilho: a carne, que ele jura pela mãe mortinha e seca atrás da porta ser “de primeira", tem umas gordurinhas no meio. Pois é, por causa disso, já não posso mais votar no Toninho. Novamente a perseguição: sou “subcinquenta” e, (in)felizmente, tenho de limitar a ingestão de gordura.
Bom, como, até o momento, não apareceu mais ninguém com propostas tão sérias como a do Zezinho, a da Zizinha e a do Toninho, vou ter mesmo de optar por um dos três, mesmo com restrições quanto ao alimento que eles fornecem. Eta dúvida que me corrói a alma! Preciso escolher um dos três e já. As eleições estão aí, meu Deus! Antes, porém, um recadinho aos demais candidatos: por favor, não pensem que minha caixa de correspondência é lixeira. Dias atrás mesmo, enfurecido com tantos “santinhos” que a abarrotavam, acabei jogando no lixo um boleto. Resultado: acabei pagando juros “de bobeira”. Por favor, esqueçam minha caixa de correspondência. Já estou declarando meu voto: ou será do Zezinho, ou da Zizinha, ou do Toninho. Por quê? Por muitos motivos. Principalmente porque eles têm as melhores propostas, além, é claro, de não precisarem do salário que vereador recebe. Já prometeram que, todo mês, religiosamente, farão doação de seus "proventos" a instituições de caridade. Querem motivo mais importante para que meu voto seja de um dos três? E os demais candidatos? Ah, se não fosse pelo salário, ninguém – ninguém mesmo! – seria candidato. Se o salário de vereador fosse seiscentos e vinte e dois reais, como o de muitos trabalhadores deste “Brasilzão” afora, e se tivessem de comprovar produtividade, tenho certeza de que somente Zezinho, Zizinha e Toninho ‘se’ candidatariam. Mais: tenho certeza também de que, se eleitos, eles não comparecerão à Câmara somente para escolher nomes para ruas, becos e vielas. Portanto, meu voto para vereador será dado a um deles. Com certeza! Ufa! Como é trabalhoso escolher candidato!
Ah, eu já ia esquecendo: dias atrás, um amigo me deu um "santinho" do "Adamastor do Recanto Encantado". Esse tal Recanto é um bairro bem carente. Paradoxal, não? É... encantado fica é o povo de lá, mas só depois que morre, normalmente de fome. Pois é, meu amigo me disse que Adamastor é boa pessoa: bom marido, pai de três filhos, trabalhador e honesto. Pensei, pensei, pensei... e resolvi ficar mesmo com o Zezinho, a Zizinha ou o Toninho. Sabem por quê? Porque o Adamastor está confundindo um pouco: ele não é candidato a presidente da associação de seu bairro, mas a vereador, o que é bem diferente. Meus três candidatos, ao contrário, não pensam só no bairro onde moram. Eles têm visão mais ampla, como se diz, acerca do que faz um vereador. Antes de pensarem no bairro, eles pensam na cidade. Está fechado: meu voto será do Zezinho, da Zizinha ou do Toninho, que, além de tudo, são muito simpáticos. Pronto! Decidi.
HOMENAGEM AO MALANDRO
Chico Buarque

Eu fui fazer um samba em homenagem
À nata da malandragem
Que conheço de outros carnavais

Eu fui à Lapa e perdi a viagem
Que aquela tal malandragem
Não existe mais.
Agora já não é normal
 O que dá de malandro regular profissional
 Malandro com o aparato de malandro oficial
Malandro candidato a malandro federal
Malandro com retrato na coluna social
malandro com contrato, com gravata e capital
 Que nunca se dá mal

Mas o malandro para valer
- Não espalha
Aposentou a navalha
 Tem mulher e filho e tralha e tal

Dizem as más línguas que ele até trabalha
Mora lá longe chacoalha
Num trem da Central


                                                        O MALANDRO

Kurt Weill - Bertolt Brecht
versão livre de Chico Buarque/1977-1978
para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarque
 
O malandro/Na dureza
Senta à mesa/Do café
Bebe um gole/De cachaça
Acha graça/E dá no pé

O garçom/No prejuízo
Sem sorriso/Sem freguês
De passagem/Pela caixa
Dá uma baixa/No português

O galego/Acha estranho
Que o seu ganho/Tá um horror
Pega o lápis/Soma os canos
Passa os danos/Pro distribuidor

Mas o frete/Vê que ao todo
Há engodo/Nos papéis
E pra cima/Do alambique
Dá um trambique/De cem mil réis

O usineiro/Nessa luta
Grita (ponte que partiu)
Não é idiota/Trunca a nota
Lesa o Banco/Do Brasil

Nosso banco/Tá cotado
No mercado/Exterior
Então taxa/A cachaça
A um preço/Assustador

Mas os ianques/Com seus tanques
Têm bem mais o/Que fazer
E proíbem/Os soldados
Aliados/De beber

A cachaça/Tá parada
Rejeitada/No barril
O alambique/Tem chilique
Contra o Banco/Do Brasil

O usineiro/Faz barulho
Com orgulho/De produtor
Mas a sua/Raiva cega
Descarrega/No carregador

Este chega/Pro galego
Nega arreglo/Cobra mais
A cachaça/Tá de graça
Mas o frete/Como é que faz?

O galego/Tá apertado
Pro seu lado/Não tá bom
Então deixa/Congelada
A mesada/Do garçon

O garçon vê/Um malandro
Sai gritando/Pega ladrão
E o malandro/Autuado
É julgado e condenado culpado
Pela situação

FONTE: HOLLANDA, Chico Buarque de. Chico Buarque, letra e música. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

OPINIÃO
         Zé Keti

Podem me prender
Podem me bater
Podem até deixar-me sem comer
Que eu não mudo de opinião
Aqui do morro
Eu não saio não
Se não tem água
Eu furo um poço
Se não tem carne
Eu compro um osso e ponho na sopa
E deixa andar, deixa andar
Falem de mim
Quem quiser falar
Aqui eu não pago aluguel
Se eu morrer amanhã, seu doutor
Estou pertinho do céu

Fonte: Zé Renato (CD "Natural do Rio de janeiro" - sobre os sambas de Zé Keti), MP,B, 063015114-2, 1996.

  CORDA NO PESCOÇO
Almir Guineto - Adalto Magalha

E o povo como está?
Está com a corda no pescoço
É o dito popular
Deixa a carne e rói o osso
Mas a vida dessa gente
aposto que está um colosso
Mas da fruta que eles gostam
Eu como até o caroço

Vivo levando rasteira
Levando canseira
 Com o pires na mão
Jogo de cartas marcadas
Os nossos problemas
Não têm solução
Tanta conversa fiada
E a grande virada
 Não passa de esboço
Mas da fruta que eles gostam
Eu como até o caroço

Meu compadre
Se eu não fosse bamba caía no chão
Tanta fartura na mesa
Se vê na novela da televisão
Até parece brincadeira
 E eu quase no fundo do poço
Mas da fruta que eles gostam
Eu como até o caroço

 Já conheço essa jogada
É promessa furada
E ele diz que é bom moço
Mas da fruta que eles gostam
Eu como até o caroço

Tem gosto de marmelada
E o pobre do povo
É que leva no dorso
Mas da fruta que eles gostam
Eu como até o caroço

No dia do pagamento
A turma lá em casa faz um alvoroço
Mas da fruta que eles gostam
Eu como até o caroço

Fonte: Beth Carvalho (LP "Beth"), RCA-Victor, 110.0027, 1986. 

COMPORTAMENTO GERAL
Luiz Gonzaga Jr.

Você deve notar que não tem mais tutu
E dizer que não está preocupado
Você deve lutar pela xepa da feira
E dizer que está recompensado
Você deve estampar sempre
Um ar de alegria
E dizer tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão
E esquecer que está desempregado

Você merece
Você merece
Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba e amanhã
Seu Zé, se acabarem com teu carnaval
Você deve aprender a baixar a cabeça
E dizer sempre muito obrigado
São palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado
Deve, pois, só fazer pelo bem da nação
Tudo aquilo que for ordenado
Pra ganhar um fuscão no juízo final
E diploma de bem comportado

Você merece
Você merece
Tud vai bem, tudo legal
Cerveja, samba e amanhã
Seu Zé, se acabarem com teu carnaval

Fonte: Gonzaguinha (CD "Gonzaguinha no samba"), EMI, 827041 2, 1993.

8 comentários:

  1. Após um período de entre-safra, Fábio Ferreira Brito, o Homem-aranha de São Camilo, o Camiliano da Caixa, o Comandante da Barca do Inferno que estaciona em São Camilo todos os semestres, o Capital do Mato de motoqueiros, o futuro padroeiro de Cascavel, o caxias do navio negreiro acadêmico e tantos outros apostos, voltou! Por favor, uma linha de silêncio em homenagem aos bons modos e à mansidão.
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    Agora, sim! Que texto espetacular, meu amigo! E para engolir essa política feita, não só em nossa cidadezinha secreta, mas em toda terra de Vera Cruz, é preciso muita ironia e sarcasmo. O jeito, meu amigo, é aproveitarmos a antropofagia de Oswald e reinventá-la para as promessas de campanha eleitoral. É difícil essa vida de eleitor, hein?

    Abração, meu amigo,
    Rodrigo Davel

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  2. Rodrigo, meu amigo, haja ironia para aguentar essa política! E aí, em quem você vai votar? Na Zizinha, no Toninho ou no Zezinho? Meu Deus, adorei os codinomes! Detalhe: não só capitão do mato de motoqueiro: feitor também! E Cascavel que me aguarde! Abração, amigo. Obrigadíssimo pela leitura e pelos comentários sempre inteligentes e pontuais. Valeu!

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  3. Se fosse colocar todas as figuras folclóricas da política cachoeirense o texto viraria um livro...
    A Ironia do mundo está personificado em vc...
    Vou aumentar sua dúvida... pode votar no verdureiro, que é saudável... no artísta renascentista...
    Se for um pouco mais religioso opção é que não falta.
    Rindo sozinho até agora pelo magnífico texto.

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  4. Fê, para sair dessa, meu querido, só pela "porta" da ironia. Não vejo outra saída. Ontem, eu disse aos alunos que a propaganda eleitoral é, atualmente, o melhor programa humorístico da TV. Adoro! A situação está patética. Socorro! Beijos e obrigado pela leitura, pelo comentário.

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  5. Pena eu voto em Vargem Alta, mas me deu uma fome essa campanha cachoeirense...
    Excelente texto Fábio, a ironia e veneno ja passaram de sua boca para a caneta -teclado-.
    um abraço, amigo.
    Luiz Fernando Gava Fernandes

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    1. Obrigado, Luiz, pela visita ao "blog". Pois é, com esses "candidatoS" que apresentei, a fome aumenta... e muito. Meu amigo, seria bom se muitos candidatos por aí lessem esse texto e muitos outros que que tenho lido. No entanto...

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  6. Não me permito adentrar aqui sem antes não ter pressa...adoro ler os seus textos e como estou aqui na UFSCar lembrei-me que devia (a mim) uma visita aqui... o treco virou piada mesmo né Fábio? E a politicagem impera... sou um amante da política, da sua origem mas, fico triste (e chego a rir sozinho às vezes) como desde Aristótoles, Platão (...) ela tomou um rumo tão patológico!!
    Estou longe, não vou votar... mas a coisa tá feia, acho que os números de carros (citados no seu texto) se equipara aos inúmeros candidatos, de fato, a vida fácil, bem fácil tem atraído cada vez mais as pessoas... todos podem candidatar do palhaço ao destronado: faces do Brasil!!!
    Valei-me Deus... só rindo mesmo!!
    Hércules Campos

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    1. Hércules, meu querido, pois é, política é, hoje, sinônimo de piada. Que pena! O ridículo tomou conta...
      Mais uma vez, muitíssimo obrigado pela visita, pelos comentários e pelo carinho.
      Bjs.

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