quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

A VIDA É UMA ENCRENCA



O QUE É? O QUE É?
Luiz Gonzaga Jr.
Viver e não ter a vergonha de ser feliz
Cantar, e cantar, e cantar
A beleza de ser um eterno aprendiz
ai meu Deus, eu sei (eu sei)
Que a vida devia ser bem melhor
E será, mas isso não impede que eu repita
É bonita, é bonita, é bonita

E a vida, e a vida o que é diga lá meu irmão
Ela é a batida de um coração
Ela é uma doce ilusão, ê ô
E a vida, ela é maravilha ou é sofrimento
Ela é alegria ou lamento
O que é, o que é meu irmão
A quem fale que a vida da gente
É  um nada no mundo
É uma gota, é um tempo que nem dá um segundo
Há quem fale que é um divino mistério profundo
É o sopro do criador numa atitude repleta de amor
Você diz que é luta e prazer
Ele diz que a vida é viver
Ela diz que melhor é morrer
Pois amada não é, e o verbo é sofrer
Eu só sei que confio na moça
E na moça eu ponho a força da fé
Somos nós que fazemos a vida
Como der ou puder ou quiser
Sempre desejada
Por mais  que esteja errada
Ninguém quer a morte
Só saúde e sorte
A pergunta roda
E a cabeça agita
Eu fico com a pureza da resposta das crianças
É a vida, é bonita, é bonita
Viver
Fonte:  http://www.gonzaguinha.com.br


(...)
É difícil morrer com vida,
é difícil entender a vida,
não amar a vida impossível.
Infinita vida que para continuar desaparece
e toma outra forma e rebrota,
árvore podada se abrindo,
a raiz mergulhada em Deus.
(...)

PRADO, Adélia. O coração disparado. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987.

 
          A VIDA É UMA ENCRENCA
          Por Fábio Brito
Lendo “A queda – as memórias de um pai em 424 passos”, de Diogo Mainardi, eis que, na p. 97, encontro um petardo de Giacomo Leopardi: “O que é a vida? A viagem de um manco e enfermo que, com um pesadíssimo fardo, caminha dia e noite, sem jamais repousar, pelas encostas de montanhas íngremes, na neve, no gelo, na chuva, no vento e no ardor do sol, até chegar à beira de um precipício ou de um fosso, e inevitavelmente cair”. Que soco na “boca do estômago”!, pensei.
Outro dia, num programa de TV, ouvi a atriz Imara Reis dizer que a vida é uma encrenca. É uma luta, uma batalha sairmos de uma etapa e chegarmos à seguinte. Tive de concordar com ela. Quando chegamos a uma “idade mais boazinha”, ou quando dela aproximamo-nos, as dificuldades parecem aumentar.
E essas dificuldades são infindas. Dias atrás, por exemplo, às pressas, resolvi comprar uma calça “jeans”. Ingenuamente, perguntei à vendedora se ela poderia mostrar-me algumas que tivessem cintura alta e pernas “largas” (eu não procurava uma "boca de sino", muito na moda na década de 70). Enfático, disse que não queria pernas “apertadinhas” e “cintura baixa”. Bobinho, achei que ela encontraria várias, ainda mais que a loja tinha – ou aparentava ter – um bom estoque. Engano meu. Depois de tirar calças e mais calças da prateleira, a moça disse que todas tinham cintura baixa e pernas apertadas. Eu lhe disse que todas as que me foram apresentadas até ficariam legais em mim, desde que eu usasse um “correntão” de prata no pescoço e boné com o “bico” voltado para trás. Mais: eu teria ainda de usar uma cueca “de marca”, claro!, com bons centímetros para fora da calça.  Aí, sim, eu estaria perfeito. Pediu-me, então, um tempo até que ela fosse procurar a calça “lá dentro”. O “lá dentro”, imaginei, ‘devia’ ser o almoxarifado do “refugo”, das peças que quase ninguém compra, que não têm saída.
Depois de um tempinho razoável, ela voltou com uma calça que, enfim, agradou-me. Eu não estava – juro! – à procura de uma marca famosa. Só queria uma que ficasse legal em mim. Queria apenas algo que me agradasse. Mesmo estando satisfeito, não deixei de tecer alguns comentários acerca de uma desconfiança que trago desde que fiz quarenta anos: o mundo é das pessoas magrinhas que têm entre quinze e vinte anos. As mais velhas e/ou gordinhas devem, então, procurar alguém que lhes confeccione roupas sob medida? Deve ser esse mesmo o caminho. Eu disse à moça que, da próxima vez, procurarei um alfaiate. Será que ainda existem alfaiates? Os gordinhos, no entanto, com algum esforço, encontram lojas especializadas, mas os velhos...
Querem outra batalha enfrentada pelas pessoas com mais de quarenta? A luta para preservar a saúde. Meu Deus, por que envelhecer é tão difícil? Convivi - e convivo – com idosos, e a luta é sempre a mesma: é comum a cabeça estar a mil, mas o corpo não ajudar. Há um descompasso muito grande entre corpo e cabeça. Minha avó sempre dizia que “velhice é uma desgraça”. Nunca me esqueço disso. Quando tentávamos argumentar e dizer-lhe que havia, sim, vantagens no envelhecimento, ela não perdia tempo: “ – Que vantagem? Vai me dizer que é a tal da experiência? E essa tal de experiência serve para quê? Para os outros, ‘né’?, porque, para mim, não serve mais: ‘tô’ no fim e não tenho mais tempo para usar a experiência”. Infelizmente, não posso tirar-lhe a razão. Com minha mãe, a história é parecida. Quando ela está preocupada com a velhice, digo-lhe que temos de encará-la apenas como “uma etapa”. Ela concorda, sim, mas não deixa de dar uma espetada: “ – É uma etapa, claro!, mas é a última, ‘né’”? Posso discordar? Claro que não!
E há mais batalhas para quem não é jovem. A luta continua. Já faz um tempo que, sempre que vou a algum médico, fico preocupado com os exames que, inevitavelmente, ele vai solicitar. Para aplacar um pouco a angústia, não abro o envelope e muito menos leio o conteúdo antes do médico. Prefiro passar no laboratório minutos antes da próxima consulta, marcada para eu mostrar os tais exames. Assim, evito a fadiga, o estresse. Conheço muitas pessoas que até abrem o envelope antes, mas apenas para que tenham tempo de inventar uma boa desculpa para um possível aumento das taxas. Prefiro minha estratégia. Mesmo assim, no momento em que o médico analisa os exames, olho para seu semblante e não deixo de ter medo. Como se isso não bastasse, vêm mais medos: se ele pede uma radiografia ou uma ressonância, por exemplo, o medo aumenta ainda mais. Ai, meu Deus, o que será que esses exames vão detectar? Outro dia, ouvi um rapaz – com mais de quarenta - contar-me uma história terrível: com dor na coluna, ele procurou um ortopedista, que, depois de uma radiografia, solicitou uma ressonância magnética. Resultado: a dor não era na coluna, mas no pâncreas. O diagnóstico foi estarrecedor: câncer com poucas chances de cura. Gelei quando ouvi essa história.
Com o envelhecimento, também surge o medo da perda das pessoas queridas. Quando éramos jovens, nossos avós, por exemplo, tinham a idade que nossos pais têm hoje. Quando éramos jovens, "ninguém" havia morrido. Hoje, porém, é inevitável, vez ou outra, contabilizarmos as "baixas". Fiz-me, há uns dias, a seguinte pergunta: “ - Nos últimos dez anos, quantas pessoas próximas perdi? Quantos vizinhos? Quantos conhecidos”? Melhor esquecer a resposta. 
Pois é, além de todos os medos, além da fragilidade do corpo, das rugas, da lentidão, do esquecimento, há o pavor – para a maioria dos velhos - da morte. Melhor, então, é não pensar nas doenças e na morte. Melhor é viver como Oscar Niemeyer, que, lúcido e bem próximo dos 105 anos, deixou-nos há pouco. Melhor é viver como D. Canô, mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia, que está lúcida, lúcida aos 105. Melhor é viver -  e envelhecer - como Fernanda Montenegro, “a” atriz brasileira, que, aos 83, está em plena atividade. Não lhe faltam convites, não lhe falta vigor. Melhor é viver – e envelhecer – como Bibi Ferreira, que, este ano, chegou aos 90. Para comemorar, um espetáculo em que, durante uma hora e dez, aproximadamente, junta canções de vários de seus espetáculos com uma voz impecável, que desafia o passar do tempo e suas agruras. Envelhecer, como disse a Fernanda, é inevitável. Envelheçamos, pois, com toda a dignidade do mundo, assim como Fernanda, Bibi, D. Canô, Oscar Niemeyer, Cleide Yáconis, Maria Della Costa, Nathália Timberg, Beatriz Segall, Lima Duarte e tantos outros. Morrer jovem é que não dá. 

a-vida-so-e-possivel-reinventada

REINVENÇÃO

A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas…
Ah! tudo bolhas
que vêm de fundas piscinas
de ilusionismo… — mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço…
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

MEIRELES, Cecília. Poesia completa - volume 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
VIDA
Chico Buarque

Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Deixei a fatia
Mais doce da vida
Na mesa dos homens
De vida vazia
Mas, vida, ali
Quem sabe, eu fui feliz

Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Verti minha vida
Nos cantos, na pia
Na casa dos homens
De vida vadia
Mas, vida, ali
Quem sabe, eu fui feliz

Luz, quero luz,
Sei que além das cortinas
São palcos azuis
E infinitas cortinas
Com palcos atrás
Arranca, vida
Estufa, veia
E pulsa, pulsa, pulsa
Pulsa, pulsa mais
Mais, quero mais
Nem que todos os barcos
Recolham ao cais
Que os faróis da costeira
Me lancem sinais
Arranca, vida
Estufa, vela
Me leva, leva longe
Longe, leva mais

Vida, minha vida
Olha o que é que eu fiz
Toquei na ferida
Nos nervos, nos fios
Nos olhos dos homens
De olhos sombrios
Mas, vida, ali
Eu sei que fui feliz


"(...) Sou aos poucos. Minha história é viver. E não tenho medo do fracasso. Que o fracasso me aniquile, quero a glória de viver (...)
Quando penso no que já vivi me parece que fui deixando meus corpos pelos caminhos (...)"

LISPECTOR, Clarice. Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.



Acho que a vida anda passando a mão em mim.
Acho que a vida anda passando.
Acho que a vida anda.
Em mim a vida anda.
Acho que há vida em mim.
A vida em mim anda passando.
Acho que a vida anda passando a mão em mim.

MOSÉ, Viviane. Pensamento chão. Rio de Janeiro: Record, 2007;


(...)
Lágrimas escorrem dos olhos como um rio transparente.
Da mesma forma palavras derramam das mãos.
Na verdade acho que todas as coisas derramam.
Viver é um exercício de contenção.

A vida é uma pausa do jorro. Um instante de duração.

MOSÉ, Viviane. Desato. Rio de Janeiro: Record, 2006.


ALENTO

Quando mais nada houver,
eu me erguerei cantando,
saudando a vida
com meu corpo de cavalo jovem.

E numa louca corrida
entregarei meu ser ao ser do Tempo
e a minha voz à doce voz do vento.

Despojado do que já não há
solto no vazio do que ainda não veio,
minha boca cantará
cantos de alívio pelo que se foi,
cantos de espera pelo que há de vir.

ABREU, Caio Fernando. Caio3D: o essencial da década de 1970. Rio de Janeiro: Agir, 2005.


COISAS NUMERADAS DE UM A TRINTA E CINCO

XXVII

A vida nutre-se da morte, e não a morte da vida, como julgam alguns pessimistas.

Quintana, Mario. Caderno H. 2. ed. São Paulo: Globo, 2006.

DESPEDIDA

Eu deixarei o mundo com fúria.
Não importa o que aparentemente aconteça,
se docemente me retiro.

De fato
nesse momento
estarão em mim se arrebentando
raízes tão fundas
quanto estes céus brasileiros.

Num alarido de gente e ventania
olhos que amei
rostos amigos tardes e verões vividos
estarão gritando a meus ouvidos
para que eu fique
para que eu fique.

Não chorarei.
Não há soluço maior que despedir-se da vida.

GULLAR, Ferreira. Barulhos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1987.


MÃO ÚNICA

- É proibido
voltar atrás
e chorar.

FONTELA, Orides. Poesia reunida. São Paulo: Cosac  Naify, 2006.



12 comentários:

  1. Ai que medo de novos exames agora! rsrs

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    1. Alex, meu amigo, o medo de novos exames é sinal de que você já está meio "veinho". Um beijo, querido. Obrigado pela visita.

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    1. Fê, como sempre digo, é tudo desabafo. Escrever é catarse pura, viu? Um beijo e obrigado pela visita.

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  3. Meu amigo, pegando o seu mote... o Rosa nos disse: “Viver é muito perigoso... Porque aprender a viver é que é o viver mesmo... Travessia perigosa, mas é a da vida. (…) O mais difícil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra.”

    Meu melhor e mais saudoso abraço,
    Graça

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    1. Graça, querida, que lindo você lembrar o Rosa, cuja literatura é sempre altaneira. Um beijo grande, minha amiga. Obrigado pela visita.

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  4. 'O que que há velhinho?'
    É, meu amigo, ainda não tenho 'par nisto tudo neste mundo'... Mas, vivo a fugir da hora do soco, esta é a minha trivial etapa. E saber que em tempo para magrinhos e jovens, os gordinhos e velhinhos mascaram-se destes! Pecado, não é? Aceitemos-nos! Você deu bons exemplos de jovens que aceitaram o tempo e deslumbram-nos com a 'última' etapa gloriosa de suas vidas - incluo a ti.

    Um grande abraço, grande amigo! E parabéns, né?, mais um vez!

    Rodrigo Davel

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    1. Obrigado, Rodrigo, pela visita ao 'blog'. Só uma perguntinha: continuo um "velhinho" mau em sala de aula? Tomara que sim! Abração.

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    2. Sua maldade é um vinho napoleônico provado e aprovado pelos 'amigos' arianos de meados do Século XX!

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    3. Maldade nada, meu amigo! Deus me livre de ser um "professor bonzinho"! Os "bonzinhos" são "mauzinhos" à beça. Abração.

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  5. Ontem mesmo estava conversando com minha mãe dizendo que não me imagino velha... "acho que não vou envelhecer nunca, mãe", e ela aos cinquenta disse: Eu achei que fosse morrer com 15...

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    1. Pois é, Gabi, a despeito de todas as dificuldades, é bom ir envelhecendo. Só não gosto da tal história de que "sou velho, mas meu espírito é jovem". Parece um "pedido de desculpas" Ih! Estou com a Lya Luft, quando ela pergunta sobre as vantagens que tem um espírito jovem em relação a um velho? Nenhuma! Um beijo e obrigado pela visita.

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