domingo, 2 de março de 2014

PRÊMIO OU DINHEIRO?



SISTEMA
Angela RoRo / Mario de Oliveira

Eu não quero, tu não queres, não queremos
Mas fazemos
Eu não penso, tu não pensas, não pensamos
Mas dizemos
Eu não como, tu não comes, não comemos
Mas gostamos
Deus nos livre desse problema
Deus nos livre desse sistema
Eu não faço, tu não fazes, não fazemos
Mas queremos
Eu não digo, tu não dizes, não dizemos
Mas pensamos
Eu não gosto, tu não gostas, não gostamos
Mas comemos
Deus nos livre desse problema
Deus nos livre desse sistema



PRÊMIO OU DINHEIRO?
Por Fábio Brito
Não me canso de dizer que meus textos nascem de maneira bem espontânea. Não fico “caçando” temas na memória. Deixo o pensamento vadiar. A qualquer momento, sei que algo será o mote para um novo bate-papo (é... os textos nada mais são do que um bom bate-papo). Pois bem, agora, como de outras vezes, o que me instigou a escrever foi um comentário que ouvi, há dias, em um programa de TV.
Uma vez na morte e outra na reencarnação, dependendo dos convidados, sento-me para assistir ao programa a que me refiro. Os apresentadores, que, decididamente, causam-me enfado, também são responsáveis por meu distanciamento. Bom, em tal programa, dois músicos recebem, como convidados, cantores e compositores. Um desses convidados – um “fazedor” de sucessos que “bombou” na década de 80 aqui no Brasil – disse, dias atrás, algo que eu já sabia, claro!, mas que valeu ouvir “da boca da própria criatura”, porque me motivou a escrever este texto.
Vamos aos fatos!  Um dos apresentadores contou uma história vivenciada com seu ilustre (?) convidado: certa vez, tiveram de compor juntos. Vendo que o colega estava demorando muito, porque buscava, cautelosamente, determinado acorde, o “fazedor” de sucessos, que chegou a compor seis canções num dia (!), conforme relatou, soltou esta:
“ – Você quer ganhar dinheiro ou prêmio?”
Ih! Eu não precisava ter ouvido mais nada. Desliguei o televisor e foi produzir meu texto. Ah, devo dizer que gostei da sinceridade do cara. Sabe por quê? Porque o que mais ouço – até hoje! – é um povo que faz tudo pensando só no dinheiro, mas diz que o que mais importa é a arte, é o artístico. Dinheiro é consequência. “Tá” bom. Acredito em tudo. 
É isso aí, moçada! Aqui, e no mundo!, houve um tempo em que “sucesso” e “prêmio” não se casavam. Era separação total! Em se tratando de música, por exemplo, quem “bombava” nas paradas de sucesso e vendia à beça não era visto com bons olhos pelos críticos, que tinham bom gosto. Ou seja, sabiam, crítica e parte do público, que os “caça-níqueis” não primavam pela qualidade de sua obra. Nunca primaram! O que lhes interessava, como confessou o “fulano de tal” a que me referi, era ganhar dinheiro. Só ganhar dinheiro e mais nada. Assim, poderiam posar para muitas revistas ostentando carrões e casas luxuosíssimas (o que ainda fazem, claro!). Cofres, carteiras e contas bancárias causavam inveja a muita gente. Quem ousasse “seguir marginal”, como dizia Elis Regina, teria, sim, prestígio, mas não faria sucesso e, consequentemente, não ganharia dinheiro. Poucos foram os corajosos que, mantendo a retidão, primaram pelo artístico, pelo bom gosto e “deram de ombros” aos excessos proporcionados pelo vil metal. Ou seja, conseguiram, não todos, viver decentemente e garantiram seu lugar na história, mas não ficaram ricos. E hoje, como fica essa relação “sucesso x premiação”? A história não é mais a mesma.
Hoje, como podemos constatar, os prêmios também estão indo para os “fazedores” de sucesso. Ou seja, misturou-se tudo. Se, antes, havia alguma separação, hoje não há mais. Quem faz sucesso - e vende adoidado - também ganha todos os prêmios, exatamente porque falta gente com capacidade para separar o joio do trigo. Muita gente por aí anda tratando arte como um produto qualquer, adquirido em supermercado chinfrim, de esquina e canto de rua. E todos ganham prêmios! Ganham prêmios pelo lixo que produzem. Lixo mesmo! Ponta de aterro! O banal do banal. E deixe o povo consumir tudo isso!  Citando novamente Elis Regina, a "Pimentinha", estou aprendendo "a prender a respiração quando o cheiro não é dos melhores". O problema é que não tenho muito fôlego. É muita podridão. Vou pensar em boas máscaras de oxigênio.
Pois é, a tal crítica especializada, que deveria saber julgar, também está atolada nessa lama toda que está aí. Não falta é gente que deveria entender do assunto chafurdando na lama. Quanta lameira! Pessoas muitíssimo despreparadas estão substituindo os velhos críticos. Jornais e revistas estão “empestados” de figurinhas que não têm nada a dizer. Eles são parte de uma geração que está cada vez mais fútil, rasa e vazia. Exagero meu? Não raro, vivo escrevendo para jornais e revistas pedindo que façam correções em textos. Entre as falhas, há críticos – de música, principalmente – que tropeçam até em nomes de compositores de canções conhecidíssimas. Atrevem-se a escrever sobre o Cartola, por exemplo, sem nunca ter lido nada sobre esse gênio da MPB. Querem outro exemplo? Há dias, li algumas matérias sobre o lançamento de uma caixa do Ary Barroso, “Meu Brasil brasileiro”, com vinte CDs que cobrem quase toda a obra desse genial compositor. Jesus! Alguns pseudojornalistas não sabem nem quem foi Ary Barroso! Duvido de que tenham ouvido alguma de suas músicas. Nem “Aquarela do Brasil”, "tô" 'pra' apostar! Desavisados, devem ter ido à INTERNET e colhido parcas – e errôneas – informações sobre esse compositor. Pois é, e são essas criaturas que enaltecem o que não presta (e conhecem bem o que não presta, porque o consomem com voracidade) as ‘responsáveis’, até certo ponto, por várias premiações. Estamos ou não estamos perdidos? Se houve um tempo em que pelo menos a crítica estava acima das banalidades, o cenário, hoje, é ‘pra’ lá de assustador.
Não é só na música que está tudo “de cabeça para baixo”. Noutras artes, o cenário não é menos apavorante. Literatura, por exemplo. Quem, hoje, produz boa literatura? Muitos, atrevo-me a dizer. Entretanto, o que encontramos por aí, e que encabeça a lista dos mais vendidos, é xaropada daquelas bem enjoativas. Haja sal de fruta! E deixe os tais críticos enaltecerem o xarope, o melado! Além de não haver pessoal preparado para julgar o que de bom tem sido publicado, também não há - com raríssimas exceções, claro! - público interessado em obras de arte literárias. Pior: quem, hoje, lê? Qualquer obra. Não é preciso ser o que chamo de boa literatura. Contemos nos dedos as pessoas de nosso convívio que leem. Uma, duas, três... Ih! “Tá” difícil lembrar mais alguém. Os artistas (ah, os artistas!) leem? Os apresentadores de TV (ah, os apresentadores!) leem? Os jornalistas (ah, os jornalistas!), outrora tão respeitados, leem?
Se comentamos sobre os críticos que não entendem nada, ou quase nada, acerca do que criticam, é chegada a vez dos professores, que, de certa forma, também exercem o papel de "críticos" na mediação entre aluno e leitura. Quando propõem leitura, o que é raro, eles selecionam, filtram o que seus pupilos lerão? O pior - e permito-me uma digressão - é quando chegam alguns professores, que também não leem, e dizem que seus alunos leem, sim, e muito! Leem, professores? "Onde"? Na INTERNET? Sinto decepcioná-los, velhos camaradas, mas seus alunos não leem. Sabe o que eles estão fazendo? Não saem do WhatsApp. Leem alguma matéria interessante? Leem algum artigo interessante? Leem algum livro interessante (há vários em PDF)? Assistem a algum filme interessante (há vários, no YouTube, completos)? E a "premiação" desses alunos? A exemplo do que ocorre com os críticos de música e de literatura, só para ficarmos com dois exemplos, nossos críticos-professores, ou professores-críticos, também devem premiar os ferinhas do WhatsApp. São prodígio, claro! Hoje, deve haver pouco espaço nas salas de aula para o aluno que lê. Simples assim.
Nesse deserto – ou pântano - todo, costumo dizer que vivo em minha “ilhazinha”. Independentemente de críticos, continuo comprando meus CDs, meus filmes, meus livros. Coleciono-os, vejo-os, leio-os e ouço-os com muita atenção. Dizem que sou privilegiado. Claro que não! Há ótimos CDs, DVDs e livros em promoção, a preços baixíssimos mesmo! O problema é que muitos não sabem distinguir o bom do que não presta. Não foram educados para isso, porque quem deveria educá-los também não sabia como fazê-lo. Só consumia o que era de gosto duvidoso! Vai educar como?! Aí, meus amigos, a história só piora: se só conhecem o que é ruim, consumirão porcaria mesmo. E, entre esses consumidores, estão muitos críticos e muitos professores. Volto a dizer que a educação se dá por meio da arte e da cultura. Escolarização é outro departamento. Quem, hoje, pode apresentar biscoitos finos à massa? Quase ninguém, 'né'? “De minha parte”, continuo apresentando o que julgo de qualidade a alunos e amigos. Se estou conseguindo “catequizar” alguém? Ah... aí já é outra história. Talvez o tempo possa dizer. Aguardemos...

MINHA ARTE
Sueli Costa / Ana Terra

Quando é um deserto, tudo é treva, luto e dor
Eu desespero, o amor eterno disse adeus
Você me ergue, fortalece e sempre faz
Da minha queda um belo passo de balé
Se então é festa,
Lavo a alma outra vez
Você me enfeita com as estrelas lá do céu
Não sei se rei ou se rainha
Mas, ao chegar, tudo ilumina
E nos revela frente e verso
As canções

Feliz quem toca
Seu mistério tudo ensina
E diz que é sorte, diz que é sina
Se num dia aventurado te possui

Que eu te mereça
Te enriqueça, faça jus
Tocando forte e docemente
Os corações
Lembrando sempre
Eu sou peque na
Apenas cresço se me conduz
A toda parte
Minha arte,
Minha luz


Entrevista com o médico psiquiatra Flávio Gikovate – Jornal “A Gazeta”, 14 de janeiro de 2013
FACEBOOK NÃO TRAZ FELICIDADE
Renata Lacerda
As redes sociais têm algum aspecto positivo?
O Facebook, assim como todos os novos equipamentos que nos permitem acesso ao mundo “virtual”, tem aspectos positivos e negativos. Permite que se reencontrem personagens relevantes do nosso passado e o conhecimento de novos “amigos” que poderão vir a ser verdadeiros parceiros sentimentais.
Por que, então, o Facebook não traz felicidade?
O Facebook tem um caráter exibicionista, em que as pessoas postam fotos e descrevem situações ideais, de férias, de pratos deliciosos que estão comendo em locais privilegiados e coisas do gênero, que são capazes de despertar admiração e inveja em quem não está vivenciando aquela situação por falta de tempo ou por falta de meios materiais. O Facebook é um local de um exibicionismo grosseiro e que está a serviço de uma autopromoção um tanto patética.
O senhor afirmou em entrevistas que o Facebook é palco de autoerotismo e exibição? Por quê?
Assim como na vida real, no universo virtual deveríamos ser cuidadosos ao nos exibirmos. Isso pode indicar apenas o desejo de despertar a inveja dos que estão nos observando, o que é uma óbvia manifestação agressiva e maldosa. Acho fundamental compreender que o mundo virtual se distingue muito pouco do real: um é a representação do outro.
Qual seria o maior prejuízo da nossa participação nas redes sociais?
O de estimular indevidos sentimentos de inferioridade, já que as pessoas exibem momentos especiais de suas vidas, que não têm nada a ver com o cotidiano delas. Revistas no estilo de “Caras” fazem a mesma coisa. Zigmund Bauman, um sociólogo polonês radicado na Inglaterra, afirma que o Facebook é uma espécie de revista “Caras” individual, onde a pessoa comum se exibe da mesma forma que fazem as celebridades nas revistas impressas. Acho que ele tem razão.
Seria melhor não usar as redes sociais?
É claro que elas devem ser usadas, mas com as devidas reservas. Trata-se de local de intercâmbio de informações, de busca de aproximação com pessoas com as quais se tem afinidades, novas parcerias sentimentais, de amizade e trocas de todo o tipo.
Como seria, então, a melhor forma de usar essas redes sociais?
O que deve ser evitado é o excesso de dois tipos. O primeiro é renúncia à vida real para viver só por conta do que acontece no Facebook. Existem pessoas quase que viciadas nesse tipo de convívio. O segundo excesso seria o exibicionismo grosseiro e agressivo, em que o objetivo é se destacar provocando a inveja dos supostos “amigos”.
Por que tanto interesse pela vida alheia?
A curiosidade pelo que acontece com as outras pessoas sempre existiu: no passado, as pessoas ficavam com cadeiras na porta de suas casas para saber como viviam seus vizinhos! Todos leem com interesse as páginas policiais para saberem dos crimes e assaltos. Todos querem saber como vivem as outras pessoas, talvez até para terem alguma ideia interessante a ser copiada para a própria vida.
Então, esta é uma curiosidade natural?
Nada de mais natural do que querer saber da vida das outras pessoas. O que é grave, que deve ser evitado, é viver criticando modos de ser e de viver que sejam diferentes dos nossos.

MATER DOLOROSA
Este puxa-puxa
tá com gosto de coco.
A senhora pôs coco, mãe?
— Que coco nada.
— Teve festa quando a senhora casou?
— Teve. Demais.
— O que que teve então?
— Nada não menina, casou e pronto.
— Só isso.
— Só e chega.
Uma vez fizemos piquenique,
ela fez bolas de carne
pra gente comer com pão.
Lembro a volta do rio
e nós na areia.
Era domingo,
ela estava sem fadiga
e me respondia com doçura.
Se for isso o céu,
está perfeito.
 

MITIGAÇÃO DO POEMA
O céu estrelado
vale a dor do mundo.
Prado, Adélia. Oráculos de maio. São Paulo: Siciliano, 1999.

  noite estrelada

http://www.infoescola.com/pintura/a-noite-estrelada/


7 comentários:

  1. Excelente texto, Fábio!
    É uma aflição minha também; em minhas aulas tento sempre expor músicas e textos de qualidades, além de outras formas de arte.
    Nossa luta é árduas, meu amigo!
    Grande abraço...

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    1. Obrigado, Luiz, pela visita e pelo comentário. Pois é, meu querido, somos uns "heróis da resistência". Sem problemas! Continuemos com nosso quixotismo. Abraço imenso.

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  2. Meu querido...faço minhas todas ou cada uma das suas oportuníssimas palavras nestas suas bem traçadíssimas linhas. Nada a acrescentar ou excluir.Assertivo e irretocável, 'comme d'habitude", você além de ter lavado, engomado e passado a alma (a limpo), também fez barba, cabelo, bigode e bainha rs. Em suma, não deixou pedra sobre pedra, denunciando lucidamente e às escâncaras, a promiscuidade(o povo, majoritariamente, não sabe separar o joio do trigo) ou a falta de senso - principalmente na área cultural - que assola o país. Repito o que Nando Reis vaticinou: "o mundo está ao contrário e ninguém reparou" e o que a sagaz Rita Lee decretou:" mal gosto assola a humanidade".Abraçaço.

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    1. Este é o nome verdadeiro ou de batismo do M.Monti... esqueci-me de avisar anteriormente.Desculpe, mas no FB, continua MM, por questões estratégicas rs.Caloroso abraço.

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    2. Marcos (bom saber o nome de batismo), meu querido, muitíssimo obrigado pelo carinho, pelas palavras generosas. Seus comentários são luxuosíssimos. Sinto-me muito honrado com sua visita a este 'blog'. Obrigado por lembrar Nando Reis e Rita Lee, excelentes! Pairam beeeeem acima da média. Abração.

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  3. Bom ler seus textos porque não me sinto tão velho assim... comumente escuto dos meus alunos, de algumas pessoas que meus gostos são velhos demais... aqui descubro que na verdade o "bom café preto com pão de queijo" feitos no fogão de lenha têm seu valor! rsrsrs
    Abraço!
    Obrigado pelas belas tecituras!!
    Hércules Campos

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  4. Querido Hércules, que ótimo reencontrá-lo neste "espaço"! Suas visitas são ótimas. Pois é, que delícia "café preto e pão de queijo"! Amigo, posso afirmar que meus gostos - para muita gente - também são "velhos". Graças a Deus! Não vejo vantagens em ter "gostos novos". Olhe que o que há por aí! Abraço forte.

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