sexta-feira, 14 de abril de 2017

MELODIA




                                                        Fotos: Fábio Brito 


MELODIA
Por Fábio Brito 


Uma homenagem a Luiz Melodia, nosso "Negro Gato". Eis o presente que Ithamara Koorax e Renato Piau nos deram subindo ao palco do "Audio Rebel", em Botafogo, Rio, dia 8 de abril, para a estreia do show Melodia.
Unidos pela ousadia e pela genialidade, esses dois "músicos" extremamente talentosos estão entre os maiores nomes já surgidos na música. Ithamara é, há anos, uma das cantoras brasileiras mais prestigiadas e respeitadas no mundo, além, é claro, de ser uma das vozes mais perfeitas que já ouvimos. Seu "gogó de ouro", como preconizou sua madrinha musical, a "divina" Elizeth Cardoso, já chegou até Chipre, só para citarmos um entre os inúmeros lugares onde seu talento pôde ser apreciado como se apreciam os pratos mais finos. Renato Piau, com seu violão ensandecido, também é outro gênio da raça. Cantor, compositor, arranjador, produtor e conterrâneo de Torquato Neto, já foi parceiro de muitos outros gênios, como Luiz Melodia, o homenageado do "show" com Ithamara, e Chico Anísio. O grande poeta Manoel de Barros disse - com o aval de todos nós - que a guitarra de Piau "pode até nomear relâmpagos". Dizer mais o que a respeito desse moço?
Com os relâmpagos nomeados pelo violão de Piau e a exuberância da voz de Koorax, a noite de estreia do show prometia. Mesclando canções já bem conhecidas com joias que tiveram pouca repercussão, o roteiro - a cargo do competentíssimo produtor Arnaldo DeSouteiro - não poderia ser melhor: de "Presente cotidiano" a "Negro gato", o repertório é imbatível.
Em "Presente cotidiano" (Luiz Melodia), canção com que Koorax e Piau desenrolam o tapete para o desfile do luxuoso repertório de Melodia, estão versos emblemáticos, como este: "vou caminhar um pouco mais atrás da lua". Foi o que fizemos. E não foram poucas as pessoas que - com Piau e Koorax - caminharam atrás da lua. No espaço do "Audio Rebel", várias pessoas sentaram-se até no chão, tamanha era a necessidade que todos nós tínhamos de música nobre num tempo em que canções de nível deplorável não saem da mídia. Fiquemos, pois, com o bom gosto e a excelência de nossa MPB.
Uma das grandes surpresas da noite foi, sem dúvida, a interpretação magnífica de "Retrato do artista quando coisa" (ou "Borboletas", como, carinhosamente, apelidaram a canção), poema de Manoel de Barros musicado por Melodia e que, inclusive, deu nome a seu disco de 2001. Os versos de um de nossos maiores poetas não só ganharam M(m)elodia (com trocadilho) à altura, mas também uma interpretação irretocável de Piau e Koorax: "Borboletas / já trocam as árvores por mim / Insetos me desempenham / Já posso amar as moscas / Como a mim mesmo / Os silêncios me praticam (...)".
Canções que fizeram enorme sucesso não só com nosso "Negro Gato", mas também com outros intérpretes, brilharam na noite e ganharam o acompanhamento da plateia, que, atenta, formou um coro afinado da tribo "kooraxiana": "Fadas" (Luiz Melodia), "Magrelinha" (Luiz Melodia), "Pérola negra" (Luiz Melodia), "Cara a cara" (Luiz Melodia / Renato Piau), "Estácio, holly Estácio" (Luiz Melodia) e "Juventude transviada" (Luiz Melodia) estão entre os clássicos recriados/reinventados pela dupla Piau/Koorax.
E por falar em clássicos, é possível recriá-los? É possível revisitá-los? É possível redesenhá-los? Pode-se mexer no sagrado? Piau e Ithamara mostraram que sim. Todavia, não é qualquer um que pode fazê-lo. Há que se ter talento, é claro!, e ousadia, qualidades que não faltam à dupla. Com a segurança e a tranquilidade de quem domina seu ofício, ambos reconstruíram, por exemplo, canções como "Pérola negra" (sucesso de Gal em 1971 - "Gal a todo vapor"), "Estácio, holly Estácio" (imortalizada por Bethânia em 1972 - "Drama - anjo exterminado"), "Magrelinha" (consagrada por Zezé Motta em 1978 - "Zezé Motta")  e "Fadas" (sacramentada por Elza Soares em 2001 - "Do cóccix até o pescoço"), mas sem descaracterizá-las. Depois de Piau e Koorax, elas são as mesmas canções, e são outras. As gravações originais continuam intocáveis. O que a dupla fez foi eternizar - de maneira totalmente inovadora - mais uma interpretação dessas obras de arte de nosso cancioneiro. 
Em se tratando de pessoas genuinamente talentosas, vale o que nos disse o poeta Jorge de Lima: "Porquanto / como conhecer as coisas senão sendo-as"? Koorax e Piau "foram" as canções que interpretaram. Ou seja, eles incorporaram essas canções, viveram-nas, conheceram-nas profundamente. A isso, damos o nome de interpretação, o que, hoje, é raro, uma vez que o meio musical está dominado por pessoas fabricadas pelas gravadoras e incensadas pela mídia. Certa vez, em entrevista a um programa de TV, Fernanda Montenegro nos disse que "artista qualquer um pode ser; ator não é qualquer um que pode ser". Está aí uma verdade que  também cai como uma luva quando o assunto é música. 
E a dupla - "do barulho" - Piau-Koorax fechou o espetáculo com nada mais, nada menos que "Negro gato", canção de Getúlio Cortes e sucesso de um Roberto Carlos em início de carreira. Koorax e Piau incendiaram o palco e arrebataram a plateia com uma interpretação avassaladora. Comovente homenagem. Melodia é, de fato, um "Negro Gato" de arrepiar. Dono de uma obra nada menos que monumental, há mais de quarenta anos que esse músico refinado vem deixando "cravadas" na MPB canções de qualidade indiscutível. Muito obrigado, Renato Piau, Ithamara Koorax e Luiz Melodia. 

                                                                        Acervo de Fábio Brito 


PÉROLA NEGRA
(Luiz Melodia)
Tente passar pelo que estou passando 
Tente apagar este teu novo engano
Tente me amar, pois estou te amando
Baby, te amo, nem sei se te amo 

Tente usar a roupa que estou usando
Tente esquecer em que ano estamos
Arranje algum sangue, escreva n o pano: 
"Pérola negra, te amo, te amo"

Rasgue a camisa, enxugue meu pranto
Como prova de amor, mostre o teu novo canto
Escreve no quadro em palavras gigantes: 
"Pérola negra, te amo, te amo"

Tente entender tudo mais sobre o sexo
Peça meu livro, querendo, te empresto
Se inteire da coisa sem haver engano
Baby, te amo, nem sei se te amo 

ESTÁCIO, HOLLY ESTÁCIO
(Luiz Melodia) 

Se alguém quer matar-me de amor
Que me mate no Estácio
Bem no compasso
Bem junto ao passo
Do passista da escola de samba
Do Largo do Estácio

Estácio acalma o sentido dos erros que faço
Trago, não traço, faço, não caço
O amor da morena maldita domingo no espaço

Fico manso, amanso a dor
Holiday é um dia de paz
Solto o ódio, mato o amor
Holiday, eu já não penso mais

MAGRELINHA
(Luiz Melodia) 

O pôr do sol
Vai renovar, brilhar de novo o seu sorriso
E libertar
Da areia preta e do arco-íris cor de sangue
Cor de sangue, cor de sangue

O beijo meu
Vem com melado decorado, cor-de-rosa
O sonho seu 
Vem dos lugares mais distantes
Terras dos gigantes, super-homem
Supermosca, supercarioca, supereu, supereu

Deixa tudo em forma, é melhor não ser
Não tem mais perigo, digo, já nem sei
Ela está comigo, sonho, o sol, não sei 
O sol não adivinha, Baby é magrelinha

No coração do Brasil 

CUIDANDO DE VOCÊ 
(Luiz Melodia / Renato Piau) 

O seu amor estava escuro
Eu clareei, dei outro tom 
E enfeitei com rosas claras, raras 
Rara rima, ramo rumo 

Gente coisa é outra fina
Boas frutas, pães e vinhos
Seu olhar voa distante
Silenciando essa vontade em jazz, jazz, jazz

Desprenda seu corpo na minha vida
Dorme aqui comigo
Ó doçura, ó ternura, meu bibelô
Com o meu coração na mão dividindo emoção 

Agora sou o seu vigor
Eu lamparina, seu pavio
Tô com gás e tanto faz
Dorme aqui comigo, meu amor, meu bibelô 

E fica(r) numa boa
Meu perfil nessa leoa
E fica(r) numa boa
Meu perfil nessa leoa 

















5 comentários:

  1. Respostas
    1. Realmente, Fernando. Que "show"! Saímos de lá em êxtase. Beijos e obrigado pela visita ao "blog".

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  2. Meu querido amigo...só agora pude "por reparo" nas suas sempre bem traçadíssimas linhas.
    Tudo - inclusive as fotos- está EXCELENTE...adorei, também, a do precioso acervo (na verdade, tesouro musical) do Presidente do MIK. Tive a gostosa sensação de estar, ou ou de ressentir os prazeres daquela apresentação memorável ...ainda mais na sempre agradabilíssima companhia de vocês.

    Como o seu recado está perfeitamente bem dadíssimo, só resta parabenizá-lo , não sem antes destacar algumas pérolas fabianas: a] "Unidos pela ousadia e pela genialidade, esses dois "músicos" extremamente talentosos estão entre os maiores nomes já surgidos na música.
    b] Ithamara é, há anos, uma das cantoras brasileiras mais prestigiadas e respeitadas no mundo, além, é claro, de ser uma das vozes mais perfeitas que já ouvimos. Seu "gogó de ouro", como preconizou sua madrinha musical, a "divina" Elizeth Cardoso (...) . Afirmo: Por estas e muitas outras mais, ela é a nossa diva ITHAmáxima.
    c]O grande poeta Manoel de Barros disse - com o aval de todos nós - que a guitarra de Piau "pode até nomear relâmpagos". Dizer mais o que a respeito desse moço?

    Adorei, também: d]"O coro afinado da tribo "kooraxiana". Acertou na mosca: somos a "triboITHA" ou
    a "ITHAtribo" ​rs.

    AQUI, o "the best", citando o Jorge de Lima:e] "Porquanto / como conhecer as coisas senão sendo-as"? Koorax e Piau "foram" as canções que interpretaram. Sagacíssimo, SENSIBILÍSSIMO e justíssimo!


    Com o ultimo parágrafo você fecha ( ou melhor: lacra! rs) a excelente crónica, com galhardia e/ou rutilância habituais. Ato contínuo, como você fez barba, cabelo , bigode e bainha rs...nada a acrescentar ou excluir. SÓ RESTA APLAUDIR E DIZER: Bravo! querido e talentoso mestre . Continuo - ainda mais - seu admirador convicto.

    P.S. Penso que houve um ato falho rs, aqui: "As gravações originais continuam intocáveis". ENTENDI COMO IRRETOCÁVEIS. Será que seu inconsciente boicotou e fez com que você imaginasse que, agora, com estas interpretações-assinaturas e/ou fenomenais/kooraxianas"...as anteriores ficarão intocáveis???Brincadeirinha boba, claro! BEIJÃO.

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  3. Ficou meio perdido no texto e repito, então: Afirmo: Por estas e muitas outras mais, ela é a nossa diva ITHAmáxima.Bjs

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    1. Querido Marcos, como sempre, você, meu amigo, é insuperável em seus textos/"pitacos". O deste "post" é mais um que me deixa muito envaidecido (tenho de confessar). Comecemos, pois, pelo comentário sobre as fotos: pois é, bateu uma vontade de publicar não só fotos do "show"/espetáculo divino, mas também de incluir uma do acerto, ou melhor, de parte do acervo, uma vez que há mais (duplicatas, participações especiais, além de cartazes...). E não é que somos da "tribo kooraxiana"? E com apitos, atabaques, violões, guitarras, pandeiros, baterias e por aí... É preciso dar visibilidade - e muita! - ao belo, ao soberano. Ah, é incrível como Ithamara (Itha"máxima", Itha"maravilhosa") consegue recriar (não me lembro de outro verbo) canções. Vejamos as gravações originais das músicas do espetáculo, que deram origem ao "irretocáveis/intocáveis": sabemos, claro!, que ela ouviu (conhece bem) essas gravações, mas não repetiu nada. Não é raro isso? Hoje, meu amigo, o que mais encontramos por aí é "cantor de karaokê". Um brinde à GRANDE MÚSICA SEM FRONTEIRAS, que é o que IthaMÁXIMA faz. Beijos, meu amigo. Muito obrigado.

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