sexta-feira, 8 de julho de 2011

PERNOSTICIZAR



CALUDA, TAMBORINS!
Mário Lago
Caluda, tamborins, caluda!
Um biltre meu amor arrebatou.
No paroxismo da paixão ignota
Supu-la um querubim, não era assim.
Caluda, tamborins, caluda...
Soai plangentemente, ai de mim.
Vimo-nos num ror de gente
E, sub-repticiamente,
O olhar seu me dardejou.
Cáspite, por suas nédias madeixas
Que suaves endechas
Em pré-delíquio o pobre peito meu trinou.
Fomo-nos de plaga em plaga,
Pedi-lhe a mão catita,
Em ais de êxtase m'a deu.
E o dealbar de um amor
Em sua pulcra mirada resplandeceu, olarila!
Férula, ignara sorte
Solerte a garra adunca
Em minha vida estendeu!
Trêfaga ia a minha natércia,
Surge o biltre do demo,
Rendida à sua parlanda, ela se escafedeu.
Vórtice no imo trago.
São gritos avernais
Que no atro ódio exclamei.
Falena sou, desalada...
Ó numes ouvi-me: aqui del-rey!


MESTRE AURÉLIO ENTRE AS PALAVRAS
Ora, resolvi enriquecer o meu vocabulário e adquiri o livro Enriqueça o seu vocabulário que o sábio Professor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira fez, reunindo o material usado em sua página de Seleções.
Afinal de contas nós, da imprensa, vivemos de palavras; elas são nossa matéria-prima e nossa ferramenta; pode até acontecer (pensei eu) que, usando muitas palavras novas e bonitas em minhas crônicas, elas sejam mais bem pagas.
Confesso que não li o livro em ordem alfabética; fui catando aqui e ali o que achava mais bonito, e tomando nota. Aprendi, por exemplo, que a calhandra grinfa ou trissa, o pato gracita, o cisne arensa, o camelo blatera, a raposa regouga, o pavão pupila, a rola turturina e a cegonha glotera.
Tive algumas desilusões, confesso; sempre pensei que trintanário fosse um sujeito muito importante, talvez da corte papal, e mestre Aurélio afirma que é apenas o criado que vai ao lado do cocheiro na boléia do carro, e que abre a portinhola, faz recados, etc. enfim, o que nos tempos modernos, em Pernambuco, se chama calunga de caminhão. E sicofanta, que eu julgava um alto sacerdote, é apenas um velhaco. Cuidado, portanto, com os trintanários sicofantas!
Aprendi, ainda, que Anchieta era um mistagogo e não um arúspice, que os pêlos de dentro do nariz são vibrissas, e que diuturno não é o contrário de noturno nem o mesmo que diário ou diurno, é o que dura ou vive muito.
Latíbulo, gigajoga, julavento, gândara, drogomano, algeroz... tudo são palavras excelentes que alguns de meus leitores talvez não conheçam, e cujo sentido eu poderia lhes explicar, agora que li o livro; mas vejo que assim acabo roubando a freguesia de mestre Aurélio, que poderia revidar com zagalotes, ablegando-me de sua estima e bolçando-me contumélias pela minha alicantina de insipiente.
Até outro dia, minhas flores.

BRAGA, Rubem. 200 crônicas escolhidas. 19 ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.

2 comentários:

  1. Uma aula de literatura para quem de sede bebe as palavras, as frases e o sentido do texto. Bem que podia ser um teste de exame.
    Abraço.

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