Voz: Natália Correia
“A defesa do poeta", Vinicius / Amália, Biscoito Fino, BF 943, Rio de Janeiro, 2009.
A DEFESA DO POETA
Natália Correia
Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto
Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim
Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei
Senhores professores que puseste
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além
Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs na ordem ?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?
que medo vos pôs na ordem ?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.
TESTAMENTO
O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros - perdi-os...
Tive amores - esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros - perdi-os...
Tive amores - esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado
Foram terras que inventei.
Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
Criou-me desde eu menino,
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!
BANDEIRA, Manuel. Lira dos cinquent’anos.
Fábio, tem um talento enorme para construir post's incríveis.
ResponderExcluirNão conhecia "A Defesa do Poeta" e sua autora, Natália Correia. Mas, adorei; inclusive com a narração de Amália Rodrigues, que, também, não conheço. - rs
E Manuel Bandeira, Testamento, é lindo.
Abração, amigo.
P.s.:Faltou um pedacinho da transcrição do poema.
"sem que ele cante minha defesa
Sou uma impudência a mesa posta "
Entre estes versos.
Oi meu caro amigo Fábio, tenho andado em férias e agora atacado de uma perguicite aguda, mas queria esclarecer esse seu amigo Rodrigo Davel que esta é a voz indelével de Natália Correia e não de Amália Rodrigues que nunca declamou, cantava o fado como ninguém jamais cantou.
ResponderExcluirUm GRANDE ABRAÇO.
Amigos desculpem, não é minha intenção contraria-los mas estas são as vozes inconfundíveis de Amália e Natália Correia:
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=6aTgCUIEf6w
Embora tenha sido gravado em casa de Amália, aquela declamação e o poema é de Natália Correia.
Abraços.
Obrigado pela visita, amigos.
ResponderExcluirAbraços, Fábio