quinta-feira, 21 de julho de 2011

POETAS



Voz: Natália Correia
“A defesa do poeta", Vinicius / Amália, Biscoito Fino, BF 943, Rio de Janeiro, 2009.

A DEFESA DO POETA
Natália Correia
Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto
Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim
Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei
Senhores professores que puseste
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além
Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs na ordem ?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.


TESTAMENTO

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros - perdi-os...
Tive amores - esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.

Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado
Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

Criou-me desde eu menino,
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!
BANDEIRA, Manuel. Lira dos cinquent’anos.


4 comentários:

  1. Fábio, tem um talento enorme para construir post's incríveis.
    Não conhecia "A Defesa do Poeta" e sua autora, Natália Correia. Mas, adorei; inclusive com a narração de Amália Rodrigues, que, também, não conheço. - rs
    E Manuel Bandeira, Testamento, é lindo.

    Abração, amigo.

    P.s.:Faltou um pedacinho da transcrição do poema.
    "sem que ele cante minha defesa
    Sou uma impudência a mesa posta "

    Entre estes versos.

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  2. Oi meu caro amigo Fábio, tenho andado em férias e agora atacado de uma perguicite aguda, mas queria esclarecer esse seu amigo Rodrigo Davel que esta é a voz indelével de Natália Correia e não de Amália Rodrigues que nunca declamou, cantava o fado como ninguém jamais cantou.
    Um GRANDE ABRAÇO.

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  3. Amigos desculpem, não é minha intenção contraria-los mas estas são as vozes inconfundíveis de Amália e Natália Correia:
    http://www.youtube.com/watch?v=6aTgCUIEf6w
    Embora tenha sido gravado em casa de Amália, aquela declamação e o poema é de Natália Correia.
    Abraços.

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  4. Obrigado pela visita, amigos.
    Abraços, Fábio

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