quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

NÃO É POR FALTA DE DINHEIRO




NEGUINHO
Caetano Veloso

Neguinho não lê, neguinho não vê, não crê, pra quê?
Neguinho nem quer saber
O que afinal define a vida de neguinho

Neguinho compra o jornal, neguinho fura o sinal
Nem bem nem mal, prazer
Votou, chorou, gozou: o que importa, neguinho?

Rei, rei, neguinho rei
Sim, sei: neguinho
Rei, rei, neguinho é rei
Sei não, neguinho

Se o nego acha que é difícil, fácil, tocar bem esse país
Só pensa em se dar bem - neguinho também se acha
Neguinho compra 3 TVs de plasma, um carro GPS e acha que é feliz
Neguinho também só quer saber de filme em shopping

Rei, rei, neguinho rei
Sim, sei: neguinho
Rei, rei, neguinho é rei
Sei não, neguinho

Se o mar do Rio tá gelado
Só se vê neguinho entrar e sair correndo azul
Já na Bahia nego fica den'dum útero
Neguinho vai pra Europa, States, Disney e volta cheio de si
Neguinho cata lixo no Jardim Gramacho

Neguinho quer justiça e harmonia para se possível todo mundo
Mas a neurose de neguinho vem e estraga tudo
Nego abre banco, igreja, sauna, escola
Nego abre os braços e a voz
Talvez seja sua vez:
Neguinho que eu falo é nós

Rei, rei, neguinho rei
Sim, sei: neguinho
Rei, rei, neguinho é rei
Sei não, neguinho


Ref.: “Neguinho”, Gal Costa, Recanto, Universal, 60252772413, Rio de Janeiro, 2011.

NÃO É POR FALTA DE DINHEIRO*
Por Fábio Brito


            Volto com uma velha cantilena: ninguém lê. As estatísticas que estão aí não me deixam mentir. Somos um país de pouquíssimos leitores etc. e tal. Todo o mundo está careca de ouvir isso. Não vou ficar, aqui, expondo e repetindo números e mais números colhidos, certamente, dessas estatísticas às quais me refiro. O que pretendo é tentar, “quixotescamente’, encontrar um porquê para o fato – estarrecedor, a meu ver - de as pessoas não lerem, inclusive professores. Já sei que não faltará uma ‘galera’ para dizer que “lá vem mais bronca”. E vem mesmo! São canhões e projéteis, pessoal! Gosto de artilharia pesada.  
            Para início de conversa, ninguém mais vai ‘me’ dizer que não lê porque livro é caro. Eis a primeira e grande desculpa que todos tiram do bolso. Livro é caro mesmo! Consumir cultura não é barato neste país de meu Deus. Tudo bem, livro é caro. Entretanto, se o motivo pelo qual as pessoas não leem fosse o preço do livro, é evidente que, como diz, em outras palavras, Ana Maria Machado, as bibliotecas públicas estariam apinhadas de gente pegando livros e mais livros emprestados. Não vejo isso. Alguém, por acaso, vê? Os que lá aparecem vão em busca de obras para suas "pesquisas de escola". Se é que se pode chamar de “pesquisa” a mera cópia de trechos - que o professor não vai ler mesmo! – que, por sinal, serão muito mal amarrados depois. Até mesmo muitas dissertações de mestrado não fogem ao esquema, com um pouco mais de requinte, do “copia e cola”. Alguém duvida? Não ponho minha mão em qualquer ‘chaminha’ de fósforo.
            E o pior é que não só as bibliotecas públicas padecem desse mal. Muitas outras também. Há alunos que nem sequer têm “ficha” nesse espaço que, para mim, é o mais importante em qualquer escola. Assim como nas públicas, os alunos que por lá costumam aparecer ‘o’ fazem apenas para cumprir alguma atividade solicitada pelo professor. Os livros pesquisados são, quase sempre, os que dizem respeito somente à pesquisa. São bem específicos. Livros de literatura, que serão lidos por fruição mesmo? Nem pensar! Que pena! E são exatamente esses livros os que permitem as “reapropriações múltiplas”, como dizem especialistas. Ou seja, cada leitor irá "se apropriar" das obras de acordo com sua capacidade de abstração e outras questões. Referindo-me novamente à escritora Ana Maria Machado, podemos afirmar que, por meio dessas obras, a imaginação é alimentada com signos. No entanto, infelizmente, há muitos subnutridos por aí: de alunos a professores, passando por pais, diretores de escolas, orientadores, supervisores e... a lista é infinda.
            Caímos, agora, em um campo minado: se pais e professores, principalmente, não leem, as chances de formarmos leitores são mínimas. Poucos desconfiam da responsabilidade imensa de pais e professores na transmissão do gosto, da paixão, do amor pelos livros. Eu já disse inúmeras vezes, e não me canso de repetir, que, em casa ou em escola onde a leitura não é vista como prática prazerosa e enriquecedora, é quase impossível que se formem leitores. É o tal do exemplo. Não há como escapar. Professor apaixonado por livros – e que expõe isso sem falsidades e fingimentos – formará discípulos. Não duvido disso.  
             Sei que somos um país de 'tradição escravocrata' e que, também por isso, a leitura é algo cuja conquista se deu, em 'termos históricos', há bem pouco tempo. Entretanto, não podemos ficar amarrados a isso. Precisamos, sim, ser o exemplo, mas o bom exemplo, para essa geração que estamos formando e a que nossos discípulos formarão. Por mais panfletário que possa parecer, só formando bons leitores – e isso se dá via livro literário – conseguiremos preparar cidadãos capazes de fugir aos oportunistas de plantão, às seitas de domínio e aos políticos inescrupulosos.            

* Crônica baseada no texto A importância da leitura (In MACHADO, Ana Maria. Silenciosa algazarra: reflexões sobre livros e práticas de leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.)

5 comentários:

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  2. Eu sou prova viva disso. Minha mãe, vó e tia são leitoras assíduas, e por consequência eu também. Desde criança, quando via os livros de mamãe tão acessíveis, prontos para o meu ataque, não podia resistir. É claro que comecei fingindo, não sabia ler coisíssima nenhuma, eu desenhava bonecos em todas as folhas "brancas". Até que mamãe começou a comprar coleções infantis para mim, aí sim,ficou cada um no seu quadrado. A infância é melhor momento para se inserir o hábito da leitura, porque é quando a imaginação está no ponto alfa e a prática se torna prazerosa e tem mais chances de ter continuidade.

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  3. É isso aí, Gabriela. Viu o que o exemplo faz/fez? Por que, hoje, você é uma excelente aluna? Porque, antes, é (sempre foi) uma excelente leitora. Acerca dos textos literários, por que muitos alunos chegam ao curso de Letras e ficam assustados? Porque tiveram pouco (ou nenhum) contato com esse tipo de texto. No mais, obrigado pela visita. Um beijo, Fábio

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  4. Eu sei bem a falta que faz o incentivo à leitura e, posteriormente, a leitura de bons livros, boas obras literárias. Ainda bem que - antes tarde do que nunca - descobri a tempo o prazer da leitura e a magnitude da literatura. Agradeço, inclusive, a você, meu amigo!

    Adorei a crônica! Abração,

    Rodrigo Davel

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    1. Sei de seu comprometimento com a leitura, meu amigo. Tenho certeza de que você formará - já está formando - discípulos. Abração,

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