domingo, 19 de fevereiro de 2012

"ATÉ TROCAREM TIROS"


                 
          
O CASAMENTO DOS PEQUENOS BURGUESES
Chico Buarque - 1977-1978
Para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarque
 
Ele faz o noivo correto
Ela faz que quase desmaia
Vão viver sob o mesmo teto
Até que a casa caia
Até que a casa caia

Ele é o empregado discreto
Ela engoma o seu colarinho
Vão viver sob o mesmo teto
Até explodir o ninho
Até explodir o ninho

Ele faz o macho irrequieto
Ela faz crianças de monte
Vão viver sob o mesmo teto
Até secar a fonte
Até secar a fonte

Ele é o funcionário completo
Ela aprende a fazer suspiros
Vão viver sob o mesmo teto
Até trocarem tiros
Até trocarem tiros

Ele tem um caso secreto
Ela diz que não sai dos trilhos
Vão viver sob o mesmo teto
Até casarem os filhos
Até casarem os filhos

Ele fala de cianureto
Ela sonha com formicida
Vão viver sob o mesmo teto
Até que alguém decida
Até que alguém decida

Ele tem um velho projeto
Ela tem um monte de estrias
Vão viver sob o mesmo teto
Até o fim dos dias
Até o fim dos dias

Ele às vezes cede um afeto
Ela só se despe no escuro
Vão viver sob o mesmo teto
Até um breve futuro
Até um breve futuro

Ela esquenta a papa do neto
Ele quase que fez fortuna
Vão viver sob o mesmo teto
Até que a morte os una
Até que a morte os una

 

1977 © Marola Edições Musicais
Todos os direitos reservados. Copyright Internacional Assegurado. Impresso no Brasil

 http://www.chicobuarque.com.br/construcao/index.html

             
   
"ATÉ TROCAREM TIROS"
Por Fábio Brito

Para mim, essa história de que “os opostos se atraem” é pura balela. Desconfio - e faz muito tempo! - de que os "os que têm afinidades" é que se atraem. O pior não é eu desconfiar da "lei" da atração dos opostos, mas ir de encontro ao que muitos pregam há “zil” anos. Dizer que "os opostos se atraem" é o que mais ouvimos por aí. Ninguém contesta isso, não é mesmo? No entanto, vou cometer uma ousadia... e das "grandes": quem vai negar que, numa relação amorosa, as afinidades são essenciais? De que forma vamos juntando amigos vida afora? Se não for por causa das afinidades, estou mais que redondamente enganado. No amor, não me parece diferente. Ou não? 
Sem querer “dar uma” de psicanalista”, posso até arriscar o seguinte: se os tais opostos se atraíssem mesmo, ambos cresceriam na relação. Não é o que vejo. O que tenho observado por aí - e "aos montes"! - nas tais relações em que os "opostos se atraem" (ai, que chatice!) e 'se' juntam é que, nesse caso, um acaba reforçando o pior lado do outro. E aí? Aí é tiro 'pra' todo lado. E haja munição! Portanto, não há como fugir: são as afinidades intelectuais que seguram qualquer relação. Não o sexo, como pensam muitos. Pior: confundem sexo com amor ou com "sei lá o quê".
Vou tentar ir mais longe: na maioria das tais "relações amorosas", não vejo esse tal de amor, sabia? A esta altura da vida, estou desconfiando (pura maldade minha!) de que amor, para mim, é de mãe, de pai, de amigo, de irmão. Quando há a ditadura do sexo, ou a da libido, desconfio da existência do que chamam amor. As pessoas se atraem, sim, mas, na maioria das vezes, não vejo quaisquer “atrações intelectuais”. Sentem-se atraídas por um “palminho” de cara bonita e pronto. Ou por um "corpinho" atraente. 
Por causa dessa "atração", resolvem, então, dividir tudo. Começam pela casa. Fico até imaginando os "opostos dividindo um mesmo espaço": um tenta ouvir seu Dizzy Gillespie ou sua Callas; o outro, seu "pancadão". Um quer, em paz, ler seus livros ou assistir a seu Fellini, a seu Bergman; o outro odeia ler e é fã das 'xaropadas' 'hollywoodianas' que, aos montes e 'pirateadas', chegam ao lar recém-construído. Jesus! Imaginem o tiroteio. Sejamos sinceros: alguém aguenta tanta diferença?! Algum "amor" suporta tanta diferença?!
O fogo, que "batizam" de amor, até que dura um tempo. Depois, as "redes sociais" - para ser bem contemporâneo! - incumbem-se de dar fim à bela história de amor: aparecem outras carinhas bonitas e outros corpinhos atraentes. Oh! Vem mais "amor" por aí. Antes, porém, da tal relação ser minada pelas redes sociais (estamos no século XXI!), o casal faz um pacto de "dedicação exclusiva" (Oh!!!). Assim, ambos dão adeus aos amigos e aos parentes. Só vale o "amor". É preciso evitar interferências ruins, maléficas, que só querem "pôr fim à perfeita relação". É preciso afastar as pessoas que só querem destruir o "amor". O "esse-povo-se-mete-muito-em-nossa-vida" é a pura verdade.
Pois é, mas, como 'nos' diz Marina Colasanti, "dedicar-se à relação é importante, dizem todos. E é verdade. Mas qualquer um de nós tem inúmeras relações, de amizade, vizinhança, sociais, e anda me parecendo que concentrar toda a dedicação na relação amorosa pode custar o empobrecimento das outras"¹. É ou não é?!  Pois é, depois que o amor acaba, é quase certa a debandada dos amigos.  Ninguém vai ficar esperando que os "pombinhos" cheguem à constatação de que o "amor tão perfeito" não era tão perfeito como parecia. Era, ao contrário, uma "baita" mentira. 
Há também outro lado dessa história de as pessoas "caçarem" seus amores a qualquer custo. Têm medo do desamparo (leia-se "solidão"), bastante reforçado pela pressão social. Medo é pouco. Elas têm paúra, pavor, pânico. Ficam desesperadas quando pensam que "podem passar o resto de seus dias sozinhas". 'Ninguém pode ficar sozinho' é a regra e pronto! Coitado de quem ficar solteiro! Em uma sociedade que hierarquiza as pessoas considerando apenas o fato de elas estarem sozinhas ou não, ficar solteiro é um mal incurável. Não é difícil imaginar que, em decorrência dessa pressão, muita gente sai por aí "catando o que aparece", ou, pior ainda, morando com o que aparece. Escolheu a  esmo? É só esperar. Aguente firme, irmão, até que a polícia chegue. É, camarada, foi difícil à beça o "até que a morte os separe", não foi? A morte, como bem disse minha avó, demorou muito 'pra' chegar. Enquanto há tempo, pule fora e vá procurar seus amigos. Espero que eles ainda estejam à sua espera. Torçamos...

¹ "É tempo de pós-amor" (In COLASANTI, Marina. Eu sei, mas não devia. Rio de Janeiro, Rocco, 1996). Em 1986, esse texto foi publicado na revista Manchete.

           CATAVENTO E GIRASSOL
           Guinga - Aldir Blanc

           Meu catavento tem dentro o que há do lado de fora do teu girassol.
           Entre o escancaro e o contido, eu te pedi sustenido e você riu bemol.
           Você só pensa no espaço, eu exigi duração... Eu sou um gato de subúrbio, você é literorânea.           
           Quando respeito os sinais, vejo você de patins vindo na contramão
           mas quando ataco de macho, você se faz de capacho e não quer confusão.
           Nenhum dos dois se entrega. Nós não ouvimos ocnselho: eu sou você que se vai
           no sumidouro do espelho. Eu sou do Engenho de Dentro e você vive no vento do Arpoador.
           Eu tenho um jeito arredio e você é expansiva - o inseto e a flor.
           Um torce pra Mia Farrow, o outro é Woody Allen...
           Quando assovio uma seresta você dança havaiana.
           Eu vou de tênis e jeans, encontro você demais - scarpin, soirée. Quando o pau quebra na
           esquina, você ataca de fina e me ofende em inglês: é fuck you, bate-bronha...
           e ninguém mete o bedelho, você sou eu que me vou no sumidouro do espelho.
           A paz é feita num motel de alma lavada e passada pra descobrir logo depois que
           não serviu pra nada. Nos dias de carnaval aumentam os desenganos:
           você vai pra Parati e eu pro Cacique de Ramos.
           Meu catavento tem dentro o vento escancarado do Arpoador. Teu girassol tem de fora
           o escondido do Engenho de Dentro da flor. Eu sinto muita saudade, você é contemporânea,
           eu penso em tudo quanto faço, você é tão espontânea.
           Sei que um depende do outro só pra ser diferente, pra se completar.
           Sei que um se afasta do outro, no sufoco, somente pra se aproximar.
           Cê tem um jeito verde de ser e eu sou meio vermelho
           mas os dois juntos se vão no sumidouro do espelho.
 
           Fonte (CD): "Catavento e girassol", Leila Pinheiro, Catavento e girassol, EMI, 853167 2, 1996.

13 comentários:

  1. Sabe que não me arrisco classificar nada de amor verdadeiro até que acabe: se acabar, provavelmente, não era o tal amor verdadeiro; mas, mesmo assim, pode-se dizer que talvez tenha sido: é necessário sensatez para distinguir - sim, por que acredito que um amor pode ser verdadeiro e não ser eterno. Mas, meu amigo, em tempos que "uma linda menina" que passa pela esquina pode nos matar - por ser uma "delícia, delícia" - até do amor mãe é de se desconfiar!

    Abração, meu amigo,

    Rodrigo Davel

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    1. Rodrigo, meu amigo, valeu! É isso mesmo! O intuito é "polemizar" mesmo. E continuo desconfiando muito desse "tal de amor".
      Abração,

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  2. Credo!!! Até sei para quem foi a indireta... ou melhor a direta... Não sumi, não!!! só tô estudando pro mestrado e trabalhando feito um louco... Segunda tô aí!!! Te amo assim mesmo... mesmo com o puxão de orelha. Bjos!

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    1. As crônicas também nascem de assuntos que me incomodam...
      Segunda, não estarei aqui.
      Até...

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  3. Sobre a questão dos opostos se atrairem... li que somos energia e não matéria. O conceito parece que (cientificamente) faz muito mais sentido. E sendo assim... energia boa atrae energia boa.

    Parabéns pelo lindo post!

    Rondi

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    1. É... mas há muita gente por aí que parece ser só matéria. Jesus!
      Obrigado, amigo.
      Bjs,

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  4. Adoro ler as suas tecituras... sempre sorrio no decorrer e no final dos seus textos, isso é bom...
    Na Filosofia é inaceitável e provado pela lei do devir que os opostos não podem se atrair e se se atraem não podem se completar... há física nisso viu cronista/poeta? e a própria física tem se encarregado de provar que esse dogma popular "dos opostos que se atraem e se completam" é (pelo menos para começar) uma "inverdade"... há um jogo de interesses, de pactos, de mentiras, de aparências, de contratos, de obrigações e da ausência do amor... por isso meus amigos (pouquíssimos) sempre estão em primeiro lugar...
    Quanto à parte de ser solteiro, só... falar de solidão na era do "faz-facebook" e dos amores prontos pode dar apedrejamento em praça pública viu? e sorrio de novo... ...
    Nunca tive problema com isso e sabemos que há uma enorme diferença entre ser SÓ, SOZINHO e a SOLIDÃO...
    Forte abraço!!!
    Hércules Campos

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    1. Maravilha, Hércules! Adorei seu comentário mais que sensato. Amor?! "Jogo de interesses, de pactos, de mentiras, de aparências...", como você mesmo disse. E disse tudo! Para evitar a "sozinhez", há muita gente por aí 'catando qualquer negócio'. Cruzes! Deus me livre!Muitíssimo obrigado. Abração,

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  5. Como me torno um seguidor do seu blog... sou um fracasso nisso!!! É simples??????????
    Abraço!!
    Hércules Campos

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    1. Meu amigo, você falou com outro "fracasso" nisso. Também já tentei ser seguidor de outros "blogs" e... nada. Quando penso que consegui, não deu nada certo. Vamos fazer o seguinte: Socorro, Rodrigo Davel ou Rondinelli Desteffani! Ajudem nosso amigo Hércules, por favor.

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    2. Hércules, faz bem pouco tempo que Davel mexeu neste "treco" aqui e fez aparecer o nome do "blog" no espaço "Responder como: Dconcovimeproncovô (Google)". É mole? Nem isso eu sabia! Eu respondia como "anônimo". Jesus! Ah, quem criou o 'blog' para mim foi o Rondi Desteffani. Depois, "pelejando, pelejando", fui tendo alguns avanços. Estou indo... Abração,

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  6. Fábio, querido,

    Não sei por onde começar. Muita emoção, muitas lembranças e muita coisa linda e bem feita, de verdade, de uma só vez.
    Há letras e poemas nestas suas postagens que são dos meus preferidos: Catavento e Girassol, Meu Guri, O casamento dos pequenos burgueses e, só de ler o nome de Cora Coralina, meu coração bate mais forte. Enquanto não "Trocarem outros tiros", me divirto e me emociono por aqui.
    Meu beijo,
    Graça

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    1. Graça, minha queridíssima amiga, fico numa felicidade imensa em saber que temos muiiiitas afinidades. Por isso também que me identifico tanto com o "poesiaeprosapopeia", que é mais que lindo: é belíssimo. Obrigado, minha amiga. Sua "passagem" por aqui é um luxo. "É luxo só", como diria Ary Barroso. Um beijo imenso.

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