segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

MAIS SOBRE O 'FURACÃO'



ME DEIXAS LOUCA (Me vuelves loco) (Armando Manzanero / versão: Paulo Coelho), que está na trilha da novela BRILHANTE (1981), é a última gravação de Elis.

"Eu gosto, não sei explicar por que gosto. Gosto de bolero pra burro. (...) Acho que, honestamente, não há um brasileiro que possa dizer que pelo menos uns dois ou três grandes momentos de sua vida não foram embalados por um bolero!", Elis Regina
("Os grandes da MPB", Edições Del Prado S.A., 1996) 

"Pode cantar chorando, mas tem que chorar afinado!", Elis Regina

ESSA VOZ
Milton Nascimento - Fernando Brant

Não se apaga, não se cala essa voz
não se esquece, permanece essa voz
voando livre no espaço essa voz
eterno canto de esperança essa voz
ela é humana e é divina essa voz
nossa amiga não parou de cantar
ela é a voz
de todos nós

Não se apaga, não se cala a mulher
o seu sorriso, o seu sonho, a fé
sua coragem, sua enorme paixão
a vida inteira lapidando a canção 
canção de vida e amor vai ficar
com as pessoas que não param de ouvir 
a sua voz, a voz
que é a voz
de todos nós 
Fonte  (LP): "Essa voz", Milton Nascimento, Anima, ARIOLA, 201909, 1982.


SAMBA PRA ELIS
Joyce / Paulo César Pinheiro

Clarão
luar
vulcão
no vesgo do seu olhar
quem vê
não diz
quem é
Elis,
 essa mulher.

Mourão
pilar
brasão
da música popular
quem viu
bendiz
a voz
 de Elis,
essa mulher

É uma garganta que Deus fez
e quando ouviu, não quis nem copiar
raio de luz que passa uma só vez
mas que deixa um sagrado som no ar
não tem mais nem pra nós nem pra vocês
esa voz que o Brasil amou demais
feito estrela voltou pro céu talvez
ou foi cantar pros Orixás

Fonte (CD): "Astrnauta: canções de Elis", Joyce, Pau Brasil, 1998.
 
             

A DESCOBERTA DA RAPIDEZ*
Aldir Blanc

O verão nos trouxe um livro que saiu do frio, "A Descoberta da Lentidão", de Sten Nadolny, sobre a vida do navegador inglês John Franklin. Desde menino, fascinado por navios e pelo mar, Franklin pretendeu estancar, ou pelo menos atenuar, a passagem do tempo, numa espécie de defesa contra o acaso e a força devastadora dos acontecimentos.
Elis Regina tentou o processo inverso e pisou fundo no acelerador. Ao invés de parar, correr. Jamais retardar o fluxo dos instantes, mas ultrapassá-lo.
Talvez essas duas ansiedades, aparentemente opostas, tenham a mesma origem. E na origem da tragédia de cada um, está sempre a tragédia das origens: o frio, as necessidades enregelantes, a paralisia do que é entendido, erroneamente, como educação.
Das ilustrações da morte, costumamos recordar a figura envolta em mortalha, segurando a foice, e esquecemos, para nossa própria proteção, que ela também carrega a ampulheta implacável. Se a foice pode vacilar, até mesmo errar o golpe, a ampulheta jamais se detém - o tempo conhece tudo, menos a piedade. As duas crianças tiveram experiências semelhantes: o tempo escoando-se através das aulas de latim, da "enérgica" apatia familiar, da escola pantanosa, da cidade sem sentimentos...
Uma frase do livro: quem não aprendeu a crueldade deve pelo menos se tornar atrevido. Cada um tentou a seu modo. Em sua primeira apresentação em programas infantis, Elis Regina chegou a ousar a fórmula do navegador - e calou-se. Depois, intuindo que à velocidade da luz também viramos luz, resolveu correr - e nunca mais nada a deteve. Família, convenções, contratos, ideologias, preconceitos, falsos profetas, o amor, o sucesso - nunca mais ninguém a deteve.
Elis escolheu a Paixão: o padecer constante, a pulsão permanente do desejo infinito pelo infinito. Esse caminho não tem volta, dirão os tolos. Nenhum caminho tem volta. O mito do eterno retorno é o nosso retornar sistemático à dor da impossibilidade de retornar. Quando o navegador percebeu isso, instalou a calmaria dentro de si. Elis, para recordar o título do belo livro de Regina Echeverria, preferiu o furacão - e todos nós sentimos sua passagem, seus braços ventando a partir de Arrastão, sua voz de forças primordiais e imensas em sua solidão.
Se pensarmos na história recente de nossa música, vemos um cenário de acordos: grupos paulistas, os de Minas, a organização das brigatti baianas sob a aparente descontração, aqueles que, depois, vieram do Norte, etc.
Elis é solidão monumental, libiríntica, vertiginosa, com a consciência absurda de que a saída, a única, é em direção ao sol e à queimadura. A dúvida de viver presente em cada instante, a vontade de poder, e a certeza da inutilidade do esforço alimentando a dúvida e a vontade. O ensaio interminável visando não à perfeição, mas ao momento sublime do passo em falso no arame. A vida sem redes. Agir impetuosametne para nos ensinar a pensar. Cortejar o fantasma da irreflexão para que melhor pudéssemos expulsá-lo. Essa generosidade - transtornada, mas belíssima - não foi compreendida pelos farsantes, pelos baleiros do circo onde Elis era a trapezista. É natural. Oscar Wilde nos ensinou que as relações sociais e o primeiro crítico apareceram quando aquele primata, à entrada da caverna, diante da fogueira, contou ao protótipo do otário como havia caçado um mamute... sem jamais ter pariticipado de uma caçada.
É bastante sintomático que toda "postura" (palavra desgraçada) rimbaudionisíaca da época tenha produzido prósperos comerciantes, enquanto a gauchinha cafona e aburguesada, sem o anteparo de modismos e filosofodices, seja, hoje, a luz mais pura que restou de tudo - para citar Drummond, outra chama, "o epítome-epílogo da grandeza".
Com jeitinho brasileiro, podemos carnavalizar a tragédia e perguntar: e aí, Morte palhaça, cadê a tua vitória? E o urubu sai voando, manso...
Ninguém está mais vivo que Elis Regina. Influência, exemplo, paradigma, deusa, musa. Seu legado humano e artístico é de tal ordem que a alegria de tê-la conhecido sobrepuja o luto.
Ainda conversamos muito. Contei pra Elis que Dan Quayle veio para a posse. Ouvi sua gargalhada estilhaçante. Leio pra ela todas as declarações sobre nossas elites:
- Olha essa, Elis...
- Brincadeira tua.
- Tá aqui, no jornal de hoje.
Risos.
Promessas de "mudanças" radicais nas gravadoras, hii, ela a-d-o-r-a.
Os queridos ouvintes podem (danem-se!) achar piegas, mas, quando eu estiver apagando, meus pensamentos serão pra ela:
- Oi, Estrela. Manera essa corrida louca porque eu sou um pobre e lento navegador indo ao teu encontro.
(...)

* Texto produzido para o encarte que acompanha a caixa WEA COLLECTION, lançada em 1990.


"Quando percebi quem era Elis, ela já estava na ativa há muito tempo. (...) Ela cantava com o Zimbo Trio e aconteceu do grupo estar fora, numa excursão, e no escalamento dos grupos da TV Record escalaram o Som 3 pra fazer o programa dela no lugar do Zimbo. (...) Ali tive que fazer arranjo do Upa, neguinho. Foi quando tive um contato um pouquinho maior com ela, de minutos no camarim. Sentei no piano - íamos fazer também Pra dizer adeus e Gente - e imediatamente senti que a barra era um pouco mais pesada, vi seu potencial. Até Edu Lobo falava sempre que muitas vezes ela dizia pro músico: 'Não é esse acorde'. E quando o sujeito mudava, ela então sossegava: 'Ah, é esse'. Como pode? Não sabia tocar instrumento nenhum. Essa musicalidade dela a fez virar um músico dentro do trio."
César Camargo Mariano, músico, arranjador.

"Realmente, Elis era gênio. Era impressionante. Por várias vezes ela gravava a voz junto com a base e ficava. O César fazia tudo depois, ela confiava nele. Gravava e ia embora para casa. E não errava nunca, era perfeita. Fico arrepiado de lembrar. Não era insegura profissionalmente."
Luigi Hofer, técnico de som.

"Perfeccionista ao extremo, era capaz de fazer quatro ou cinco takes da mesma música, com uma interpretação (maravilhosa) diferente para cada um, o que tornava a escolha do melhor take uma tarefa dificílima. (...)"
Armando Pittigliani, produtor musical.

"(..) Cantava com muita alma. Foi a maior cantora do Brasil de todos os tempos, na minha opinião."                                                               
Antonio Adolfo, violonista, compositor e produtor musical.

"Das artistas incríveis que eu conheci, tipo Elizeth, Maysa, Dalva... nunca houve uma mais completa que a Elis Regina."                                                                               
Jair Rodrigues, cantor.

"Ainda naquele início dela, em meio aos ensaios do show no Beco, ela disse que queria desistir de tudo e voltar para Porto Alegre. (...) Uma hora, botei as duas mãos no ombro dela, mirei bem nos seus olhos e disse: 'Você não quer ser a maior cantora do Brasil, não?' Deu três segundos de pausa, me olhou absolutamente vesga e respondeu: 'Eu não vou ser, não, eu sou a maior cantora do Brasil' (...)."                                                                         
Renato Sérgio, jornalista e diretor do primeiro show de Elis.

Depoimentos extraídos dos folhetos que acompanham as caixas "Elis 60" e "Elis 70" (Universal, 2012).


"(...) Elis foi a intérprete mais completa já surgida no cenário musical brasileiro. Ela cantava para fora (uma qualidade cada vez mais rara entre as introspectivas e desafinadas cantantes nacionais) e imprimia emoção a cada sílaba (...)."
                                                                                                   
Revista VEJA, 15 de FEV., 2012, p. 124.



4 comentários:

  1. Ufa!, nada tenho a acrescentar; nem necessário é. Aprendi, com gênios como Elis, que o melhor a se fazer em casos como o dela é admirar, agradecer a sorte de poder gozar de tanto talento.
    Conheço pouco de Elis, mas conheço o suficiente para concordar com tudo que dizem dela.

    Abração, Fábio.

    Rodrigo Davel

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    1. Elis é mesmo genial, Rodrigo. Ouço-a sempre...
      Abraços, amigo, e muito obrigado pelas visitas.

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  2. Tudo muito bom, justo, e muito bem, meu querido. Concordo com tudo e todos, evidentemente...mas este texto do Aldir Blanc é , espetacularmente, definitivo, se não estou exagerando.Justamente porque ela era perfeita, seu trabalho era (e ainda é e cada vez mais) , repito: irrepreensível, irretocável e inimitável. Única, inesquecível (ou inELISquecível?rs) e arrebatadora.Com 1,54 metro de altura, ela não era pequena. Na verdade, era concentrada, como os raros perfumes e os potentes venenos rs. Que voz!!! Não consigo usar Pimentinha para ela, pois reconheço-a como uma bela e frondosa pimenteira...aliás, uma plantação de "zilhões" de hectares de pimenta forte, cheirosa , picante e da melhor qualidade. .É que sou apaixonado por pimenta rs.Beijão.

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    1. Obrigado, amigo Marcos. Seus "pitacos" são maravilhosos. Elis "é" gigante! Ela está aí. Extraordinária cantora! Extraordinária intérprete! Era/é perfeita mesmo. Um beijo, amigo.

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