sábado, 11 de abril de 2015

IMPÁVIDA, INTRÉPIDA E GENIAL ELIS NA VISÃO DE MARIA



ATRÁS DA PORTA
Chico Buarque

Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei
Eu te estranhei
Me debrucei sobre teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
No teu peito (Nos teus pelos)*
Teu pijama
Nos teus pés
Ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho

Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
e me entregar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que inda sou tua
Só pra provar que inda sou tua...

* Verso original, vetado pela censura, entre parênteses.
  

IMPÁVIDA, INTRÉPIDA E GENIAL ELIS NA VISÃO DE MARIA
Por Fábio Brito

Com requintes de literariedade. Foi assim que Julio Maria, jornalista de O Estado de S. Paulo, conseguiu escrever a melhor biografia – ao lado de Um homem chamado Maria, de Joaquim Ferreira dos Santos – que já li nos últimos 10 anos: Elis Regina: nada será como antes, publicada pela Master Books e lançada dia 17 de março de 2015, dia em que Elis completaria 70 anos de vida. Ou melhor, dia em que ela completou 70 anos de vida e de uma vida muito intensa! Desconheço outro artista tão vivo quanto ela.
Para conhecer outros ângulos da trajetória de uma das melhores cantoras/intérpretes do mundo e de todos os tempos, roubei, nos últimos dias, boas horas de sono. Valeu a pena! Sempre vale a pena se a causa é nobre e a alma não é medíocre, não é mesmo? O que são algumas míseras horas de sono diante de um livro que nos prende, que nos paralisa e que nos deixa de olhos bem arregalados? Nada! Recupera-se o sono mais tarde.
Pois bem, logo de saída, somos surpreendidos com o fato de Maria começar pela despedida, ou seja, pelo fim. “Nada será como antes” é também o título de uma ‘introdução’ à obra, que narra – com alguns detalhes que, até então, desconhecíamos - os momentos finais de Elis. E é exatamente aí que nos vem à mente uma constatação aterradora: se ela tivesse sido socorrida um pouco antes, tudo não teria passado de um susto. Um grande susto, mas um susto. A própria médica que a atendeu no pronto-socorro sentiu que faltou pouco para trazer Elis de volta. Como dói ler isso...
Se a biografia traz uma Elis em variadas leituras, é porque o faz mostrando, além da cantora/intérprete excepcional que ela continua sendo, um ser humano que, como todos nós, tem lá suas certezas, suas dúvidas, suas inseguranças e suas muitas contradições. Elis sabia exatamente qual era o seu tamanho: nem mais... nem menos. Por causa disso, teve de encarar, é óbvio, muitos embates. Teve de brigar muito, esbravejar bastante e dizer a todo o mundo quem era ela. Num mundo em que impera o jogo “polianesco” do contente, não é fácil ser autêntico.
Por causa de sua impetuosidade, enfrentou encrencas das quais nem sempre conseguiu sair ilesa, como o episódio em que Maria narra sua participação nas Olimpíadas do Exército. Na imprensa internacional, resolveu chamar os militares que governavam o país de “gorilas”. Encrenca na certa! De volta ao Brasil, não só teve de dar explicações – e bem longas! - acerca do que havia declarado, como também precisou prestar alguns “serviços” para “limpar sua barra” com o povo da farda. Um desses “serviços’ foi cantar nas tais “Olimpíadas do Exército”. E lá vem pedrada! Depois de cantar, além do desdém de velhos companheiros e de muitos olhares enviesados, teve de suportar o “enterro” em cova funda no cemitério dos mortos-vivos de “O Pasquim”: Henfil não a deixaria escapar. Mais tarde, porém, com “O bêbado e a equilibrista”, elevada a hino da anistia e que Elis cantou como ninguém, a baixinha, de certa forma, pedia desculpas com roupa de gala. Quando Betinho, o tal do “irmão do Henfil” de que nos fala a letra, chegou do exílio, foi recepcionado, ainda no aeroporto, pela voz da Elis: alguém levara um gravador com a fita da canção. Comoção geral.
Há muitos outros episódios na biografia que mostram uma Elis brigona e vencendo as quedas de braço que tinha de enfrentar, independentemente do adversário. Fizesse a cara feia que quisesse fazer o tal adversário, ela o enfrentava sem pensar no que viria depois. Ainda em início de carreira, levando consigo os músicos do conjunto Copa Trio, surrupiados do Beco das Garrafas, Elis aceitou um convite para cantar no “1º Denti-Samba”, apresentação agenciada pela Faculdade de Odontologia da USP. Até aí tudo bem. Ao chegarem a São Paulo, os recepcionistas do hotel em que ficariam hospedados disseram que “não havia vagas” para Dom Um Romão e Dom Salvador, negros que integravam o grupo. Depois de palavrões e ameaças, como bem conta Maria, os quartos, como num passe de mágica, apareceram. Os recepcionistas, imediatamente, “deram um jeito” para o problema da ausência de vagas. O pó de pirlimpimpim de D. Elis Regina funcionou direitinho. Os dois excelentes músicos voaram tranquilos para seus quartos. Diante de uma injustiça, a baixinha virava um gigante. E põe gigante nisso!
A “Pimentinha” sabia arder e brigar não só contra injustiças cometidas com outras pessoas. Sabia, e como!, brigar também por seu reconhecimento. Assim, não aceitou, por exemplo, na 10ª edição do Fico (Festival Interno do Colégio Objetivo) abrir o ‘show’ de Ney Matogrosso. Ela sabia, como disse Maria, que ter atitude é também um dos caminhos para que conquistemos nosso valor. Como pouquíssimas pessoas no meio artístico, não tinha medo das gravadoras, das quais ela mesma censurava o “esquema feudal”, e de seus poderosos chefões. Porque sabia de sua importância e de seu peso, dava “de ombros” a ameaças, chantagens e outras “cositas mais”. “Era uma mercadoria” cara, dizia. Não tinha dúvidas quanto a seu valor e, portanto, protestava contra o que ela chamava de “grande equívoco da indústria” fonográfica, que acabava valorizando mais o disco do que o artista.  Quando, certa vez, teve de gravar um clipe para um programa de TV, conta-nos Maria, um dos produtores quis saber, noutras palavras, se ela ‘apenas’ cantaria. A resposta, como já era de ‘se’ esperar, veio na lata: ela ia cantar como só ela sabia fazer. 
E o preço da mercadoria em questão estava associado, claro, às incontáveis qualidades do produto, sempre reconhecidas pelo público e, principalmente, pelos colegas de ofício, fossem cantores/intérpretes ou músicos. Elis era – e continua sendo - uma unanimidade e uma referência. Em várias passagens da biografia, fica bem claro esse reconhecimento. Em Montreux, por exemplo, no festival de jazz, quando, improvisadamente, teve de cantar algumas canções com o “bruxo” Hermeto Pascoal, Elis provou, mais uma vez, que era, além da cantora/intérprete de exceção, um inquestionável músico. O próprio Hermeto, rebatendo algumas maledicências que insistiam na tecla de que ele teria querido derrubar Elis naquela noite memorável de 1979, disse, com outras palavras, que só ‘se’ jogou sem rede de proteção porque quem o acompanhava era Elis Regina. Ou seja, era ninguém menos do que Elis Regina. Fosse outra a acompanhá-lo, a derrocada seria certa.     
Outro episódio que atesta a genialidade de Elis e que também é narrado por Maria diz respeito ao programa O Fino da Bossa. Chiquinho de Moraes, um dos maestros do programa, sabia que tinha a seu lado, como diz o texto, uma “cantora com poderes sobrenaturais”, tanto que não precisavam passar as músicas duas vezes. Se não houvesse tempo, dispensavam os ensaios. Em certos arranjos, só para conferir a genialidade de Elis, Moraes passou a lançar mão de “pegadinhas”. Em certas introduções - “arriscadas”, como relata o biógrafo - que não davam pistas sobre o início das canções, a baixinha não tropeçava: entrava no momento exato. Inteligência e intuição amalgamadas. Diversas vezes, Edu Lobo declarou que Elis tinha “cabeça de músico”.  Tinha o tal “senso harmônico de instrumentista”, a tal “percepção harmônica instintiva”. Dependendo da canção, ela sabia, assim como os músicos, que acordes deveriam ser usados. Eis uma atitude rara para a época. E o que dizer, então, dos cantores de hoje? Que a maioria não sabe cantar? Nada de novo! Os autotunes da vida seguram a onda. Às vezes, eles são até autoeróticos.
Mais uma de gênio: quando foi gravar o Elis in London, disco gravado em 1969 e lançado no Brasil bem depois, em 1982, Elis não repetiu nada. Não gravaram bases para que ela, depois, ‘colocasse’ a voz. Ou seja, gravou “ao mesmo tempo em que se gravava a banda toda”, como atesta Menescal na contracapa da edição brasileira do LP (e no encarte do CD). Foi um milagre só possível, voltando a Menescal, “por ter sido Elis Regina”. Finda a gravação, ou, como diz Maria, “quando a última nota silenciou”, todos os músicos aplaudiram Elis, a cantora que eles, até então, não conheciam.
Não só de relatos que comprovam a genialidade de Elis Regina vive a biografia de Julio Maria. Há momentos engraçadíssimos, tristes, comoventes, ligados ao pessoal ou ao profissional. Só não há nada que seja banal e que não seja notado por qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade. Seja quem for o leitor, não há como ficar indiferente à escrita soberana de Maria. Assim, posso confessar que li (e releio) a obra com choro, emoção e boas gargalhadas. Os relatos que envolvem os filhos, por exemplo, são extremamente tocantes, sensíveis ao extremo. Uma carta de amor para o filho João Marcello, o mais velho, escrita um ano depois de seu nascimento e que só poderia ser aberta quando ele completasse 18 anos, é carregada de uma ternura e de uma profundidade incríveis. Lendo-a, foi impossível não chorar. De repente, veio aquele nó que antecede o choro. Como não chorar? Antes da carta, o menino havia ficado internado, tendo sido salvo, segundo o “diagnóstico” do médico, pelo amor da mãe, que havia “conversado” muito com ele na noite anterior ao início de sua recuperação. “Sua voz salvou o seu filho”, disse a Elis o médico, como conta Maria.
Ao falar sobre o que ela queria para a Maria Rita, que, hoje, é uma das mais respeitadas cantoras da MPB, Elis também ‘nos’ comove. O que Maria narra, entre outros episódios, é o depoimento que Elis concedeu ao programa Mulher 80, produzido na esteira do seriado Malu Mulher e apresentado pela atriz Regina Duarte. O programa reuniu diversas cantoras em evidência naquele fim da década de 70 e início da de 80, como Bethânia, Gal e Rita Lee, por exemplo. Para sua filha, que veio depois de dois meninos, Elis desejava que ela não “ficasse pesada nunca”. Disse, antes, que não choraria durante o depoimento, mas chorou... e choramos com ela. O outro filho, o do meio, Pedro, adorava ouvir a “música do pirapora”. Trata-se de Romaria, de Renato Teixeira, um dos grandes sucessos de Elis. Ao fim da narrativa, Maria volta a falar dos filhos de Elis e dos enfrentamentos após a partida da mãe.  
Entre os momentos engraçados, há dois, em especial, que são ótimos. Um é quando Elis e Ronaldo Bôscoli, seu primeiro marido, recebem jornalistas para uma entrevista, depois da qual haveria um almoço. Durante o bate-papo, tudo bem. Porque os ânimos ainda estavam tranquilos, os dois não deixaram de responder a quaisquer perguntas, foram gentilíssimos e comportaram-se bem. Quando o almoço teve início, o ‘pau quebrou’. Ou seja, armaram um ‘barraco’ e tanto. A troca de insultos, conforme Maria relata em detalhes, fez os jornalistas olharem para o prato e invejarem “a existência dos feijões”. É o tal negócio: se alguém chegasse quente, era certo que Elis já estaria fervendo, quase evaporando.  O outro relato mostra mais um ‘quebra pau’: depois de uma das muitas brigas, Ronaldo disse que se casaria com outra pessoa. Não só: pediria à nova mulher para buscar “suas coisas”. Ao chegar, a moça, antes de sair do carro, só teve tempo de ouvir o barulho do arremesso de uma das malas de Bôscoli – recheada com todos os discos do Sinatra - no capô do carro. A baixinha não deixava “pedra sobre pedra”, como dizem. Antes de alguém levantar a voz, ela dava seu grito. Acho que o pavio curto da Elis resgata o significado primeiro de “daemon” (demônio): a força, a energia de cada um, que atormentava, sim, outras pessoas, mas somente as que não tinham essa força. Ou seja, as invejosas. Assim, não suportavam quem a tinha. “Elis não era para os fracos”, como pensava Menescal, conforme relato de Maria. Difícil imaginar que Elis, tendo feito tudo o que fez, viveu somente 37 anos incompletos. A vontade de viver muito e com urgência talvez decorresse de alguma “certeza” (ela era espírita) de que sua estada aqui não seria longa. Posso dizer, parafraseando Álvaro de Campos (heterônimo de Pessoa), que, para ‘se’ sentir, Elis multiplicou-se. Transbordou, extravasou-se, despiu-se, entregou-se e, em cada canto de sua alma, ergueu um altar a um deus diferente.
Além de todas as qualidades dessa biografia excelente, é interessante notar que fatos ou acontecimentos já narrados noutras obras ressurgem, aqui, como se fossem novos, tamanho é o frescor da narrativa. Comparando algumas obras, pude constatar relatos repetidos, que não apresentavam nem ao menos uma “vírgula” de diferente. Cheiravam a prato “requentado”, claro. Com “Elis Regina: nada será como antes”, não. Tudo é novo, mesmo o que não é. Tudo é cuidadosamente pensando antes de ser escrito. As metáforas, ricas, poéticas e originais, levam-nos a confidenciar aos amigos: leiam urgentemente. Bebam num gole só. É literatura, sim, e da mais alta qualidade.  
Nos capítulos finais, eu me comportei mais ou menos como a narradora de Felicidade clandestina, um dos mais belos contos da Clarice: só para não me despedir do livro, passei a lê-lo com bastante calma, quase parando e saboreando palavra por palavra. Seria uma sacanagem cortar o prazer da leitura tão cedo! Só não entrei na brincadeira de fingir que o perdia só para, depois, ter a sensação de encontrá-lo novamente. O que sei é que fui, durante uns dias, um menino com seu amante.  
Julio Maria, devo confessar que sua arma é o que a memória guarda dos tempos de Elis Regina. A sensação que temos, ao ler sua obra sensacional, irretocável, é que você viveu tudo aquilo. Testemunhou mesmo, tamanha é a verdade de sua narrativa, verdade essa que também está no canto único e atemporal de Elis Regina. Cá entre nós, Maria: quando Elis se foi, você não tinha somente 9 anos de idade, tinha? Confesse aí! 
UPA, NEGUINHO
Edu Lobo / Gianfrancesco Guarnieri

Upa, neguinho na estrada
Upa, pra lá e pra cá
Vixe, que coisa mais linda
Upa, neguinho começando a andar
Começando a andar, começando a andar
E já começa a apanhar

Cresce, neguinho, me abraça
Cresce, me ensina a cantar
Eu vim de tanta desgraça
Mas muito eu te posso ensinar
Mas muito eu te posso ensinar

Capoeira posso ensinar
Ziquizira posso tirar
Valentia posso emprestar
Liberdade só posso esperar


CARTA AO MAR
Roberto Menescal / Ronaldo Bôscoli

Me multiplicando em sol
Tento uma canção pra você
Trago flores, girassóis
Não me importa mal me querer

O que vai de mim
Vem de um desejo imenso de ser outra vez
Um barco, um azul
Outra vez, de tarde, morrer

Céu sem naves espaciais
Flores, só naturais
Só nos dois e as coisas banais
Mais não, pra quê?

Pra que o mundo
Segue o mundo
Sem o mar
Sem amar

De que vale o som sideral
Ou uma rima mais genial
Se o amor está aqui, neste sal
Nesse encontro franco e frontal

Nesse barco longe do mundo
Toda a nossa vida e um segundo
Pra dizer ao mar que voltei
Que sou do mar, sou do mar, do mar  

DE ONDE VENS
Dori Caymmi / Nelson Motta

Ah, quanta dor vejo em teus olhos
Tanto pranto em teu sorriso
Tão vazias as tuas mãos
De onde vens assim cansado
De que dor, de qual distância
De que terras, de que mar

Só quem partiu pode voltar
E eu voltei pra te contar
Dos caminhos onde andei
Fiz do riso amargo pranto
No olhar sempre os teus olhos
No peito aberto uma canção

Se eu pudesse de repente
Te mostrar meu coração
Saberias num momento
Quanta dor há dentro dele
Dor de amor quando não passa
É porque o amor valeu  


BOA PALAVRA
Caetano Veloso

Aprendeu sozinho
Na areia, no chão
A brincar sozinho
Sem a mão de um irmão

Aprendeu com o vento
Que o sono passou
E acordou sozinho
No sol, sem amor

Tava dormindo, acordei
Para acertar o namoro
Me deram o que de beber
Numa caneca de ouro

Não lhe deram nada
Não é seu este chão
Deita, olhando o céu
Que o céu não tem dono, não

Como um passarinho
Aprende a voar
Solta o pensamento
Num braço de mar

Voou pra beira do rio
Pousou no poço dourado
Moça com seu namorado
Rico com seu empregado

Aprendeu sozinho
Deitado no chão
A esperar sozinho
Tempo de encontrar irmão

Inda a madrugada
Espera nascer
Não lhe deram nada
Mas não quer morrer

Boa palavra, rapaz
Boa palavra, rapaz
Boa palavra, rapaz
É assim que um homem faz

CAÇA À RAPOSA
João Bosco / Aldir Blanc

O olhar dos cães, a mão nas rédeas e o verde da floresta
Dentes brancos, cães, a trompa ao longe, o riso
Os cães, a mão na testa
O olhar procura, antecipa
A dor no coração vermelho
Senhorita e seus anéis
Corcéis e a dor no coração vermelho
O rebenque estala, um leque aponta
Foi por lá...

Um olhar de cão, as mãos são pernas
E o verde da floresta
Oh, manhã entre manhãs
A trompa em cima, os cães, nenhuma fresta
O olhar se fecha, uma lembrança afaga o
Coração vermelho
Uma cabeleira sobre o feno afoga o coração vermelho
Montarias freiam, dentes brancos
Terminou...

Línguas rubras dos amantes
Sonhos sempre incandescentes
Recomeçam desde instantes
Que os julgamos mais ausentes
Ah! Recomeçar como as colheitas
Como a lua e a covardia
Ah! Recomeçar como a paixão e o fogo
E o fogo, e o fogo...





“(...) desde 1966 as pessoas que fazem música, que interpretam música, que executam música, são sempre as mesmas. É o circo do elefantinho que está armado. E em processo de antropofagia. Alas se entredevorando, numa flagrante e evidente e palpável luta pelo poder. Só.”

“Quando descobrirem que estou verde, já estarei amarela. Eu sou do contra. Não vão me dirigir nunca.”

Fonte: Folha de S.Paulo/Folhetim, junho, 1979


“Eu estava enganada a respeito de algumas coisas, como participação de tevê e rádio, até resistindo a uma série de pressões. Como se a gente acreditasse, com isso, poder mudar o mundo, quando, na verdade, a gente não vai mudar porcaria nenhuma, muito menos se a gente não estiver dentro do mundo. Sendo um ermitão, por exemplo, é muito mais difícil poder fazer alguma coisa do que estando enfiado ali no inferno. E uma vez no inferno, é muito melhor estar no centro do inferno.”

Fonte: revista Música, 1979

4 comentários:

  1. Elis foi tão portentosa ou grandiosa, que excedi-me, e terei de dividir meu modesto comentário.
    Seu texto, para variar, está mais do que irretocável, está "kooraxiano".Ainda não li esta biografia, que já considero obrigatória, levando-se em conta, seus apuro estético, bom senso, inteligência rutilante e conhecimento, grande mestre. De fato, a maior cantora de MPB de todos os tempos foi,ainda é e, provavelmente será Dona Elis, para sempre , afinal o poder ou o significado, ou a etimologia das palavras não nos deixam mentir: REGINA tem origem no latim , que quer dizer literalmente “rainha, senhora absoluta, a maior”, não é professor?Elis: Significa “Deus é salvação”, ou “o Senhor é o meu Deus”, ou “de qualidade nobre”, “de linhagem nobre”...tanto que sua voz salvou seu filho. Ela foi a mais nobilíssima das "passarinhas" do Patropi. Acasos não existem...
    Destaco esta sacação oportuna: "Cantora com poderes sobrenaturais", ou , então, " Elis tinha “cabeça de músico”. Tinha o tal “senso harmônico de instrumentista”, a tal “percepção harmônica instintiva”.

    Coloquei, hoje, o que considero , respeitando as inevitáveis divergências, o melhor da melhor: "Saudades do Brasil" e, mais uma vez, emocionei-me como da primeira audição, ao vivo, no Canecão-Rio (sou de priscas eras rs) onde pasmei-me.
    Ela só canta excepcionalidades, como "Canção da América", "Mundo novo, vida nova", "Aos nossos filhos", "Redescobrir", etc., e, dentre os brilhantes verdadeiros "elisreginianos", " Maria, Maria", que é nome do autor da incensada biografia rs. Os arranjos são monumentais, e como tive o privilégio, a sorte e a f("elis")cidade de presenciar e interagir com aquele impactante acontecimento musical, muito mais do que um "show ou showzaço", relembro da ficha técnica somente com "la crême de la crême" da época. Direção musical e arranjos: César Camargo Mariano; Coreografia: Marika Gidali; Figurinos: Kalma Murtinho; Cenogfrafia: |Marcos Flaksman; Programação visual: Carlos Vergara, etc. Ao final do quase "mediúnico" espetáculo, fui ao camarim e nunca esqueci-me da cena.Ela estava à porta, fumando e acolheu-me bem (eu ainda era jovem rs) mas, absolutamente trranstornada, parecia ainda em transe.Para mim, confesso:ela estava na gira, ainda.Os verdadeiros artistas como ela, intuo que são "cavalos" e as entidades de luz que ali estiveram para utililizá-la, e maravilhar-nos, ainda não tinham cantado pra subir.Estou, como naquele dia memorável, arrepiado e emocionadíssmo.Desculpe meus excessos...minha alminha aflita quer descer para os teclados.Tentarei voltar ao controle rs.Não posso comparar com o deslumbrante Falso Brilhante que não veio para o Rio, infelizmente.

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    1. Marcos, meu querido amigo, que "pitaco" maravilhoso! Rapaz, quer dizer que você assistiu ao "Saudade do Brasil"? Se mais não fosse, seu ótimo comentário valeria por essa informação. Pois é, também concordo com você: "Saudade..." é o melhor da Elis, se é que podemos apontar "o melhor" dessa diva. Tudo o que ela fez é impecável. Ah, pena você não ter ido a São Paulo para ver "Falso brilhante". D. Elis é rainha mesmo, meu amigo. Que mulher! Que cantora/intérprete! Que personalidade! Ela "não era para os fracos". Mais uma vez, muito obrigado. Beijão.

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  2. Continuando a minha enjoativa rs saga "elisreginiana", desculpe, querido mestre...
    O que sinto é um total fascínio ou perda e rumo ao (re)ouvi-la.Artisticamente, foi ela um tsunami que realocou as placas tectônicas da MPB, para sempre.Antes, durante e depois dela, nenhuma outra em excelência total e no conjunto da obra...com inteligência, engajamento político, extremo bom gosto , preciosismo e talento magistral.Ela conseguiu, realizou a proposta enunciada em "Mundo novo, vida nova" que diz: "E por minhas mãos, lutando, me superar/Vou traçar no tempo meu próprio caminho". Lamentavelmente não conseguiu: "E ver se desta vez faço um final feliz"...o que não é fácil para ninguém, obviamente.

    Muito curiosa a observação do Maria, ao referir-se ao Gilberto Gil, que exprimiu um amor que ultrapassava os limites da admiração por ela, como, p.ex., ter embarcado na marcha contra a guitarra elétrica só para estar de braços dados com Elis.O autor comenta que Gil não acreditava naquele protesto, mas queria estar perto dela.Bem que se diz:" o que a gente não faz por amor", não é?Comentou também que entrevistou mais de 50 músicos e todos foram unânimes: ela não desafinava NUNCA.

    Diferentemente do país, que ainda, meio cambaio, não se tornou a sua potencialidade para primeiro mundo, não só pelo tamanho descomunal...a fenomenal cantora, em que pese a diminuta figura (pequena, não...concentrada rs) realizou e conseguiu ser a primeira do primeiro time do cancioneiro popular.Se o essencial da vida é arte da superação, ela superou-se e foi(é) a mais brilhante aprendiz, ao ponto de tornar-se insuperável , única, personalíssima e atemporal.
    Paz, luz, abraço apertado e beijo estalado.

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    1. Amigo Marcos, Elis era sensacional. Tão sensacional que está "mais viva do que nunca". Já notou que não chega ao fim a produção da "Pimentinha"? "Viraemexe", descobrem gravações, vídeos... Deus meu! Ela viveu apenas 37 anos incompletos. É um exercício excelente imaginar o que ela teria gravado até hoje. Um beijo imenso. Mais uma vez, muito obrigado.

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