sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

CONVIVÊNCIA


VAMOS FUGIR
("Gimme your love", de Gilberto Gil e Liminha)
Versão de Gilberto Gil

Vamos fugir
Deste lugar, baby
Vamos fugir
Tô cansado de esperar 
Que você me carregue 

Vamos fugir
Proutro lugar, baby 
Vamos fugir
Pronde quer que você vá 
Que você me carregue 

Pois diga que irá
Irajá, Irajá
Pronde eu só veja você
Você veja a mim só
Marajó, Marajó 
Qualquer outro lugar comum
Outro lugar qualquer 
Guaporé, Guaporé 
Qualquer outro lugar ao Sol 
Outro lugar ao sul
Céu azul, céu azul 
Onde haja só meu corpo nu 
Junto ao seu corpo nu 

Vamos fugir 
Protro lugar, baby 
Vamos fugir 
Pronde haja um tobogã 
Onde a gente escorregue 
Todo dia de manhã
Flores que a gente regue
Uma banda de maçã 
Outra banda de reggae 

CONVIVÊNCIA

Por Fábio Brito

Recentemente, na crônica “A utopia carioca da ‘faixa compartilhada’”, o jornalista Joaquim Ferreira dos Santos, que muito admiro, escreveu que “desaprendemos a conviver”. Acho que  nunca soubemos. Quem tem vizinhos sabe muito bem do que estou falando. E quase todas as pessoas têm vizinhos, não é mesmo? Não estou dizendo que vizinhos não prestam! Há vizinhos e há “vizinhos”.

Pois bem, há uns três anos, mais ou menos, encomendei a um serralheiro um suporte para sacos de lixo, que finquei em ponto estratégico da calçada aqui de casa. Nos primeiros dias (só nos primeiros dias!), não houve problemas. Consegui, com tranquilidade, pôr as sacolas nesse suporte. Com capricho, acondiciono bem o lixo: não raro, uso mais de uma sacola e amarro bem a “boca”. Assim, evito que o conteúdo seja derramado e, consequentemente, dificulte o trabalho de quem o recolherá (pois é, penso nas próximas pessoas que vão lidar com esse lixo. Quando é vidro quebrado, então, não só acondiciono muito bem o conteúdo, mas escrevo um recadinho informando tratar-se de “vidro”. Assim, evito que alguém se machuque). Mais: só levo o lixo para fora nos dias de coleta e, assim mesmo, pouco tempo antes de o carro passar. Por quê? Porque, mesmo estando o lixo bem acondicionado, podem surgir moscas etc., etc. (agora, estou pensando nas pessoas que passam pela calçada, embora o suporte, como eu já disse, fique  em ponto estratégico. Ou seja, ele não atrapalha os transeuntes).

Como, então, começaram a surgir os problemas, que só aumentam? Conforme eu disse no parágrafo anterior, encomendei o suporte a um serralheiro e, obviamente, paguei pelo produto, que não é grande: tem o tamanho ideal para caber o lixo aqui de casa. Fiquei tranquilo, porque, não mais deixando as sacolas no chão, eu não correria o risco de alguém as chutar (incrível, “né”?) ou de animais famintos (que pena!) as rasgarem. Ingênuo, acreditando em utopias como o “respeito a limites”, imaginei que meus problemas com o lixo haviam cessado. Ledo engano. Eles só estavam no começo.

Pouco tempo depois de instalado o suporte, numa manhã bem fria de sábado, munido de escova, muita água, luva e produtos de limpeza, lá estava eu na calçada para limpar o tal suporte. Na véspera - ou naquele sábado mesmo, de madrugada - uma criatura (há pessoas e há criaturas!) decidiu usufruir do tal suporte para sacos de lixo. Por que não compartilhar?, pensei dias antes. Eu não via problemas, desde que alguém, como manda a boa educação, me pedisse licença. Pedir licença para dividi-lo comigo era o mínimo que eu esperava. “Pra que somar, se a gente pode dividir?”, como ensinou o “Poetinha”. Eu apenas alertaria a pessoa sobre a importância de acondicionar bem o lixo e só depositá-lo nos dias em que o carro passasse, além, é claro, de não ocupar toda a cesta – pequena – do suporte. Bom, voltemos: por que fui limpar o suporte?

Fui limpá-lo porque o conteúdo das sacolas (não era apenas uma!) estava simplesmente deteriorando e começou a escorrer pelo cano que sustenta a cesta, seguindo calçada afora. Com repugnância, é lógico!, tive de ensacolar o que estava mal ensacado. Para tanto, usei várias sacolas. Sem ingenuidade (acordei!), pude prever que o martírio só estava no começo. Não deu outra! Em poucos dias, começaram a surgir sacolas e mais sacolas. Quase sempre fora dos dias de coleta do lixo, elas passaram a ocupar considerável espaço na cesta. Num desses dias, estive envolvido com outra “operação faxina”. Agora, para resolver o problema de larvas que “fervilhavam” fora de uma das sacolas.

E agora? Desde que instalei o suporte, só tenho tido dor de cabeça. Sempre que vou deixar o lixo lá fora, além de luvas, levo mais sacolas, pois tenho certeza de que vou ter de “concluir o serviço” de meus “sócios”. Diversas vezes, chego a levar o lixo em dias que não são os da coleta. Quando me perguntam o porquê, respondo na hora: “ – Vou garantir minha vez. A concorrência por espaço está acirradíssima”. Desanimador, não? Mais do que desanimador: revoltante! O que fazer? Pensei em tirar o tal suporte. Serrá-lo mesmo! Descartei a ideia. Certamente, continuariam depositando o lixo no mesmo local, porém no chão. Um conhecido sugeriu que eu afixasse um cartaz. Também desconsiderei a sugestão. As criaturas se sentiriam ofendidas, mesmo que eu tivesse (e eu teria!) muito tato, muito cuidado ao escrever. Melhor não contrariar os que desconhecem seus limites. Soltando fagulhas pelas ventas, poderiam, num acesso de “razão”, jogar o lixo dentro do quintal aqui de casa. 

Por essas e outras, dá até vontade de voltar a morar em apartamento. Pensando bem, melhor descartar essa ideia. Vontade mesmo é de fugir. “Vamos fugir deste lugar, baby”? Sigamos!  






Nenhum comentário:

Postar um comentário