sábado, 22 de outubro de 2011

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA...



DEVOÇÃO
Por Fábio Brito
Não há quem não prenda a respiração quando Fernanda Montenegro está no palco, na “telona” ou na “telinha”.  Tudo nela exala requinte, sofisticação, nobreza e talento.
Quando Dona Doida, um interlúdio estreou, há um tempinho, fiquei louco para ver. Trata-se, pois, de um espetáculo solo com texto da Adélia Prado, outra de minhas paixões. A direção ficou a cargo de Naum Alves de Souza. Pronto!, pensei, não me falta mais nada: Fernanda e Adélia. Adélia por Fernanda; Fernanda por Adélia. Resistir? Quem há de? Não resisti, é evidente! Porque a peça viajou, pude vê-la no cine-teatro Glória, em Vitória, que, apesar de seu peculiar cheiro de mofo, proporcionou-me um prazer que, até hoje, é indescritível. Fui acompanhado de uma amiga que, a certa altura do espetáculo, não resistiu: “Mas você sabe todo o texto da peça?” Confessei-lhe que sim. A obra da Adélia está – e sempre esteve - toda em mim. As atuações de Fernanda também estão todas em mim... até as que não vi. Como evitar o choro? Impossível. Chorei do começo ao fim do espetáculo.
Em 1998, nossa Fernanda concorreu ao Oscar de melhor atriz por sua atuação no filme Central do Brasil, dirigido por Walter Salles. Desde o momento em que fiquei sabendo da indicação, inédita para nós, não parei de ler tudo o que saía sobre a premiação. Claro que os textos que mais me interessavam eram os que diziam respeito à atuação da Fernanda. Vasculhei tudo, li tudo, fiquei atento a tudo. Se não me engano, foi o Jornal do Brasil (que saudade da edição impressa...) que publicou, no sábado da premiação, várias matérias sobre o assunto. Em uma delas, um jornalista, cuja nacionalidade não lembro (só sei que não era brasileiro), teceu elogios e mais elogios à atuação de nossa Fernanda. Disse, inclusive, que ela é das poucas atrizes que conseguem definir uma cena com um olhar. No entanto, afirmou que ela não levaria o prêmio, uma vez que o Oscar é uma academia e, como tal, tem seus conchavos. Infelizmente, tive de concordar com ele. Mesmo assim, fiquei acordado até o momento da premiação. A esperança não é a última que morre? Pois, nesse dia, fiquei até altas horas com os olhos "grudados" na TV, à espera da cerimônia - mais do que brega - de entrega do Oscar.
Pois é, até hoje, não engoli o Oscar de melhor atriz daquele ano. Quem levou a estatueta foi... faço questão de não repetir o nome. A moça foi indicada por sua atuação em Shakespeare apaixonado. Eu disse atuação? Nunca vi nada mais insosso, mais insignificante. Para mim, ficou comprovado o que o jornalista havia dito: os conchavos não permitiriam que a melhor atriz levasse o prêmio. Ainda por cima, ela era latina. Tudo bem. Entre os inúmeros prêmios que recebeu por causa dessa atuação, nossa Fernanda levou um - se minha memória não estiver muito falha - que é importantíssimo: o da Associação de Críticos de Cinema dos Estados Unidos, formada por pessoas que entendem, de fato, de cinema. Minha alma estava lavada e leve, leve.
Não faz muito tempo, tive o privilégio de assistir à peça Viver sem tempos mortos, outro espetáculo solo em que nossa primeira dama mergulha, agora, no universo de cartas de Simone de Beauvoir. Do início ao fim, a atuação é irretocável. É pura catarse. Chorei à beça nesse espetáculo. Aliás, choro sempre que assisto a uma atuação de Fernandona, como dizem seus colegas de ofício. Choro até ouvindo suas entrevistas. É incrível, mas até sendo entrevistada, ela me comove. “Ponho reparo”, como dizem os mineiros, até nos gestos. Quanta fineza, meu Deus! Ninguém consegue ser mais chique que Fernanda Montenegro. Parafraseando Cora Rónai*, não sou fã, mas devoto, dessa atriz única que é Fernanda Montenegro.
Antes, porém, de Viver sem tempos mortos, há outra atuação estupenda de Fernanda: Queridos amigos, minissérie de Maria Adelaide Amaral exibida pela Globo em 2008. Iraci, sua personagem, já está na galeria das grandes personagens da televisão brasileira. Em uma das muitas cenas inesquecíveis [Pausa: todas as cenas com Fernanda são inesquecíveis. Por que, então, dizer isso? Porque não tenho medo dos pleonasmos], ela se encontra com um dos torturadores de sua filha, morta durante a ditadura militar. Só vendo a cena. Ou melhor, só revendo – inúmeras vezes – a cena. 
Desnecessário tecer comentários sobre sua atuação em Passione, novela de Sílvio de Abreu. Fernanda foi, simplesmente, a dona de todas as cenas. Eu só olhava para ela. Que magnetismo! Fernanda não precisa de gritos e histerias. Fernanda não precisa de muitos gestos. Fernanda só precisa olhar. E nós precisamos muito do olhar de Fernanda Montenegro. Muito mesmo. “Ah! Se todos fossem iguais a você”, Fernanda...  
VIAJANTE DAS ALMAS**
Fernanda Montenegro, Francis Hime e Herbert Richers Junior
É um ofício lento, fugidio
Buscar o outro, confundir-se com o outro
Morrer sob um rosto que não é seu
É um ofício lento, fugidio
Lentamente percorrer os séculos
E os espíritos imitando o homem
Como pode ser, tal como é
É um ofício lento, fugidio
Ofício de visionários, de loucos
Pousados na lucidez
De viajantes do tempo
De viajantes das almas
É um ofício lento, fugidio
Absoluta tolerância
Nenhuma negligência
Ah, o nosso ofício é nossa festa
O suor do nosso rosto
O nosso prêmio
CD: "Álbum musical 2". Francis Hime, Viajante das almas, Biscoito Fino, BF 860, Rio de Janeiro, 2008.

** Considerando texto de Fernanda Montenegro, "Viajante das almas" foi organizado em forma de letra de canção por    Herbert Richers Jr. e musicado por Francis Hime.

* "Devo dizer que sou devota de Maria Bethânia, que divide o altar da minha máxima admiração com Fernanda Montenegro. Gosto muito de inúmeros artistas, sou fã sincera de vários deles mas, diante de Bethânia e de Fernanda, tenho sempre a sensação de estar na presença de seres de outra dimensão, habitantes talvez de um planeta diferente, onde as pessoas já evoluíram o suficiente para descobrir a verdadeira essência das coisas. Agradeço à minha boa estrela o privilégio de ter nascido no tempo dessas duas mulheres extraordinárias, para além do talento curiosamente tão parecidas também na sabedoria, no recato e na elegância." 
                                                                                                   Cora Rónai, O Globo, Rio de Janeiro, 2 de setembro de 2004.

5 comentários:

  1. Fábio, querido amigo,

    A minha boa estrela me privilegiou quando premitiu que nos conhecessemos.
    Aprendo com você todos os dias.
    Meu beijo,
    Graça

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    1. Graça, querida, obrigado pela visita a este "blog". O privilegiado sou eu, minha amiga. Beijão.

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  2. Obrigado, minha amiga querida. Muito obrigado mesmo! Ah! Assim não vale! Sou seu aluno há muito mais tempo. Beijão, minha querida. Quantas saudades de você... Se Deus quiser - e Ele quererá - em breve, estaremos por aí... Fábio

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  3. Amei de paixão! Obrigado poeta! Amo a Fernanda também! Encontra-la em suas palavras é um espetáculo!! Beijo! Hércules Campos

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    1. Hércules, querido, Fernanda é "a" atriz, não é? Sou devoto de D. Fernanda. Beijos, amigo. Obrigado pela visita.

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