quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

BIM BOM, BIM MARAVILHOSO




BIM BOM, BIM MARAVILHOSO!
Por Fábio Brito

Quando uma cantora canta muito bem, é natural que ela queira cantar cada vez melhor.  Nenhum problema até aí. No entanto, nessa busca da perfeição, do aprimoramento técnico ao extremo, ela pode ser transformada em uma “máquina de saber cantar muito bem”. Assim, adeus, emoção! Bem-vinda, frieza! Muitas caíram e continuam caindo nessa esparrela.
Com Ithamara Koorax, “a voz”, isso não ocorre.  A cada apresentação, ou a cada novo CD, ela está cantando cada vez melhor (se é que isso ainda é possível!), mas a emoção está ali, agarradinha à técnica impecável, em uma combinação poucas vezes vista na música de todo o mundo e de todos os tempos. E é essa combinação inigualável entre técnica e emoção que me arrepia sempre que ouço essa dama da canção, aclamada constantemente pela revista Down Beat, a “bíblia” do jazz, como uma das melhores cantoras do mundo. E foi tomado por esse arrepio, que vai “do cóccix até o pescoço”, como diria Caetano Veloso, que, mais uma vez, assisti, embevecido, a um show sublime. Foi em Copacabana, no bar do requintado Sofitel. Acompanhando-a, Dino Rangel (guitarra e violão) e o baterista Haroldo Jobim.
Como sempre, nossa musa passeou, com a facilidade que lhe é habitual, por canções de qualidade incontestável. O repertório de Bim Bom - um tributo ao mestre João Gilberto lançado, nos EUA, no Canadá e na Ásia, em outubro de 2009 e, em maio de 2010, na Europa - costurou o espetáculo. Aliás, muitas canções imortalizadas por João foram a base do show.  Assim, joias como Bim bom, Hô-bá-lá-lá e Minha saudade deram o mote... e fomos atrás, é claro! Você esteve com meu bem?, uma das primeiras canções do João e que também está no Bim Bom, foi uma das surpresas da noite. Além de ter sido gravada pela legendária Marisa Gata Mansa, uma das grandes intérpretes brasileiras, e por Caetano em Fina Estampa ao vivo, a canção mostrou um lado bem solto da Ithamara. O pato, clássica na voz de João, também ficou excelente. Ithamara fez o que quis: brincou à beça e deu um banho. Por causa de você e Estrada do sol, ambas de Dolores Duran em parceria com Tom Jobim, nosso maestro soberano, ficaram sensacionais.  Para acompanhá-la na primeira, Ithamara convidou Marcos Ozzelin, seu talentoso afilhado que tem feito enorme sucesso nas noites da Lapa. Que momento! A cumplicidade dos dois combinou perfeitamente com o semblante iluminado não só de nossa diva e de Ozzelin, mas das pessoas que, boquiabertas e magnetizadas, assistiam a um “senhor” espetáculo. Em Lígia, outra grande canção de Jobim e outro grande momento do espetáculo, prevaleceu a languidez da interpretação.  Quanta beleza para uma noite só!
Outra surpresa, pelo menos para mim, foi SOS Solidão, do repertório de Lulu Santos, sugerida por João, que a incluirá em seu próximo CD. Ficou deslumbrante. Até agora, não paro de cantarolar essa canção, que estava esquecida em algum escaninho da memória. Só João e Ithamara para trazerem de volta certas canções quase esquecidas e darem a elas um requinte e uma sofisticação ímpares. Do novo CD, Got to be real, ainda não lançado no Brasil, ela levou para o ‘show’  Goin’ out of my head, que mostra todas as qualidades inquestionáveis do canto de Ithamara. Só ouvindo... Fotografia e Aos pés da cruz foram dois presentes para mim. Forte, resisti e não chorei.  Adoro essas duas canções! Fotografia, por exemplo, eu já havia ouvido em outro show nesse mesmo Sofitel. É excelente constatar que Ithamara tem uma inteligência musical fora do comum: ela jamais repete uma interpretação. Isso é raro. Raríssimo!  Ah! Impossível esquecer Pra machucar meu coração, uma das grandes canções de Ary Barroso imortalizada, em Ary Amoroso, pela divina Elizeth Cardoso, madrinha musical de Ithamara, e por João em Getz/Gilberto, clássico disco de 1964. Querem mais? Vamos lá: Chega de saudade e Garota de Ipanema (The girl from Ipanema), que dispensam quaisquer comentários, e Estate, uma canção italiana de Bruno Martino e Bruno Brighetti, que está em João Gilberto ao vivo – Eu sei que vou te amar, em João Gilberto Live in Montreux e em Obrigado, Dom Um Romão, lançado por Ithamara em 2006, ganharam interpretações inesquecíveis.
O engraçado é que, depois da apresentação,  amigos que ainda não haviam assistido a um show da Ithamara saíram cantarolando várias canções, entre as quais Bim bom. Algum incauto poderá perguntar qual a novidade em sair de um espetáculo musical cantarolando várias canções. Novidade e tanto, respondo! Não raro, muitas pessoas, vez ou outra, surpreendem-se assoviando canções que jamais assoviariam na vida, tamanha é a massificação. Portanto, se, depois de um espetáculo altamente sofisticado, o público sai assoviando as canções, é porque esse espetáculo está acima do bem e do mal. Nunca é muito dizer que as canções de todos os shows da Ithamara passam bem longe dessas “coisas” pegajosas que se ouvem, à exaustão, em tardes de domingo modorrentas nesses inclassificáveis programas de TV que nem sei por que existem. Talvez eu saiba...
Pois é, após o show, fiquei pensando em certos artistas, como a Ithamara, que poderiam estar por aí fazendo pose em capas de revistas de fofoca e “vendendo adoidado”, mas preferem o bom gosto acima de tudo e não se vendem ao sucesso fácil. Sobre a competência de Ithamara, muito já se disse, mas é sempre bom lembrar que, em tempos de “autotune”, é importante não esquecer que sua performance é natural. Há muitas por aí que se dizem cantoras, mas, ao vivo, são um fiasco. No estúdio, não fossem os aparelhinhos que afinam a voz, como esse “autotune”, o canto de muitas deusas incensadas pela mídia não passaria de um mísero sopro no microfone.
Onipresença e onipotência são palavras de ordem quando o assunto é Ithamara Koorax, “a” voz. À revelia de um mercado fonográfico que só se ocupa em vender o que há de pior, e ainda chama isso de arte, o canto de Ithamara segue nobre, majestoso e altaneiro. Nossa grande dama dá de ombros a “poderosos chefões” da indústria fonográfica que não suportam o que é verdadeiramente artístico. Sabe por quê? Porque não vende como eles gostariam. Talvez eles aprendam, um dia, a oferecer biscoitos finos à massa, como ensinou Oswald de Andrade. Esperemos...

4 comentários:

  1. Sou testemunha ocular e sonora de tudo que Fábio relatou. Excelente show!!! Fábio, conseguiu reter as lágrimas na canção Aos pés da cruz, mas eu não, ainda mais pelo seguinte motivo... ela ofereceu a música para Fábio e eu.

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  2. Fê, o 'show' foi bem além do que relatei. Fantástico! Bjs, Fábio

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  3. Fábio, meu amigo, faltam palavras em seu texto para descrever o talento de Ithamara. "Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é essa menina" que canta e encanta! Digo sem medo de sensacionalismo: É o melhor que já vi, ouvi e senti. E, meu amigo, na companhia de bons e agradáveis amigos ficou perfeito. Adorei! Amei!

    Abração,

    Rodrigo Davel

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  4. Rodrigo, meu querido, obrigado pelas palavras. Ih! Para descrever o talento da Ithamara, faltam muiiiiitas palavras. Até que tento, mas não dou conta. Além de ser extremamente talentosa, ela é muito carinhosa com os fãs. Até conhecer a Ithamara, eu nunca havia chegado tão perto de um artista. É ótimo saber que ela não fica "fazendo a linha prima-dona", distante do público. Abração, Fábio

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