terça-feira, 13 de dezembro de 2011

POETA NOSSA DE TODO DIA





             POETA NOSSA DE TODO DIA
             Por Fábio Brito

            Adélia Prado chegou para mim em uma tarde de novembro de 1985. Uma amiga, com uma revista aberta, acho que Diálogo médico, correu à sala onde eu trabalhava para apresentar o que ela, encantada, havia descoberto: a Reza para as quatro almas de Fernando Pessoa, que está em O coração disparado ["Ninguém se cansa de bondade e avencas / Os rebanhos guardados guardam o homem (...)]". Porque eu já conhecia Pessoa e suas muitas "pessoas", não foi difícil saber a quem nossa Adélia estava se referindo. 
             Pois bem, a partir desse dia, passei a querer todos os livros dessa senhora de Divinópolis. Imediatamente, corri atrás de um livreiro conhecido que, vez ou outra, conseguia um para meu "doce deleite". Eram tempos sem as facilidades que temos hoje. Não havia INTERNET e, embora houvesse mais livrarias físicas, era difícil chegarmos a elas (nem a Vitória íamos com a frequência com que vamos hoje). Por estas bandas, a única livraria que existia ficava superlotada, sim, mas só no início de ano, quando toda a cidade corria "pra" lá à procura dos benditos didáticos. Se havia outros livros além dos didáticos? Alguns. De poesia ou romances? Pouquíssimos! A solução, então, era correr atrás de algum livreiro antenado e com boa vontade.  
            A despeito de todos esses percalços e a despeito, principalmente, do descaso que muitos têm em relação à literatura e, em especial, à poesia, meu amor por Adélia só crescia e se tornava vigoroso, fino, delicado. Não era um amor qualquer. Assim que ela surgiu, entrou, imediatamente, para a lista de minhas escritoras preferidas. Ela, assim como Quintana, Cecília, Rosa e Drummond, por exemplo, conseguiu "tocar no humano" de forma simples e sofisticada ao mesmo tempo. Com Adélia, descobri que a grande sofisticação mora, de fato, na simplicidade. A grande sofisticação "é" a simplicidade. Com ela, descobri que o simples não tem nada a ver com o fácil, com o menor, com o vulgar. Percebi, com ela, que as pessoas não perderam o gosto por alguma eternidade. E bem sei o porquê. Porque Adélia é uma senhora que nos leva até sua cozinha, onde uma mesa com café no bule e pão caseiro quentinho nos esperam para uma conversa entre amigos; porque Adélia é uma senhora que bate com o osso no cantinho do prato "para chamar o cachorro"; porque Adélia é uma senhora que diz que nunca vamos nos curar dos poentes que vimos; porque Adélia é uma senhora que nos diz que o trem de ferro, mesmo sendo "uma coisa mecânica", atravessa nossa vida e vira "só sentimento"; porque Adélia é uma senhora que nos diz que as casas pintadas de alaranjado brilhante estarão "constantemente amanhecendo"; porque Adélia é uma senhora que não se cansa de avencas, de bondades e de humanidades. 
             Antes da Adélia, eu apenas sussurrava alguns textos. Foi ela que, em pouquíssimo tempo, conseguiu transformar sussurros em sinais de orientação. Consegui transformar ideias em opções, em paixões. Tanto que, certa vez, juntei textos e mais textos seus e, sentado em um banquinho com um microfone à minha frente, disse para um grupo de alunos - e, mais tarde, para outras pessoas - muitas belezas da Adélia. "Belezuras" infindas. É claro que se tratava apenas de uma "dizeção" de textos que me tocam profundamente. Disse esses textos com um prazer tão grande, que, até hoje, eles estão guardadinhos. Quando quero revivê-los, basta uma lida, e todos vêm à mente. À mente! Na alma, eles já moram há bastante tempo.  
             Hoje, tenho a certeza de que Adélia, parafraseando alguns versos da letra da canção Navegante (O navegante)*, é o "feminino encanto". Com ela, não faltará a vida quando for preciso. Com ela, não me perderei no percurso do sentir, apesar de todos os desgostos de que a vida se incumbe diariamente. Digo, com alguma autoridade na palavra, que meus livros de "autoajuda" são os da Adélia (e das outras paixões, é claro!). Sempre que preciso, é a eles que recorro. A própria Adélia já disse que "a poesia é salvífica". E salva mesmo!

* “Navegante” (Sidney Miller) – CD “Navegantes” – Zé Renato e Trinadus;
   “O navegante” – CD “Cicatrizes” – MPB 4.



           

7 comentários:

  1. Fábio, meu amigo, eu digo com propriedade que seu amor por Adélia é puro e verdadeiro. Tive a sorte e o prazer de presenciar sua "dizeção" de textos de Adélia, sentado no banquinho com um microfone na mão e emocionando a muitos amantes de poesia. Desde então, Adélia tornou-se, também para mim, uma paixão.

    Abração, meu amigo,

    Rodrigo Davel

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    1. Rodrigo, meu querido "colega de trabalho" (você não é aluno!), fiquei emocionado com suas palavras. Sei que este 'blog' tem poucos leitores, mas eles são especialíssimos.Um abração,

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  2. Olhe só!!! Meu amigo, é comovente saber que conseguimos contagiar alguém com a poesia. Fico muito feliz com isso. Ouvindo/lendo o que você disse, tenho certeza de que meu trabalho não tem sido em vão. Ser só um "dador" de aulas não faz sentido, não é mesmo?
    Abração e obrigado.
    Fábio Brito

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  3. ...é incrível como as suas palavras são miúdas e contagiantes como as de Adélia, tocam na alma... emocionam... você é um servo fiel das miudezas do dia a dia!!!

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    1. Mais uma vez, muito obrigado, Hércules. Você não sabe como é bom ter essa resposta acerca do que escrevemos. Adorei seu comentário. Fiquei numa "metideza" que só vendo. Abração,

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  4. esqueci de assinar: Hércules Campos.

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    1. Valeu, amigo! Volte ao 'blog' sempre que puder. Você sempre será presença honrosa para mim. Obrigado,

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