CUPIM DE FERRO
Lenine / Lúcio Maia / Pupillo / Dengue / Jorge Du Peixe
Eu sei de todo caminho que andei
Sou feito de barro batido e berro
Sempre topei com madeira de lei
A ciência já me fez cupim de ferro
O podre se apodera
A lama fertiliza
O bongo vocifera
O terno viraliza
O coração pondera
quando a razão rivaliza
A vida reverbera
O tempo imortaliza
A dor é passageira
O amor se cristaliza
O coração severa
quando a razão enraíza
Eu sei de todo caminho que andei
Sou feito de barro batido e berro
Sempre topei com madeira de lei
A ciência já me fez cupim de ferro
A turba aterroriza
A hora desespera
A alma suaviza
A carcaça venera
E o coração espera
Quando a terra é movediça
A nuvem satiriza
O céu dessa janela
O olho finaliza
A lente só revela
E o coração numera
Cada batida esquecida
Eu sei de todo caminho que andei
Sou feito de barro batido e berro
Sempre topei com madeira de lei
A ciência já me fez cupim de ferro
ÉTICA,
ALUNO, PROFESSOR...
Por
Fábio Brito
Trabalho como professor desde 1987 (com literatura e língua
portuguesa, desde 1996). E tenho observado, durante todo esse tempo, como,
naturalmente, a chamada “cola” e o chamado “jeitinho” fazem parte da vida de
muitos alunos: ambos, cola e jeitinho, são vistos como algo comum, aceitável,
corriqueiro por muita gente. Muitos alunos, inclusive, contam – orgulhosos de
seu feito – como conseguiram colar em determinadas provas ou como conseguiram
convencer algum professor a “dar-lhe” determinados pontos. No caso da cola, chegam
a narrar detalhes acerca de como conseguiram driblar o “coitado” do professor,
que não deu conta de vigiar todos os alunos da sala.
Pois é aqui que chegamos a um ponto nevrálgico. Estudar, parafraseando
o professor Clóvis de Barros Filho, é um esforço necessário para um bom
desempenho nas avalições. É preciso, então, que o aluno estude, não é mesmo? Deveria
ser. Para muitos, infelizmente, estudar é um esforço plenamente dispensável,
uma vez que eles podem recorrer a meios pouco ortodoxos para que cheguem a um
bom desempenho nas provas. Vão optar, é óbvio, pela cola. Não é difícil
constatar que esses alunos só querem o resultado. Não importam os meios?
Importam, sim, caros alunos. Importam... e muito! Essa lógica do resultado a
qualquer custo – tão disseminada em nossa sociedade – não faz parte do mundo de
certas pessoas. Do meu, principalmente.
Para mim, se o que se pretende é justo e honesto, natural é que se
utilizem meios justos e honestos para que se chegue aonde se pretende chegar.
Dependendo do caminho a ser escolhido, o justo e o honesto podem, perfeitamente,
deixar de sê-lo. Eis um exemplo: um aluno teve várias chances para melhorar sua
média, mas não as aproveitou, ou seja, não se esforçou e estudou o suficiente
para ser aprovado. Quando é chegado o tempo de fechamento das médias, ele,
recorrendo ao “jeitinho”, pergunta o que o professor “pode fazer por ele”, que
ainda precisa de pontos para ser aprovado. O que o professor “pôde” fazer foi
feito. Depois que o professor deu chances e mais chances ao aluno e
disponibilizou materiais atrás dos quais o próprio aluno deveria ter corrido,
ele, o professor, fez até além do que lhe cabia. E o que o aluno pôde fazer,
mas não fez? Vai ser transferido para o professor, caso o aluno consiga
convencê-lo a “dar um jeitinho”. Ou seja, o que era um problema seu o aluno transfere
para o professor. Se você, caro aluno, não “fez sua parte”, é hora de assumir a
reprovação, que, nesse caso, vai ser um bom negócio para você. Vai ser essencial
para seu crescimento, embora vá demorar um pouquinho para você compreender e
aceitar isso.
Pois bem, o jeitinho e a cola são meios “pra” lá de desonestos e
antiéticos! No caso do exemplo a que recorri, o aluno não estava querendo outra
chance, até mesmo porque não havia mais tempo para isso. O que ele queria, de
fato, é que o professor “inventasse” pontos.
Algumas pessoas até chegam a chamar isso de “pontos extras”, que, não
nos assustemos, existem na “cartilha” de alguns professores paternalistas, que
ainda não sabem que paternalismo não faz – e nunca fez – ninguém crescer.
Criança mimada - seja no ensino fundamental, seja no superior – precisa crescer,
mas ela nunca vai crescer enquanto houver uma mãozinha qualquer alisando seus
cabelos. Crescer dói. O resultado a que esse aluno queria chegar, a qualquer
custo, não ia tornar justo o caminho que ele escolheu.
Voltemos à questão da cola, que merece um texto à parte. Quer acabar
com a “indústria da cola”, professor? É só preparar avaliações que exijam estudo
e processamento mental dos alunos. Mais nada! Com muita tranquilidade, posso
afirmar que não ajudo a fomentar essa “indústria” perversa, uma vez que minhas avaliações
exigem que o aluno estude. Em muitas das atividades que apliquei, pôde haver consulta
ao material, mas, ao fazê-lo, os alunos depararam com um problema: as respostas
não estavam às claras, na superfície. Eles tinham de ter “estudado”. Mais nada.
As respostas não estavam, à semelhança do que ocorre com muitos didáticos, em
pontos específicos do material teórico. Em muitos didáticos, já vi o seguinte:
uma (ou várias) das atividades visava à “interpretação” de determinado texto.
Para que ocorresse essa “interpretação”, diversas perguntas acompanhavam o
texto. E olhe a pérola: a resposta à primeira questão estava no primeiro
parágrafo; a resposta à segunda questão, no segundo... e assim sucessivamente.
Alguém, por acaso, pode crescer assim? Prossigamos!
O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um
homem prático é a ausência de sensibilidade. A qualidade principal na prática
da vida é aquela qualidade que conduz à acção, isto é, a vontade. Ora há duas
coisas que estorvam a acção – a sensibilidade e o pensamento analítico, que não
é, afinal, mais que o pensamento com sensibilidade. Toda a acção é, por sua
natureza, a projecção da personalidade sobre o mundo externo, e como o mundo
externo é em grande e principal parte composto por entes humanos, segue que
essa projecção da personalidade é essencialmente o atravessarmo-nos no caminho
alheio, o estorvar, ferir e esmagar os outros, conforme o nosso modo de agir.
Para agir é, pois, preciso que nos não figuremos com facilidade as
personalidades alheias, as suas dores e alegrias. Quem simpatiza para. O homem
de acção considera o mundo externo como composto exclusivamente de matéria
inerte – ou inerte em si mesma, como uma pedra sobre que passa ou que afasta do
caminho; ou inerte como um ente humano que, porque não lhe pôde resistir; tanto
faz que fosse homem como pedra, pois, como à pedra, ou se afastou ou se passou
por cima.
O exemplo máximo do homem prático, porque reúne a extrema
concentração da acção com a sua extrema importância, é a do estratégico. Toda a
vida é guerra, e a batalha é, pois, a síntese da vida. Ora o estratégico é um
homem que joga com vidas como o jogador de xadrez com peças do jogo. Que seria
do estratégico se pensasse que cada lance do seu jogo põe noite em mil lares e
mágoa em três mil corações? Que seria do mundo se fôssemos humanos? Se o homem
sentisse deveras, não haveria civilização. A arte serve de fuga para a
sensibilidade que a acção teve que esquecer. A arte é a Gata Borralheira, que
ficou em casa porque teve que ser.
Todo homem de acção é essencialmente animado e optimista porque quem
não sente é feliz. Conhece-se um homem de acção por nunca estar mal disposto.
Quem trabalha embora esteja mal disposto é um subsidiário da acção; pode ser na
vida, na grande generalidade da vida, um guarda-livros, como eu sou na
particularidade dela. O que não pode ser é um regente de coisas ou de homens. À
regência pertence a insensibilidade. Governa quem é alegre porque para ser
triste é preciso sentir.
O patrão Vasques fez hoje um negócio em que arruinou um indivíduo
doente e a família. Enquanto fez o negócio esqueceu por completo que esse
indivíduo existia, excepto como parte contrária comercial. Feito o negócio,
veio-lhe [25r] a sensibilidade. Só depois, é claro, pois, se viesse antes, o
negócio nunca se faria. “Tenho pena do tipo”, disse-me ele. “Vai ficar na
miséria”. Depois, acendendo o charuto, acrescentou: “Em todo o caso, se ele
precisar qualquer coisa de mim” – entendendo-se, qualquer esmola – “eu não
esqueço que lhe devo um bom negócio e umas dezenas de contos”.
O patrão Vasques não é um bandido: é um homem de acção. O que perdeu
o lance neste jogo pode, de facto, pois o patrão Vasques é um homem generoso,
contar com a esmola dele no futuro.
Como o patrão Vasques são todos os homens de acção – chefes
industriais e comerciais, políticos, homens de guerra, idealistas religiosos e
sociais, grandes poetas e grandes artistas, mulheres formosas, crianças que
fazem o que querem. Manda quem não sente. Vence quem pensa só o que precisa
para vencer. O resto, que é a vaga humanidade geral, amorfa, sensível,
imaginativa e frágil, é não mais que o pano de fundo contra o qual se destacam
estas figuras da cena até que a peça de fantoches acabe, o fundo chato de
quadrados sobre o qual se erguem as peças de xadrez até que as guarde o Grande
Jogador que, iludindo a reportagem¹
com uma dupla personalidade, joga, entretendo-se, sempre contra si mesmo.
¹ Variante: iludindo-se
Bernardo Soares, semi-heterônimo de Fernando
Pessoa (“Livro(s) do desassossego”)
"Cada vez se torna mais claro, para mim, que a
ética deve dominar a razão."
"Se decidíssemos aplicar uma velha frase da
sabedoria popular, provavelmente resolveríamos todas as questões deste mundo:
'Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti'. Que pode ser dito de
maneira mais positiva: 'Faz aos outros o que quiseres que te façam a ti'.
Creio que todas
as éticas do mundo, todos os tratos de moral e códigos de comportamento se
contêm nestas frases."
"Nem a arte nem a literatura têm que nos dar
lições de moral. Nós é que temos que nos salvar, e isso só é possível com uma
postura cidadã ética, embora possa soar antigo e anacrônico."
"Percebi, nestes últimos anos, que ando
procurando uma formulação da ética: quero exprimir, através dos meus livros, um
sentimento ético da existência, e quero exprimi-lo literariamente."
"Cada vez me interessa menos falar de literatura
e cada vez mais de questões como a ética - pessoal ou coletiva."
"O que faz falta é uma 'insurreição ética'. Não
uma insurreição das armas, mas ética, que deixe bem claro que isto não pode
continuar. Não se pode viver como estamos vivendo, condenando três quartas
partes da humanidade à miséria, à fome, à doença, como desprezo total pela dignidade
humana. Tudo isso para quê? Para servir à ambição de uns poucos. Não sou nem
pregador, nem profeta, nem messias, apesar de ter escrito 'O Evangelho segundo
Jesus Cristo...' Só falo de evidências, de coisas que estão à vista de todos. E
sei que tenho razão."
"Em nome da ética, e muito mais da ética
revolucionária, se fizeram coisas pouco éticas. (...)"
"A ética de que falo é uma pequena coisa laica,
para uso na relação com os outros. Passa por essa coisa tão simples quanto o
respeito, só isso. Portanto, se mais tarde, pelas circunstâncias, a revolução
finalmente fosse necessária, então a faríamos. Mas deixemos a revolução para
mais tarde e comecemos pelas pequenas coisas que podemos fazer sem revolução.
Essas coisas pequenas podem ter consequências fortes e intensas como as
revoluções, que não duram. "
José Saramago, escritor português
Queridíssimo mestre amigo...estou super contente e emocionado pela leitura deste primeiro texto de 2017... e mais um primoroso de sua brilhante autoria, "comme d'habitude". Considero, com convicção íntima , a profissão de professor como a mais nobre e digna de todas, afinal, o crescimento intelectual ou a evolução de um povo, assim como todas as demais profissões, requerem ou necessitam de mestres, claro. E você, sem desmerecer os demais professores, ensina o mais essencial, na minha modesta conceituação: literatura e língua portuguesa. Bravo! E repito: adoraria ter sido seu aluno, antes mesmo de ter lido esta postagem com a qual concordo ampla, geral e irrestritamente. Destaco:"Essa lógica do resultado a qualquer custo – tão disseminada em nossa sociedade", deu no que deu e pelos resultados em quase todos os níveis, "deu com os burros n'água', para quem é bom observador, pelo menos. O próprio neoliberalismo usa desta perversa ou estapafúrdia lógica e a crise é só a faceta mais evidente do fracasso econômico, por conta e risco deste diabólico pensamento único.No excelente livro " O horror econômico", de 1997, a ensaísta francesa, Viviane Forrester faz o balanço da atual crise global do trabalho. Para Forrester, dentre inúmeras denúncias ou críticidades de absoluto bom senso, profundo conhecimento, e com inteligência fulgurante, o quadro de crise demonstra uma das verdades maiores do capitalismo pós-industrial: a nova estrutura de produção, presente tanto nos países centrais quanto nos periféricos, não proverá emprego para a população ativa. Alguém ainda tem dúvida de que o desemprego só tenderá a aumentar, elevando-se à 'pentelhésima" rs potência, com homens sendo substituídos compulsória e ininterruptamente por máquinas? Isso nos coloca diante de um impasse. Os problemas implicados por essa realidade econômica aparecem como um drama moral que questiona o próprio projeto civilizatório da modernidade. É a tal lógica dos resultados a qualquer custo para favorecer os biliardários mais espertos, digamos assim.O texto do grande Saramago é uma jóia rara de lucidez.Amei. Mas o que gostaria mesmo de deixar claro é meu amor por esta sua nobilíssima profissão e, também, pela língua portuguesa. Escolhi, para homenageá-lo (sou seu admirador "number one"), um texto seminal da enfeitiçante e magistral Clarice Lispector . Porém, antes, deixo meu caloroso abraço.
ResponderExcluirDeclaração de amor à Língua Portuguesa
Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la – como gostava de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.
Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar para sempre uma herança da língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.
Querido Marcos, ou melhor, queridíssimo Marcos: que prazer começar o ano lendo seu comentário, que é "pra" lá de lúcido. Muito obrigado por tudo, viu? Obrigado pela referência a Viviane Forrester. Pois é, meu amigo, "ventos neoliberais" vão ao encontro - e como vão! - dessa lógica perversa do resultado a qualquer custo. Sobre ser professor de língua e de literatura, também concordo plenamente com você: são disciplinas essenciais, fundamentais. Sem elas, nada vale, não é mesmo? Meu aluno? Você seria, como eu já disse, colega de trabalho. E que colega! Ah, Clarice! Amo essa escritora. Outro dia, tive saudade de reler fragmentos de "Clarice,", do Benjamin Moser. E que "Declaração de amor à língua portuguesa"! Um beijo imenso. Admiro-o muito.
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