quinta-feira, 30 de junho de 2011

EM 'CAIXINHAS'



Se, em vez de meros "papagaios de realejo", muitos professores ajudassem a formar "seres pensantes", o mundo estaria bem melhor. 

LITTLE BOXES
Malvina Reynolds / Versão: Nara Leão

Uma caixa bem na praça
Uma caixa bem quadradinha
Uma caixa, outra caixa
Todas elas iguaizinhas

Uma verde, outra rosa
E uma bem amarelinha
Todas elas feitas de tic tac
Todas elas iguaizinhas

As pessoas nessas casas
Vão todas pra universidade
Onde entram em caixinhas
Quadradinhas
iguaizinhas


Saem doutores, advogados
Banqueiros de bons negócios
Todos eles feitos de tic tac
Todos, todos iguaizinhos

Jogam golf, jogam pólo
Bebendo um bom martini dry
Todos têm lindos filhinhos
Com netinhos engomadinhos

As crianças vão pra escola
Depois pra universidade
Onde entram em caixinhas
E
saem todas iguaizinhas


Os rapazes ficam ricos
E formam uma família
Todos eles em caixinhas
Em
casinhas iguaizinhas


Uma verde, outra rosa
E outra bem amarelinha
E são todas feitas de tic tac
Todas, todas iguaizinhas

QUALIDADES DO PROFESSOR
Se há uma criatura que tenha necessidade de formar e manter constantemente firme uma personalidade segura e complexa, essa é o professor.
Destinado a pôr-se em contato com a infância e a adolescência, nas suas mais várias e incoerentes modalidades, tendo de compreender as inquietações da criança e do jovem, para bem os orientar e satisfazer sua vida, deve ser também um contínuo aperfeiçoamento, uma concentração permanente de energias que sirvam de base e assegurem a sua possibilidade, variando sobre si mesmo, chegar a apreender cada fenômeno circunstante, conciliando todos os desacordos aparentes, todas as variações humanas nessa visão total indispensável aos educadores.
É, certamente, uma grande obra chegar a consolidar-se numa personalidade assim. Ser ao mesmo tempo um resultado — como todos somos — da época, do meio, da família, com características próprias, enérgicas, pessoais, e poder ser o que é cada aluno, descer à sua alma, feita de mil complexidades, também, para se poder pôr em contato com ela, e estimular-lhe o poder vital e a capacidade de evolução.
E ter o coração para se emocionar diante de cada temperamento.
E ter imaginação para sugerir.
E ter conhecimentos para enriquecer os caminhos transitados.
E saber ir e vir em redor desse mistério que existe em cada criatura, fornecendo-lhe cores luminosas para se definir, vibratilidades ardentes para se manifestar, força profunda para se erguer até o máximo, sem vacilações nem perigos. Saber ser poeta para inspirar. Quando a mocidade procura um rumo para a sua vida, leva consigo, no mais íntimo do peito, um exemplo guardado, que lhe serve de ideal.
Quantas vezes, entre esse ideal e o professor, se abrem enormes precipícios, de onde se originam os mais tristes desenganos e as dúvidas mais dolorosas!
Como seria admirável se o professor pudesse ser tão perfeito que constituísse, ele mesmo, o exemplo amado de seus alunos!
E, depois de ter vivido diante dos seus olhos, dirigindo uma classe, pudesse morar para sempre na sua vida, orientando-a e fortalecendo-a com a inesgotável fecundidade da sua recordação.

MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação v. 3. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, 262 pp.

PROFESSOR NOTA ZERO

Dos 214 mil professores que se submeteram à prova da Secretaria Estadual da Educação de São Paulo, 3.000 tiraram zero: não acertaram uma única questão sobre a matéria que dão ou deveriam dar em sala de aula. Apenas 111, o que é estatisticamente irrelevante, tiraram nota dez. Os números finais ainda não foram tabulados, mas recebo a informação que pelo menos metade dos professores ficaria abaixo de cinco. Essa prova tocou no coração do problema do ensino no Brasil, o resto é detalhe.
Como esperar que um aluno de um professor que tira nota ruim ou mediana possa ter bom desempenho? Impossível. Se fosse para levar a sério a educação, provas desse tipo deveriam ser periódicas em toda a rede (assim como os alunos também são submetidos a provas). Quem não passasse deveria ser afastado para receber um curso de capacitação para tentar se habilitar a voltar para a escola.
A obrigação do poder público é divulgar as listas com as notas para que os pais saibam na mão de quem estão seus filhos. Mas a culpa, vamos reconhecer, não é só do professor. O maior culpado é o poder público que oferece baixos salários e das universidades que não conseguem preparar os docentes. Para completar, os sindicatos preferem proteger a mediocridade e se recusam a apoiar medidas que valorizem o mérito.
O grande desafio brasileiro é atrair os talentos para as escolas públicas - sem isso, seremos sempre uma democracia capenga. Pelo número de professores reprovados na prova, vemos como essa meta está distante.

DIMENSTEIN, Gilberto.
08/02/2009 – Folha Online

CULTURA É A MÃE!
Elisa Lucinda
Estou certa de que muitos jovens abandonam a escola porque não acham nenhuma graça nem serventia no conteúdo geral dela. Fundamentada no espírito competitivo, a escola está longe de ser um lugar agradável para muitos. Metade de nossos jovens em idade de treze a quinze anos está fora do ensino médio. Por quê?
Na escola estão as grades, as curriculares inclusive, aonde (sic) o aluno tem um ano para caber naquele esquema de seleção. Só que cada um é um. É perigoso criar rótulos de: o reprovado, o bagunceiro, o impossível, o respondão. Muitas vezes, quem começa a discriminação é quem deveria ensinar a não se ter discriminação.
Mas o professor também está despreparado, foi sacaneado na sala de aula e agora vem dar o troco, como fazem os que estão nas entidades mais fechadas, cuja forte hierarquia pode gerar alguns esquemas sadomasoquistas de convivência. Por isso tem professor que dá zero na turma inteira, punitivamente, sem nem desconfiar que essa também é sua nota. Ora, se foi contratado pra ensinar e uma turma inteira está sem saber, isso revela o seu fracasso, o péssimo desempenho de uma bela experiência chamada aula.
Dou aula. Adoro. E como conheço outros apaixonados que, quando entram em sala, nem eles nem alunos veem o tempo passar, sei de ótimos mestres que não merecem esta minha crítica. O aluno, por sua vez, não entende porque raramente lhe é explicado que estudar serve para a vida e é para isto; para melhorarmos o mundo e entendermos melhor nosso papel nele.
E mais, aproveitamos as descobertas das ciências para viver logisticamente melhor neste mundo. Par isso, Geografia e História têm que se entender como matérias complementares. Não há como estudar uma geografia sem considerar sua gente, que agirá de acordo com seu clima e comerá de acordo com sua vegetação e, nessas bases concretas, muito de sua abstração é construído: seus mitos, seus ritos, as histórias inconscientes e conscientes de um lugar fazem aquela matéria.
Tudo só existe relacionado, e aí é maior do que parece. Na verdadeira democracia do saber, quem faz essa costura melhor do que ninguém é a cultura. É ela quem faz o link. A nova escola está começando a perceber que, para estudar o Nordeste, pouca coisa pode ser mais didática do que a literatura de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos; mas ainda temos seu Guimarães Rosa e mais os cordéis todos, que nos levam ao colo do mais ardente sertão, contanto e cantando a história que, aí, em vez de se fixar na base da decoreba, se fixa nas bases da emoção.
Ainda não usamos a arte como prevenção, mas já entendemos que ela salva. Por isso, ela é quem estava primeiro a receber, na triste volta à escola, os alunos traumatizados da chacina de Realengo. Quem se não a arte para receber esses pequenos e restaurá-los? Pois lhe digo que, onde tudo falha, a arte pode ser estrela, rainha, mãe e guia. Poesia, música, dança, canto e teatro têm que estar na sala de aula, ser currículo. Arte é cultura, dupla face materna de um cidadão. Essa mãe desejo a todos. Órfãos ou não
A GAZETA Vitória (ES), domingo, 8 de maio de 2011

2 comentários:

  1. Meu caro amigo Fábio. Não é nem nunca foi pretensão das cúpulas formar seres pensantes, cultos, autónomos, conhecedores e viventes de plenos direitos. Se fosse nas escolas começavam a aprender a pensar com filosofia.
    Um grande abraço.

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  2. Obrigado, amigo, pelos comentários sempre precisos.
    Abraços, Fábio

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