quinta-feira, 21 de abril de 2011

A FALTA DE RESPEITO GRASSA POR AÍ

Fábio Brito

Constantemente, tenho dito que meu ‘sonho de consumo’ é uma ‘Casa no Campo’, semelhante à descrita na letra da conhecida canção de Zé Rodrix / Tavito e imortalizada por Elis Regina: “(...) Eu quero uma casa no campo / Do tamanho ideal, pau a pique e sapê / Onde eu possa plantar meus amigos, / meus discos e livros e nada mais”.  E ouso completar: onde eu possa dormir bem cedo e acordar com os galos tecendo muitas manhãs. Onde haja muito verde e muita água de cachoeira. Onde eu possa fugir da neurose das grandes cidades ou “metidas a”. Onde eu possa ficar bem longe do desrespeito que grassa por aí. E esse desrespeito não se refere apenas a pequenos e isolados gestos. Ele vem ganhando mais e mais espaços a cada dia. Desrespeitar virou palavra de ordem, imperativa. Virou regra. Nesse cenário desumano, respeitar parece pieguice, cafonice e tantas outras ‘ices’.
É triste, por exemplo, observar um deficiente físico tentando, com sua cadeira de rodas, descer de uma calçada e ter de andar bons trechos até encontrar uma rampa. E o pior é que as barreiras não são só ‘arquitetônicas’, mas têm a ver com atitudes também. Não raro, encontramos deficientes carecendo de ajuda... e nada. Ninguém se prontifica. Parece delírio. Quando ajudar alguém estiver ‘na moda’, certamente muita gente se prontificará. Não tenho dúvidas quanto a isso. Por enquanto, ser sinceramente solidário é algo “démodé”, que está fora do circuito da moda e, por conseguinte, do consumo.
O desrespeito é visível em muitas situações, em muitos lugares, em muitos ambientes. Ações desrespeitosas são constatadas a todo o instante. No trânsito, por exemplo, elas existem aos borbotões. Tenho até engulhos quando penso nisso. Trânsito virou ‘terra de ninguém’. Os motoristas fazem o que querem. Quando não criam suas próprias leis, cumprem à risca ‘as’ “do cão, da selva e de Gérson”, principalmente esta última, que, há alguns anos, vem soprando aos quatro ventos a ideia de que as pessoas devem ‘levar vantagem em tudo’. E o outro? Dane-se! É óbvio. O outro é sempre o inimigo, o que deve ser prejudicado. “Ninguém manda ser idiota” é o que ouço à exaustão por aí. Pois é, quem respeita é o idiota, o imbecil, o que merece ser passado para trás mesmo. O “esperto”, ou “ixxxperto”, deve ser louvado. No mundo, não há lugar ou perdão para os gentis, para os “fracos”. Quem dirige pensando também no outro é constantemente achincalhado.
Não resisto a listar algumas situações ‘de trânsito’ – extremamente desrespeitosas - por que passamos todos os dias: carros parando em cruzamentos e bloqueando a passagem de outros; motoristas falando ao celular, irritando outros e cometendo infrações; calçadas sendo transformadas em estacionamentos; veículos (muitos!) que não param para os pedestres atravessarem ‘na faixa’; ‘motoqueiros’ que não respeitam ninguém; ultrapassagens indevidas nas estradas; carros com som en-sur-de-ce-do-r a qualquer hora e muito mais. Se alguém quiser, pode listar mais algumas. Entretanto, não se assuste se a lista parecer inesgotável.
Em todas essas manifestações de falta de respeito, só sei que não há lugar para a delicadeza. Um mundo mais delicado seria, certamente, um mundo mais gentil, mais ‘respeitador’, mais elegante. Bem disse Nélida Piñon em seu “Coração Andarilho”: “Minha mãe era delicada, meu pai também. Nasci de uma estirpe gentil, empenhada em embelezar o cotidiano”. E o cotidiano que está aí é árido, triste e desolador. Dá vontade de fugir para um rancho bem fundo, bem ‘pra’ lá do fim do mundo... mas sem nada que possa contar “coisas’ da cidade. É isolamento mesmo. No redemoinho desse cotidiano de neuroses e mais neuroses, devo confessar que uma vida de isolamento é tentadora. Vamos fugir? Talvez o mundo tenha salvação. A despeito de tudo, continuo acreditando, recorrendo a uma expressão de Chico Buarque, em um ‘tempo da delicadeza’. Continuo acreditando em tempos sensíveis e mais humanos, mesmo que muitos torçam o nariz.


Nenhum comentário:

Postar um comentário