sábado, 23 de abril de 2011

ZÉ NA MARGEM

A prosa mais que poética de Noll...

João Gilberto Noll

Ficava gemendo na beira do rio. Um gemido que só ele próprio ouvia, se tanto. “Por quê?”, indagariam se pudessem escutar. Mas ninguém perguntava nada àquele homem que ordenhava no escuro do estábulo. E que lá mesmo dormia. Para ele, gemer nas margens da correnteza era tão natural quanto olhar a igreja na praça. Via pessoas limpando, varrendo. Pareciam querer espelhar os ambientes no prateado do rio. Entrou na água como se procurasse interromper a mania de olhar. Veio uma coisa mais pesada do que nuvem. A pálpebra da lua. Que desceu.

Folha de S.Paulo, 25-11-99 (“Relâmpagos”)

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