quinta-feira, 21 de abril de 2011

PERNAS E CABEÇAS 'CORTADAS'

 
Fábio Brito


Parafraseando Paulinho da Viola, digo que o passado está em mim, embora eu não viva ‘nele’. E alguns itens de um passado não muito distante vêm à memória constantemente, como os discos de vinil e as ‘câmeras’ fotográficas analógicas, objetos que ainda têm seu lugar. Quem ainda os tem? Pouca gente.
Quanto às ‘câmeras’, em especial, ficou fácil à beça manuseá-las. Mais fácil ainda comprá-las. No entanto, confesso que tenho sentido saudades de “pernas e cabeças cortadas”. Tenho sentido saudades da surpresa, principalmente. Houve um tempo em que, até o momento de o filme ser revelado, a imaginação viajava: como será que as fotos ficaram? Cortamos cabeças e pernas? Não “centralizamos” direito? Será que alguém deixou de fazer essas perguntas? Duvido! Eu mesmo, e por diversas vezes, corri à loja com uma euforia que só vendo. Lá, abria o envelope para ver as fotos. Eu não queria esperar o momento de chegar a casa. Demoraria muito para eu ver o resultado de meu trabalho de fotógrafo amador, mas apaixonado pela surpresa, pela expectativa, pelo momento de ver as fotos.
Outro instante de puro prazer era pôr as fotos naquele ‘álbum’ bem simples que nos davam na própria loja. Com cuidado, escolhia as mais bonitas para que fossem as primeiras. E o melhor: eram fotos que ouso chamar de reais. Nada de “photoshop”. Nada de quaisquer mecanismos que pudessem falsear a realidade. O belo era o belo mesmo, sem falseamento, sem retoques. Hoje, tudo é belo. Todas as pessoas são belas. Vejo fotos que, de tão “photoshopadas”, ficaram inacreditáveis. Será que não dá para ‘maneirar’ um pouquinho nesses tais retoques?
Nesse tom de saudosismo, nesse universo de máquinas analógicas e fotos reveladas, eis que surge outro objeto que, para alguns, nunca deixou de ser cultuado: o disco de vinil. Muitos (sou um deles) nunca o abandonaram. Não o venderam por bagatela. Não o expuseram nas calçadas de grandes e pequenas cidades. Em ‘sebos’, eles resistem bravamente. Vez ou outra, encontro uma raridade. Entre os argumentos a favor do vinil, muitos alegam a fidelidade do som. E entre todas as vantagens do ‘bolachão’, como se dizia há um tempo, a que reina absoluta para mim é o trabalho artístico. Da capa ao encarte, era/é tudo um luxo só.
Quando surgiram, os CDs chegaram com certa ‘timidez’, uma vez que os LPs ainda estavam no mercado. Naquele tempo, fim da década de oitenta e início da de noventa (por aí...), cheguei a comprar o CD e o LP de um mesmo ‘lançamento’. Eu tinha a sensação de que, comprando apenas o CD, não estava comprando o disco. Que maluquice! Mas era essa a sensação que eu tinha. A pobreza tátil do CD, aquela ‘coisinha’ atarracada que mal eu conseguia segurar, não me satisfazia. Por isso... a compra dos dois. Aos poucos, obviamente, fui ficando amiguinho do CD. A tal “coisinha” atarracada foi ganhando minha simpatia. Mesmo assim, o LP continua sendo o número um.
Nos áureos tempos dos LPs, eu não os comprava com a intensidade com que, hoje, compro CDs. Mesmo assim, comprei muitos. Era, e ainda o é, muito bonito vê-los em uma estante (ou em um armário). Sem saudade piegas, desconfio de que os vinis eram mais ouvidos. De tanto ouvi-los, cheguei a decorar as letras de todas as faixas de vários discos, o que não acontece na era CD. Hoje, nem CDs as pessoas compram. Baixam as músicas na NET. Muitos alegam que a qualidade do som não é a mesma. Não me meto nessa questão. Saio de leigo dessa história.
Só sei que, para mim, ouvir um disco é um ritual: folheio todo o encarte (das letras às informações menos relevantes). “Ouvir um disco” não é simplesmente ouvir as músicas. É participar avidamente desse ritual de que falei. Ouvir um disco de vinil, então, é mais do que um ritual. Muitos têm seus encartes manchados pelo tempo. São manchas indeléveis. Nem mesmo o tempo, esse monstro que sai engolindo tudo, conseguirá apagá-las.

Um comentário:

  1. Ei, Fábio, bem-vindo à blogosfera, à esfera da atuação na vida via internet.

    Bem, quase não compro mais CDs, não vou a shows, não escuto MP3, não baixo nada na internet. Hoje os sites disponibilizam a possibilidade de escutar a música sem baixar. Mas é que escuto pouco música, tudo em mim parece caminhar para a economia, menos a poesia, menos a escrita. Por isso também abri um blog, e ele é um pouco o que o Bandeira fala: "Uns tomam éter, outros cocaína..." Eu tomo poesia.

    http://thmari.blogspot.com/

    Meu blog tem me dado muitas alegrias. Beijos!

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