terça-feira, 26 de abril de 2011

NÃO É SÓ PARIR

            
            Fábio Brito
Para minha mãe e minha amiga Graça Freire, mães presentes, sensatas e amorosíssimas.

Quando pequeno, nas escolas, sempre que tínhamos de preparar alguma atividade para homenagear as mães, era quase impossível alguém não aparecer com o último verso do poema “Ser mãe”, de Coelho Neto: “Ser mãe é padecer num paraíso”. Naquela não tão distante década de 70, esse poeta era presença garantida nas escolas, principalmente no ‘Dia das Mães’.
E por falar em Coelho Neto e, em especial, no poema citado, Torquato Neto, em 1968, escreve a letra de “Mamãe, coragem”, musicada por Caetano Veloso e gravada por Gal Costa no antológico “Tropicália ou panis et circensis”. Torquato toma emprestada a definição de Coelho Neto, “Ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração”, mas acrescenta “dos filhos”. Em toda a letra, nosso poeta piauiense e do mundo acaba, de certa forma, desmitificando a imagem da mãe, um dos ícones mais sagrados e respeitados da sociedade.
            Será que, hoje, ainda resiste a figura da mãe mitificada? Sempre digo que as mães, por mais amorosas e preocupadas que sejam, não estão em um altar. E é muito bom - para elas, inclusive – que sejam vistas assim, como figuras humanas. Caso contrário, até assexuadas passam a ser, como algumas que todos conhecemos: uns verdadeiros seres extraterrestres. O detalhe mais cruel é que muitos filhos (filhos, filhos!) não suportam a ideia da mãe ‘sexualizada’. Para muitos, mãe pertence a outra ‘categoria’, a do surreal. É mais ou menos assim: passou a ser mãe, tudo o mais deixou de existir, o sexo principalmente. Que crueldade, não?!
Pois bem, se as mães não podem – ou não devem – ser vistas como não humanas, que tal pensarmos no seguinte: nem sempre elas têm razão, nem sempre estão corretas em tudo, nem sempre são ponderadas, nem sempre, nem sempre... Pausa: não estou desconsiderando a ‘intuição’, que parece estar no DNA de todas e é algo fortíssimo. Ih! Quem sou eu para ‘me’ meter nessa pequena área.
            Para todas as mães, independentemente de rótulos e catalogações e por mais ‘voz geral corrente’ que pareça, não deve estar nada fácil pôr filho neste mundo que temos aí. Fico pensando nas mães de muitos “guris” com quem convivemos, em quem esbarramos em muitos lugares. Na letra da canção “O meu guri”, de Chico Buarque, fica claro que o sentimento da mãe esconde, de maneira consciente ou não, que seu “rebento” é um delinquente, um ‘marginal’, como muitos dizem. A mãe, por sua vez, não vê – ou não quer ver – o que todos enxergam. Fica evidente que o sentimento de amor materno é soberano, está acima de tudo: “Chega suado e veloz do batente / E traz sempre um presente pra me encabular / tanta corrente de ouro, seu moço / Que haja pescoço pra enfiar / Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro / Chave, caderneta, terço e patuá / Um lenço e uma penca de documentos / Pra finalmente eu me identificar (...).” Sempre que, na TV, por exemplo, interrogam a mãe de algum delinquente, a resposta, invariavelmente, é esta: “Meu filho não! O amigo dele, sim, é ‘errado’”. Ou seja, os delinquentes não têm mãe. O bandido é sempre o amigo do filho.  
            Se o amor materno é soberano, mãe não dorme. Sempre ouvi isso. E não dorme mesmo. Adélia Prado é categórica: “Há os sobressaltos, sim, as horas turvas da noite, quando se pode acordar com os passos felinos de alguém seguindo nossa filha, nosso rapaz pelas esquinas do mundo”. Quando os rebentos crescem, é bobagem pensar, como diz minha mãe, que as preocupações cessam. Só aumentam. Entretanto, é bom lembrar que nem todas as mães são amorosas e preocupadas.
            Fiquemos, pois, com as amorosas. Muitas são possessivas, não? Assim, é difícil imaginar ‘onde termina a mãe e começa o filho’. Aos pouquinhos, insidiosamente, elas vão levando a mudança “lá para dentro” dos filhos: um dia, jogam um sapato; noutro, uma peça de roupa. De repente, instalaram-se lá para sempre. Passaram a morar definitivamente dentro dos filhos. Por mais que a justificativa seja o ‘amor imensurável’ e incondicional, ambos saíram perdendo nessa história, porque deixaram de ter vida própria. Está parecendo filosofia barata, não está? “Né” não. É ‘coisa’ que muitos vivenciam...
























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