quinta-feira, 21 de abril de 2011

TODO O MUNDO 'POSSUI'

           Fábio Brito

Por favor, “levante a mão” quem nunca empregou o verbo “possuir” em algum texto. Ninguém a levantará, não é mesmo?! Mais cedo ou mais tarde, todos acabam empregando esse bendito verbo, que, feito ímã, atrai as pessoas. E que atração é essa? É aquela que todas as “palavras-ônibus” têm, lógico! Essas palavrinhas, as “ônibus”, não foram catalogadas assim por este professor aqui, o que é uma pena. Bem que eu gostaria de ser o “pai dessa criança”. Paciência! Criei, sim, um sinônimo de que me orgulho: “palavra-carrapicho”. Gruda mesmo! E causa irritação na pele... e na alma (de quem lê, é claro!).
“Palavra-ônibus”, ou “carrapicho”, é, para quem não sabe, aquela que serve para tudo, que carrega tudo, que vive grudada no “cérebro” (ou seja lá no que for) de quem a criou. É uma criatura com vida longa. Diante da limitação vocabular de que muitos padecem (olhe a falta de leitura aí, gente!), elas surgem como a salvação. E porque são vistas assim, acabam transformadas no oxigênio de muitos. Sem elas, ninguém vive, ninguém escreve, ninguém respira. Instalado, pois, está o vício. Livrar-se dele é necessário.    
Já era antiga minha irritação com esse verbo, o “possuir”, quando deparei com o texto “A febre de possuir”, de Marcos Bagno. Pronto! Minh’alma estava lavada, quarada e enxaguada. Nosso famoso professor/linguista disse quase tudo – porque ainda sobrou espaço para eu reclamar - o que eu queria dizer. E vamos aos protestos!
Não sei por que razões as pessoas, em vez de empregarem o velho e simples “ter”, optam pelo pseudochique “possuir”. Devem achá-lo mais chique mesmo, daí seu emprego abusivo. No entanto, acho mesmo que muitos evitam o “ter” porque confundem as “coisas”. Ensina-se (e está correto) que, na variante culta da língua, o verbo “ter” não deve ser empregado como impessoal (em lugar de “haver”, por exemplo). No entanto, na oralidade, construções como esta são mais do que aceitas: “Tem alguém aí na sala?”. Com medo de empregar o “ter”, muitos o baniram de vez. Talvez o “possuir” tenha nascido dessa brecha.
E nesse banimento do “ter” muitos embarcaram, inclusive escritores, jornalistas, letristas e “mortais comuns”. Só para ilustrar: há pouco tempo, li uma biografia com pouco mais de duzentas páginas e com vinte e seis empregos abusivos do “possuir”. É... tive o trabalho de contar. Todos, sem exceção, poderiam ter sido substituídos pelo “ter”. Por que o escritor não o fez? Por que o revisor não viu? Vai saber! Já sei! Todos estavam queimando de febre... a “febre de possuir”.
É claro que, neste ponto do texto, alguém deve estar irritado com minha ranzinzice. Sem problemas. Não raro, os implicantes são aqueles que vão à caça de detalhes, de pormenores, de caquinhos. Já ouviu dizer que, com caquinhos, fazem-se vitrais maravilhosos? São os implicantes, os ranzinzas que levantam pontos para discussão. São os que discutem, protestam. Devido à minha perseguição ao “possuir”, muitos vão, com certeza, aos dicionários. Podem ir! Encontrarão, sim, o bendito “possuir” como sinônimo de “ter”. E daí? O problema não cessa. Sabe por quê? Porque o grande mal não é o emprego em si do tal verbo, mas o excesso de seu emprego. Tudo em demasia enche o saco, intoxica, esgota, faz mal, mata.
É bom mesmo que procurem dicionários. Ótimo! Eis aí o pai das pessoas sensatas e inteligentes. Mas, principalmente, corram atrás de livros. Corram atrás, principalmente, de literatura de boa qualidade. É isso mesmo! Leiam, leiam, leiam bastante. Leiam os bons escritores. Leiam a boa literatura. Assim, a indigência vocabular chega ao fim. Assim, as pessoas se cansam do “possuir” e de tantos outros que já estão mais do que gastos, como “colocar” e “visualizar”. Estou cansado de gente que, com um vocabulário de cinquenta palavras, “se acha”. Com esse ‘arsenal’, o de cinquenta palavras, temos, por exemplo, apresentadores (?) e mais apresentadores (?) de TV... fazendo a cabeça de muita gente. Meu Deus!


    

2 comentários:

  1. Aaah, até que enfim saiu um texto-desabafo seu sobre o (bendito) possuir. Adorei! Terminei ontem um artigo científico sobre Sociolinguística com embasamento na obra "O preconceito linguístico" do Bagno, ele é ótimo! Abraços meu amigo, é sempre bom passar por aqui!

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  2. Obrigadíssimo, Maressa, pela "visita" a este "blog". É sempre honroso à beça tê-la por aqui e por perto. Pois é, minha "perseguição" ao "bendito" POSSUIR continua... e com força! Há dias, por exemplo, encontrei algo assim: "Fulano de tal POSSUI 21 anos e é aluno de Letras". Deus meu!! Por que não empregou o TER? Beijos.

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