quinta-feira, 21 de abril de 2011

O BICHO-PAPÃO

Fábio Brito

Sempre que anunciam "prova do ENEM", o Exame Nacional do Ensino Médio, minha caixa postal fica abarrotada: muitas pessoas enviam-me as denominadas "pérolas" desse EXAME, cuidadosamente selecionadas e acompanhadas de sarcásticos comentários. Esse quadro seria cômico, se não fosse tão preocupante, tão trágico. O que vejo nessas “pérolas”, e em diversas redações de vestibular, não é simplesmente um “amontoado” de lugares-comuns, mas, em muitos casos, a desagregação do curso do pensamento. Assustador isso.           
Não podemos esquecer que essas tais "pérolas" vêm de um fosso assustador: a falta de expressão de jovens sem discurso. Além de comprovarem que nossa juventude 'articula mal o pensamento', também encobrem outros males cujas raízes são bem profundas e têm sua origem, basicamente, em quatro troncos (vou denominá-los assim) bem conhecidinhos: FAMÍLIA, ESCOLA, PROFESSORES e ESTADO.            
De cara, um susto: por que PROFESSORES ? Contradição? Nada disso! A explicação é bem simples: muitos profissionais da educação – não só os professores - não leem. Foquemos, pois, os professores: todos, independentemente da disciplina que ministram, precisam de muita (muita mesmo!) leitura, a fim de que saibam usar - com competência - a língua. Entretanto, quando interrogados sobre esse mal que ‘não’ os aflige (que pena!) há tempos, as respostas (ou seriam desculpas?) são muitas: falta de estímulo, alto preço dos livros (ou das revistas, ou dos jornais), baixos salários... e por aí vai. Claro que esses fatores não devem ser descartados pura e simplesmente. Não há como negá-los. No entanto, eles não podem ser eternamente usados como escudo para a incapacidade que muitos têm de lidar com a linguagem em seus diversos aspectos, sejam eles sociais, políticos, antropológicos, culturuais. Confesso que estou um pouco cansado dessa ladainha, dessa cantilena, dessas desculpas, dessa eterna vocação para vítima.
               Nessa história (triste história!) acerca da falta de expressão de nossos jovens, que papel cabe à FAMÍLIA? O mesmo que cabe ao professor: de agente que também fomenta a "desexpressão" de crianças e jovens. Sempre digo que são poucas as chances de uma criança tornar-se leitora se seus pais (ou irmãos, ou primos, ou tios, ou avós...) não leem, se a leitura não faz parte de seu dia a dia, se não é algo natural para as pessoas da casa. A criança também aprende por observação, o que não é novidade para ninguém. Se ela puder ver pessoas próximas lendo, terá grandes chances de ser leitora, de desenvolver o prazer (não é hábito!) da leitura, de gostar de ler, de envolver-se com o que lê, de exercer sua cidadania, de enfrentar o mundo. No entanto, se a família nada lê... 
              Indo mais adiante, focando o ESTADO, importante frisar que os problemas que envolvem políticas educacionais e culturais não são de hoje. É sabido que, quando colônia, nosso país não teve qualquer apoio quanto ao que chamamos desenvolvimento cultural, é claro! Fica evidente, assim, que as raízes desse mal - o problema da cultura, da leitura - vêm de longe, são bem antigas.  
               A ESCOLA, outro tronco, também tem sua responsabilidade... e grande. Bem disseram que a escola escolariza, mas não cria o leitor e, consequentemente, o competente produtor de textos. Ela manda ler e escrever, mas não ensina a ler e a escrever. Por incrível que possa parecer, a ESCOLA tem imensa responsabilidade na não formação de leitores. Que esquisito, não? É preciso entender que, primeiro, escolariza-se; depois, educa-se por meio da cultura e da arte. Não é difícil compreender isso.
Outro ponto nevrálgico é a fragmentação do conhecimento (e da capacidade de racionar) por meio do isolamento das disciplinas, que, em muitas escolas, ainda se mostram como compartimentos estanques. A tão decantada interdisciplinaridade - de fato - não existe. O que há é um arremedo disso.
Se a leitura está inserida em quadro tão desalentador em nosso país, como discutir cidadania e possibilitar que as pessoas possam exercê-la? Falam, falam e falam em democracia. No entanto, o que vejo é muito mais uma democracia do voto do que da cidadania. Leitura é um modo de viver, de ser, de estar no mundo, de desafiá-lo, de enfrentá-lo. Parafraseando Schopenhauer, o prazer da leitura não está no que se lê, mas naquilo que se faz com o que se lê.

2 comentários:

  1. "Não podemos esquecer que essas tais "pérolas" vêm de um fosso assustador: a falta de expressão de jovens sem discurso." Isso que o senhor expõe é tenebroso. No entanto, necessário. Contrariando a propaganda, diga-se de passagem; muito bem pensada, da Coca-Cola: Para cada leitor existem, pelo menos, uns dez desconhecidos da tal leitura. Precisamos de mais Fábio(s) por este país.

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  2. Rodrigo e Maycon, precisamos, sim, de mais "Bixudipés". Abração,

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