quinta-feira, 21 de abril de 2011

O MÉDICO PODE SER O MONSTRO

  Fábio Brito

            “Duas amígdalas!” Eis a resposta que recebi de uma amiga quando perguntei como ela se sentia ao sair de um consultório médico. Resposta curta, precisa, direta. Com os dedos indicador e médio, ela imitou duas perninhas “andando”, ou seja, as duas amígdalas em que ela “se transformara”. Se o problema estava somente nas benditas amígdalas, por que razões o médico haveria de perder tempo olhando o todo? Bobagem! E isso já faz uns 10 anos. De lá ‘pra’ cá, passei a ficar ainda mais atento quanto aos atendimentos médicos.
            Sei que muitas pessoas não me deixam mentir e ainda lembram que, há um tempo, havia os chamados “médicos de família”, diferentes, pois, desses que só enxergam as amígdalas. Eram os tais “médicos de antigamente”. Não raro, a simples presença desses profissionais, dessas PESSOAS, que eram meio ‘psicólogos’, representava muito para a cura da enfermidade. Não é difícil saber o porquê disso: antes de tudo, o paciente era ouvido, era respeitado. Tinha espaço e liberdade para contar sua história, o que ajudava (e muito!) a localizar a origem da doença, do mal, e, consequentemente, promover a cura. Como pagamento, principalmente os que atendiam no interior, recebiam galinhas, verduras, frutas, legumes... Já ouvi relatos e mais relatos sobre isso.
            Durante quase quatro anos, passei pela experiência de trabalhar na área da saúde, onde pude, então, conhecer Médicos e médicos (vou separá-los assim, por meio das iniciais). Os médicos eram aqueles desprovidos do que chamo de – sejamos elegantes – amor a seu ofício. Exatamente por isso, quando possível, eram evitados: muitos pacientes só os escolhiam se não houvesse mais “números” para os Médicos (o número de consultas/dia era – e ainda ‘o’ é - limitado). Pois é, até que aceitavam os “das amígdalas”, mas só em último caso. Às vezes, algumas pessoas preferiam “perder a viagem” a consultar os “das amígdalas”. Voltariam, se fosse o caso, em outro dia. A esperança de uma consulta - mesmo que levasse muito tempo - com um Médico era mais forte do que a certeza de que seriam atendidas por um médico.  
Os Médicos, por sua vez, eram quase bentos, quase santos. Eram idolatrados mesmo. Ouso dizer que grande parte dessa admiração, ou dessa idolatria, era decorrente não tanto da inquestionável competência, mas da humanidade desses profissionais. Eles eram, e ainda ‘o’ são, gente à beça. Nunca deixaram “morrer o gesto humano”* na medicina. Antes de tudo, as pessoas querem gente atendendo, não robôs que nem sequer levantam a cabeça. Desde o momento em que alguém entra no consultório, os olhos de todos os médicos não saem do receituário (ou, em versão mais atualizada, do monitor). Dessa minha experiência na saúde até hoje, já se passaram vinte e seis anos, mas, para mim, a divisão entre Médicos e médicos continua existindo. É bem provável que ela esteja até mais acentuada.
 Há uns meses, quando minha saúde fraquejou um pouco, encontrei Médicos e médicos em minha peregrinação, que atingiu a marca de vinte e um profissionais (é provável que venha mais algum por aí). Alguém, certamente, deve perguntar o porquê de tantos, não é? Fácil responder. É por causa das tais “especialidades”. E a “coisa” é mais complicada ainda. Na ortopedia, por exemplo, há os “especialistas” em joelhos, em cotovelos e por aí vai. Se alguém precisar de um oftalmologista, pode ser que seja necessário procurar um especialista em íris. Incrível, não? Minha sensação é esta: estamos esquartejados. É um funil mesmo. Somos obrigados, pois, a esquecer o todo e pensar somente nas partes. Parece que é essa lei. No entanto, nada garante que determinado especialista seja bom na “parte que lhe cabe” (deveria ser, não?!). Aí, então, começa outra corrida, mais estressante ainda.
Nesse martírio atrás do especialista do especialista, do melhor do melhor, a irritação, o nervosismo e a insegurança só aumentam. Não há garantias de nada. Cheguei até a ouvir que o resultado de uma ultrassonografia, por exemplo, depende do profissional que a ‘faz’. E aí?, perguntei. Não tive resposta. Ou melhor, tive, mas é melhor nem comentar.  


*Ref.: letra da canção “Navegante” (Sidney Miller).



2 comentários:

  1. "Via Crusis" é o que é!
    Já comecei a minha. Depois te conto.

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  2. Tomara que a sua "via-crucis" seja bem curta, meu amigo, porque, na minha, houve - e continua havendo - bem mais "estações" do que as que estamos acostumados a ver. Eta! Mas saio dessa! Beijos,

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