quinta-feira, 5 de maio de 2011

A INTÉRPRETE DE NOEL



Gerações mais recentes só conheceram Aracy de Almeida como jurada, no estilo ranzinza’, de programas de calouros. Entretanto, esse patrimônio da Música Popular Brasileira foi a grande intérprete de Noel Rosa. Isso é indiscutível. Em Samba é Aracy de Almeida, seu indispensável disco de 1966, escreveu Aloysio de Oliveira: “Samba, samba mesmo, deve a Aracy de Almeida uma enormidade. Nossa Aracy é aquela força que vem do samba e que ninguém como ela pode transmitir com tanta fidelidade. Ouvir Aracy é ouvir o samba de ontem, o de hoje e o de amanhã. O tempo é o próprio samba que nunca irá acabar, porque existe uma Aracy”. César Ladeira, que a levou para a Rádio Mayrink Veiga, atribuiu-lhe o cognome “O samba em pessoa”. Duvidar? Quem há de. Sua voz era pungente. Com seu timbre ‘anasalado’, Aracy era afinadíssima. E ela sabia disso. Tinha certeza de que era uma grande cantora, uma grande intérprete. E, como tal, sabia avaliar o trabalho alheio. Daí sua participação, como jurada, nos tais programas de auditório. Era daquelas que conheciam muito bem seu ofício e o dominavam com maestria. Nesse disco de 1966, é insuperável seu registro de Três apitos, de Noel: “Quando o apito / Da fábrica de tecidos / Vem ferir os meus ouvidos / Eu me lembro de você (...)”. Nessa gravação, é visível a inteligência interpretativa de Aracy. Imperdível! Ela foi, como disse Rodrigo Faour, “uma mulher muito à frente de seu tempo. Frequentava o meio musical machista de sua época com a cara e a coragem, seja nas rádios ou nos botequins, sendo uma das primeiras cantoras da MPB a obter sucesso em disco – em meados da década de 30 (...)”. Taí a grande transgressora Aracy de Almeida. Tenha pena de mim, de Cyro Moura de Souza e José Gelsomino (seria o mesmo Babaú?), gravada em 1937, tem letra ótima e mereceu uma gravação antológica de Aracy: “(...) Trabalho, não tenho nada / Não saio do miserê / Ai, ai, meu Deus / Isso é pra lá de sofrer (...)”. “Pra lá de sofrer” é coisa de mestre. No entanto, não basta a maestria de quem compõe. É preciso sapiência também de quem interpreta. E isso a “Dama do Encantado” tinha de sobra.


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