segunda-feira, 2 de maio de 2011

UMA SENHORA INTÉRPRETE


Ouvi Clara Sandroni pela primeira vez no disco que o Milton gravou em 1985, Encontros e despedidas. A canção era A primeira estrela, parceria do próprio Milton com Tavinho Moura e Túlio Mourão: “Nosso irmão / Senhor das manhãs / Traz uma estrela deusa, lua novidade / Velho coração de prata de lei / Na mão, uma flor iluminada, acesa / Clara, clara, clara, clara paz (...)”. Deixei o disco tocando e, quando chegou essa faixa, parei: de quem é essa voz? Clara cantava a primeira parte; Milton, a segunda. As vozes vinham “lá do fundo” e tocavam fundo. Com o encarte na mão, vi que se tratava da Clara Sandroni, que eu, até então, não conhecia, apesar de o sobrenome não ser estranho a meus ouvidos. A voz, para mim, guardava semelhanças com a da Nana Caymmi, não sei por quê. Foi a cantora em quem pensei naquele momento. Talvez eu tenha lembrado o dueto magistral da Nana com o Milton em Sentinela. Engraçado que, quando vi uma foto da Clara, achei que a voz não combinava com a imagem. Estranho, não? Ouvindo-a, não parecia a voz de uma moça, mas de uma senhora. Adorei! Uma emissão forte, uma voz potente. Uma senhora intérprete. Curiosidade das curiosidades, Clara gravou Guardanapos de papel antes do Milton: “Na minha cidade tem poetas, poetas, poetas / que chegam sem tambores nem trombetas, trombetas e sempre aparecem quando menos aguardados, guardados, guardados / entre livros e sapatos, em baús empoeirados (...)”. É minha preferida entre as maravilhas que essa moça gravou. No mesmo disco em que há Guardanapos..., há uma gravação de Super-homem, do Gil, que é magistral: “Um dia, vivi a ilusão / De que ser homem bastaria / Que o mundo masculino / tudo me daria / Do que eu quisesse ter (...)”. Clara não está na mídia. Muitas intérpretes do quilate de Clara não estão na mídia, porque estão muito acima da média, do nivelamento por baixo. Para estar na mídia, é necessário estar bem abaixo da linha da mediocridade. Nem é necessário dizer quem está, não é? Basta sintonizar qualquer rádio. O mau gosto impera: quando não é o “bate estaca”, é o eterno “preciso-de-você-agora-se-você-me-deixar-prefiro-morrer”. É preferível catar coquinho a ouvir isso.  Ouçamos, pois, Clara Sandroni, qualidade a toda prova.



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