Conheço poucos artistas tão transgressores quanto Zezé Motta, nossa eterna Xica da Silva. Nunca me esqueço da capa de seu disco Zezé Motta (de 1978): uma negra dadivosa, linda, com batom escuro, pulseiras nos braços e seios quase à mostra, porque cobertos – em parte - apenas por umas plumas. Até hoje, Zezé é, para mim, a pessoa que melhor assumiu, com pompa e circunstância, sua negritude. Um luxo! E o repertório desse disco? Simplesmente maravilhoso. Adjetivar muito seria chover no molhado. Para começar, Muito prazer Zezé (Rita Lee / Roberto de Carvalho), composta especialmente para ela: “Muito prazer eu sou Zezé / Mas você pode me chamar como quiser / Eu tenho fama de ser maluquete / Ninguém me engana nem joga confete (...)”. Ao fim da canção, é a ‘própria’ Xica da Silva quem dá as risadas. Maravilha! Trocando em miúdos (Francis Hime / Chico Buarque) encontrou em Zezé sua melhor tradutora: “Eu vou lhe deixar a medida do Bonfim / Não me valeu / Mas fico com o disco do Pixinguinha sim / O resto é seu (...)”. Aqui, o luxo dos luxos fica por conta do charme e da sensualidade na pronúncia de palavras como “alarde”, “identidade”, “saudade”, “tarde”. Irresistível. É a interpretação de que a canção necessitava. Magrelinha (Luiz Melodia) também está nesse disco: “O pôr do sol / Vai renovar, brilhar / De novo seu sorriso / E libertar da areia preta / E do arco-íris / Cor de sangue (...)”. Que canção esplêndida! A intérprete não poderia ser outra. Em Dengo (1980), eis que Zezé traz, para meu deleite, Bola de meia, bola de gude (Milton Nascimento / Fernando Brant), cuja letra sempre cito, em especial estes versos: “(...) E não posso aceitar sossegado / Qualquer sacanagem ser coisa normal (...)”. Zezé, mais uma vez, arrasou. Seu grave macio não deixa ninguém indiferente. Poço fundo, também de Dengo, é uma das grandes letras do Gil: “Eu sou um poço fundo / Um mundo de mistérios (...)”. Definitiva a gravação de Zezé. Jorge Ben foi quem compôs Xica da Silva. Zezé não é somente a Xica do cinema. A intérprete da canção também só poderia ser ela: “Xica da, Xica da, Xica da Silva / A negra / De escrava a amante / Mulher do famoso tratador João Fernandes (...)”. Sobre Senhora liberdade (Wilson Moreira / Ney Lopes), um de seus maiores sucessos, é a própria Zezé quem declara que a canta sempre “em forma de oração, por um Brasil melhor”: “Abre as asas sobre mim / Ó senhora liberdade / Eu fui condenado / Sem merecimento (...)”. Zezé Motta tem uma assinatura única, fortíssima.
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