quarta-feira, 4 de maio de 2011

'PRA' SEMPRE, XICA DA SILVA



Conheço poucos artistas tão transgressores quanto Zezé Motta, nossa eterna Xica da Silva. Nunca me esqueço da capa de seu disco Zezé Motta (de 1978): uma negra dadivosa, linda, com batom escuro, pulseiras nos braços e seios quase à mostra, porque cobertos – em parte - apenas por umas plumas. Até hoje, Zezé é, para mim, a pessoa que melhor assumiu, com pompa e circunstância, sua negritude. Um luxo! E o repertório desse disco? Simplesmente maravilhoso. Adjetivar muito seria chover no molhado. Para começar, Muito prazer Zezé (Rita Lee / Roberto de Carvalho), composta especialmente para ela: “Muito prazer eu sou Zezé / Mas você pode me chamar como quiser / Eu tenho fama de ser maluquete / Ninguém me engana nem joga confete (...)”. Ao fim da canção, é a ‘própria’ Xica da Silva quem dá as risadas. Maravilha! Trocando em miúdos (Francis Hime / Chico Buarque) encontrou em Zezé sua melhor tradutora: “Eu vou lhe deixar a medida do Bonfim / Não me valeu / Mas fico com o disco do Pixinguinha sim / O resto é seu (...)”. Aqui, o luxo dos luxos fica por conta do charme e da sensualidade na pronúncia de palavras como “alarde”, “identidade”, “saudade”, “tarde”. Irresistível. É a interpretação de que a canção necessitava. Magrelinha (Luiz Melodia) também está nesse disco: “O pôr do sol / Vai renovar, brilhar / De novo seu sorriso / E libertar da areia preta / E do arco-íris / Cor de sangue (...)”. Que canção esplêndida! A intérprete não poderia ser outra. Em Dengo (1980), eis que Zezé traz, para meu deleite, Bola de meia, bola de gude (Milton Nascimento / Fernando Brant), cuja letra sempre cito, em especial estes versos: “(...) E não posso aceitar sossegado / Qualquer sacanagem ser coisa normal (...)”. Zezé, mais uma vez, arrasou. Seu grave macio não deixa ninguém indiferente. Poço fundo, também de Dengo, é uma das grandes letras do Gil: “Eu sou um poço fundo / Um mundo de mistérios (...)”. Definitiva a gravação de Zezé. Jorge Ben foi quem compôs Xica da Silva. Zezé não é somente a Xica do cinema. A intérprete da canção também só poderia ser ela: “Xica da, Xica da, Xica da Silva / A negra / De escrava a amante / Mulher do famoso tratador João Fernandes (...)”. Sobre Senhora liberdade (Wilson Moreira / Ney Lopes), um de seus maiores sucessos, é a própria Zezé quem declara que a canta sempre “em forma de oração, por um Brasil melhor”: “Abre as asas sobre mim / Ó senhora liberdade / Eu fui condenado / Sem merecimento (...)”. Zezé Motta tem uma assinatura única, fortíssima. 

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