quinta-feira, 5 de maio de 2011

A VOZ NOTURNA DE NORA NEY



Quando Nora Ney surgiu, a maioria das cantoras tinham voz aguda e faziam malabarismos vocais quando prolongavam as notas. E faziam isso muito bem. Eram excelentes. Nora, por sua vez, surgiu com seu vozeirão grave mastigando as palavras e as notas musicais. Mais: cantou muito em inglês. Chegou, para usar um chavão, “nadando contra a correnteza”. E nesse rio também havia muitos outros “peixões”. É só listar as cantoras de sucesso na época em que Nora surgiu. Mesmo assim, ela impressionou deveras e conseguiu um espaço só seu, único. Ponto para a transgressão. Está na lista das deusas de Bethânia. Quem nunca ouviu Ninguém me ama, de Antônio Maria? Pois é, quem a imortalizou foi Nora Ney: “Ninguém me ama / Ninguém me quer / Ninguém me chama de meu amor (...)”. Aliás, Nora foi a grande intérprete de Antônio Maria. Adoro ouvi-la cantando Felicidade, do mesmo Antônio Maria (sempre Maria!) e João de Barro, o Braguinha, uma de minhas preferidas em sua voz: “Para que tanta ambição / Tanta vaidade / Procurar uma estrela perdida / Quase sempre o que nos dá felicidade / São as coisas mais simples da vida / Felicidade é uma casinha simplesinha / Com gerânios em flor na janela / Uma rede de malha branquinha / E nós dois a sonhar dentro dela (...)”. Minha mãe não se cansa de dizer que as ‘coisas’ mais importantes da vida são as mais simples. É isso aí. Com Nora Ney, entendemos isso perfeitamente. Simplicidade é a grande sofisticação. Há outras duas gravações da Nora que sempre ouço: Eu não sou flor que se cheire, de Sueli Costa e Hermínio Bello de Carvalho [“Eu não sou flor que se cheire / se afague, se toque, se pegue / eu não sou flor que se regue / pra fazer desabrochar / e sempre que me tocaram / os dedos saíram feridos (...)”], e Desapreço, também do Hermínio, mas em parceria com Cláudio Jorge [“Teu desapreço por mim / foi algo bem doloroso / feito um punhal me cravou / a alma, o olho, o pescoço / arranhaduras mais fortes / provocou este desprezo / e gostei menos de mim / e me unhei pelo avesso (...)”]. Ambas têm uma força interpretativa sem par. Que voz vigorosa! Nunca vou deixar de ouvir Nora Ney, patrimônio da MPB.


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