quinta-feira, 5 de maio de 2011

CARMEN INVENTOU TUDO



Talvez a grande transgressão de Carmen Miranda tenha sido, como ela mesma dizia, não ter voz, mas bossa. Carmen é precursora - e transgressora – quando o assunto é a coloquialidade ao interpretar. Mais transgressão impossível. Na década de 30, suas contemporâneas – como Aracy Cortes, por exemplo – tinham o teatro de revista como suporte e não primavam pelo cantar coloquial. Tudo o que Carmen gravou virou sucesso. Uma das canções de seu repertório de que mais gosto é Tic tac do meu coração (Alcyr Pires Vermelho / Walfrido Silva), regravada por Ney Matogrosso (“Seu tipo”, 1979) e por Nara Leão (“Nara”, 1967): “O tic tic tic-tac do meu coração / Marca o compasso do meu grande amor / Na alegria bate muito forte / Na tristeza bate fraco porque sente dor (...)”. O ritmo de Carmen é contagiante nessa canção, como o é em todas que ela gravou. A impressão que se tem é que ela está sempre sorrindo. Ela canta, em verdade, com um sorriso nos lábios. Isso fica muito claro quando a ouvimos. Sempre que se pensa em Carmen Miranda, pensa-se, imediatamente, na imagem da ‘baiana’, com frutas no turbante, muitos colares e muitas rendas. O que é que a baiana tem? (Dorival Caymmi), que ela gravou com a participação mais do que especial do próprio Caymmi, é um primor: “O que é que a baiana tem? / Tem torço de seda tem / Tem brinco de ouro tem / Corrente de ouro tem (...)”. Se mais não fosse, Carmen já merecia, só por essa canção, a imortalidade. É possível que, sem o saber, Carmen tenha sido usada – como afirmam muitos – na “política da boa vizinhança” com os EUA, o que teria ajudado a cristalizar a imagem de um Brasil caricatural.  Sociologias à parte, o que vale para este texto é o fato de ela ter ultrapassado fronteiras e vencido, ainda que tenha sido hostilizada por isso.  Outra de suas gravações primorosas é Camisa listada (Assis Valente): “Vestiu uma camisa listada / E saiu por aí / Em vez de tomar chá com torrada / Ele bebeu parati (...)”. Carmen brinca com a canção. Adeus batucada (Synval Silva) é uma das mais bonitas de seu repertório: “Adeus! Adeus” / Meu pandeiro do samba / Tamborim de bamba, já é de madrugada... (...)”. Todo o mundo, depois de Carmen, passou, com certeza, a valorizar muito mais a música popular brasileira. Ou melhor: a Música Popular Brasileira. Bem disse Ruy Castro, autor de Carmen – uma biografia, no texto do encarte do CD “Carmen Miranda hoje”: Carmem é “a cantora que inventou tudo e da qual todos os cantores de bossa brasileiros são devedores”. Impagável essa dívida.

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