quarta-feira, 4 de maio de 2011

INTIMIDADE COM O CANTO



Revelada em 1970 no programa Um instante, maestro!, apresentado por Flávio Cavalcanti, Célia está entre minhas cantoras preferidas. No livro Meu mundo caiu: a bossa e a fossa de Maysa*, de Eduardo Logullo, o autor relata um episódio ótimo: quando Cavalcanti perguntou a Maysa “que conselhos” ela “daria a uma cantora iniciante”, a resposta, relatada pela própria Célia, foi esta: “Ela pegou o microfone, me encarou e disse apenas isto: ‘Flávio, a uma cantora como ela, a gente não dá conselhos. A gente pede conselhos’”. Com um aval desses...  Célia gravou com o violonista Dino Barioni Faço no tempo soar minha sílaba, título extraído de Dois e dois, canção de Caetano Veloso que abre o CD. Indispensáveis: o disco e Célia. Em 2000, juntamente com Zé Luiz Mazziotti, gravou Pra fugir da saudade, só com canções de Paulinho da Viola. No repertório, entre as muitas obras-primas do elegante Paulinho, está Onde a dor não tem razão (Paulinho da Viola e Elton Medeiros): “Canto pra dizer que no meu coração / Já não mais se agitam as ondas de uma paixão / Ele não é mais abrigo de amores perdidos / É um lago mais tranquilo, onde a dor não tem razão (...)”. Em 2010, a diva lançou “Célia – 40 anos – O lado oculto das canções”. Entre os destaques, “Sonhos” (Peninha), sucesso do próprio Peninha em 1977, regravado por Caetano Veloso em 1982: “Tudo era apenas uma brincadeira / E foi crescendo, crescendo / Me absorvendo / E de repente eu me vi assim / Completamente seu (...)”. Os graves de Célia, emoldurados pelo belo arranjo de Robertinho de Carvalho, deram à canção de contornos bem populares um toque de classe. Que prazer ouvir Célia em plena forma, no auge. Essa moça, quando canta, é luxo só. Onde estão os tamborins ficou imortalizada em sua voz, assim como Adeus, batucada, ambos sucessos de Carmen Miranda. Certa vez, no programa TV Mulher (lembra?), ouvi-a cantando Açucena, de Ivan Lins e Vitor Martins, e fiquei fascinado: “E quando sinto um cheiro de jasmim / Te vejo açucena cuidando de mim (...)”. Sua voz é daquelas que enchem a sala, o carro e nossa vida. Não perca Célia de vista. Ela é imprescindível. Gostaria de ter todos os seus discos, que primam pelo refinamento, pelo bom gosto. Em seu Louca de saudade, de 1993, está uma de minhas preferidas em sua voz, Ave Maria, de Vicente Paiva e Jaime Redondo: “Ave Maria nos seus andores / Rogai por nós, os pecadores / Abençoai essas terras morenas (...)”. É muita beleza! Quando ouço Célia, tenho a impressão de que cantar é algo muito fácil, tamanha é sua intimidade com o canto. “Falando de amor” (Tom Jobim), com participação de Jane Duboc, também de “Louca de saudade”, ilustra bem essa intimidade entre Célia e o ato de cantar: “Se eu pudesse por um dia / esse amor, essa alegria / eu te juro, te daria (...)”. Célia é soberana. É transgressora porque não se vende ao sucesso fácil. Só grava o que há de melhor. Mantém sua “integridade artística”. Só grava aquilo de que gosta. Viva, Célia!

*LOGULLO, Eduardo. Meu mundo caiu: a bossa e a fossa de Maysa. Osasco, SP: Novo Século Editora, 2007.

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