quinta-feira, 5 de maio de 2011

DIRETO AO CORAÇÃO



Da Bahia (mas ela nasceu no Rio), vem uma flecha direto ao coração: Nana Caymmi, a filha mais velha de Dorival e Stela Maris. O clã dos “Caymmis” é muito chique, não? Nana é intérprete visceral, da tradição de Billie Holiday. É daquelas que “cantam com o útero”. Transgride mesmo. Canta com tudo. É uma das preferidas de Bethânia. Para o pesquisador musical Ricardo Cravo Albim, a voz de Nana parece aquelas frutas maduras, suculentas,  à espera da mordida. E que fruta deliciosa, penso. É possível que o grande público só tenha tido acesso à voz de Nana quando foi ao ar a minissérie Hilda Furacão. Difícil esquecer os versos, a melodia e a voz de Reposta ao tempo, de Aldir Blanc e Cristóvão Bastos: “Batidas na porta da frente / É o tempo / Eu bebo um pouquinho / Pra ter argumento / Mas fico sem jeito, calado / Ele ri / Ele zomba / Do quanto eu chorei / Porque sabe passar / E eu não sei / Num dia azul de verão / Sinto o vento / Há folhas no meu coração / É o tempo (...)”. Que letra linda, linda! Mais tarde, outras vozes também registraram essa canção. Tudo em vão. Impossível não ouvir por trás a de Nana. É covardia. Essa canção ficou definitiva em sua voz. Até hoje, uma gravação que muito me toca é A minha valsa (‘Le valse de lilas’), de Michel Legrand e versão de Ronaldo Bastos: “Quem tentou viver / Assim que nem você / Trocou o sim por causa de um talvez (...) / Por algumas folhas de melancolia / Você fechou o livro que se abria / E acreditou que tudo tinha fim (...)”. Em “Você fechou...”, esse ‘fechou’ é lindo à beça. Toda a emoção da voz da Nana está aí. Há outras gravações antológicas da poderosa Nana: Voz e suor, por exemplo, o disco que ela gravou com César Camargo Mariano, merece fazer parte de qualquer discografia que se preze, que se respeite. Aliás, todos os discos de Nana são antológicos. Quem nunca ouviu sua gravação de Fruta boa, do Milton e do Brant, não sabe o que está perdendo: “Saboroso é o amor, fruta boa / Coração é o quintal da pessoa / É gostoso o nosso amor / Renovado é o nosso amor / Saboroso é o amor madurado de carinho (...)”. O encontro da Nana com o Milton em Sentinela é algo fora deste mundo terreno: “(...) Longe, longe ouço essa voz / Que o tempo não vai levar (...)”. O DJ Zé Pedro disse que Nana Caymmi o faz chorar. A mim também, Zé Pedro. Não sei se foi RoRo quem disse que, quando cantam, Bethânia dá um soco na dor; Nana, recebe o soco. Achei ótimo isso. Não sei o que há nessa voz. Certamente, algum mistério insondável. É melhor não vasculhar. Os recônditos bem secretos da alma devem permanecer quietos, intocáveis.

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