segunda-feira, 2 de maio de 2011

A VOZ É UM ESCÂNDALO


Cida Moreira não é uma cantora, como costumo dizer, mas um escândalo. Já ouvi o disco em homenagem ao Chico Buarque centenas de vezes. Jesus! Não consigo parar de ouvi-lo. É beleza ao extremo. Estação derradeira, por exemplo, ficou um deslumbre: “Rio de ladeiras / Civilização encruzilhada / Cada ribanceira é uma nação / Á sua maneira / Com ladrão / Lavadeiras, honra, tradição / Fronteiras, munição pesada / São Sebastião crivado / Nublai minha visão (...)”. Ouço esse “nublai” com especial atenção. A voz ‘se’ abre sem limites. E Balada do louco? Tenho vontade de pôr o som no último volume: “Dizem que sou louco / Por eu ser assim / Se eu sou muito louco (...)”. A voz de Cida Moreira, que é de enlouquecer, deveria ser “obrigatória” em todas as rádios, em todas as escolas de música. Sabe para quê? Para que esse povo que solta uns sons estranhos quando pensa que canta aprendesse a cantar. E como vende esse povo dos sons estranhos, não?! Que inversão de valores! Voltando ao disco em homenagem à obra buarquiana, há um registro ao vivo de Geni e o Zepelin impossível de não ser ouvido várias e seguidas vezes. A verve teatral de Cida está toda ali: “De tudo que é nego torto/ Do mangue e do cais do porto/ Ela já foi namorada (...)”. Mais uma interpretação magistral: Surabaya Johnny, versão de Duda Neves e Silvia Vergueiro para Das Lied Vom Surabaya, de Bertolt Brecht. Observe, atentamente, quando ela “canta/diz” este verso: “E tira esse cachimbo da boca, seu rato!” É espetacular. “Rato” passa a ser “rrrrrato”. Parece que estamos vendo-a gritar com alguém. Maravilha! Cida Moreira é simplesmente genial. Transgride ao ser dramática. É uma atriz no palco e no disco. Tempo e artista, uma das canções mais bonitas de Chico Buarque e do cancioneiro nacional, ganhou o luxo da voz encorpada de Cida Moreira e entrou para a posteridade: “Imagino o artista num anfiteatro / Onde o tempo é a grande estrela / Vejo o tempo obrar a sua arte / Tendo o mesmo artista como tela (...)”. É de ouvir inúmeras vezes. Certa vez, assistindo ao Programa do Jô, ouvi Adriana Calcanhotto dizer que não cantaria Mortaes (Adriana Calcanhoto) ali naquele programa de jeito nenhum. Motivo: Cida Moreira, que havia incluído essa canção em seu show, também estava presente. E Calcanhotto arrematou: disse que Cida cantava essa canção “duzentas” vezes (acho que foi essa a expressão) melhor do que ela. Cida Moreira é simplesmente fantástica. Salve, salve!

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