quarta-feira, 4 de maio de 2011

ELA NÃO É SÓ IRMÃ DO CHICO



Ter sido casada com João Gilberto e ser irmã de Chico Buarque não deve ser tarefa das mais fáceis. No entanto, Miúcha (ou “Miuchinha”, como diziam Vinicius e Francis Hime) transgrediu. Impôs-se. E o fez porque é uma cantora excelente. Sua gravação de Joana Francesa (Chico Buarque), que foi tema do filme de mesmo nome estrelado por Jeanne Moreau, é a melhor que já ouvi até hoje. Tudo na canção saiu perfeito: interpretação impressionante, francês corretíssimo e arranjo sublime. Está no vol. 1 do “songbook” de Chico Buarque: “Tu ris, tu men trop / Tu pleures, tu meurs trop /Tu as le tropique / Dans le sang et sur la peau / Geme de loucura e de torpor / Já é madrugada (...)”. Miúcha e nós viajamos na e com a canção. Observe como ela sobe lindamente nos versos “ton soleil, ta braise”. Que lindo! De seu “Miúcha.Compositores”, ouço sempre E daí? (Miguel Gustavo), também gravada pela eterna Maysa e por Gal: “Proibiram que eu te amasse / Proibiram que eu te visse / Proibiram que eu saísse / E perguntasse a alguém por ti (...)”. O andamento mais lento deu ainda mais beleza à canção. Do disco “Rosa amarela”, não dá para não citar a gravação de A mesma rosa amarela (Capiba / Carlos Pena Filho): “Você tem quase tudo dela / O mesmo perfume / A mesma cor / A mesma rosa amarela / Só não tem o meu amor (...)”, também gravada por Maysa em 1962. Sua releitura de João e Maria (Sivuca / Chico Buarque) ficou tão delicada quanto a do próprio Chico em dueto com Nara Leão: “Agora eu era o herói / E o meu cavalo só falava inglês / A noiva do ‘cowboy’ / Era você / além das outras três (...)”. Quando Bebel Gilberto estava na flor de seus 12 anos, “dividiu”, como disse Ronaldo Bôscoli, um Cálice (Gilberto Gil / Chico Buarque) com a mãe, Miúcha: “Como beber dessa bebida amarga / Tragar a dor / Engolir a labuta (...)”. Momento ímpar. Maninha (Chico Buarque), por exemplo, tem, para mim, a cara da Miúcha e do Chico. O dueto ficou mais que fraternal. Ficou comovente: “Se lembra da fogueira / Se lembra dos balões / Se lembra dos luares do sertão / A roupa no varal / Feriado nacional / E as estrelas salpicadas nas canções (...)”. Vale ressaltar a referência às eternas Chão de estrelas e Luar do sertão, clássicos dos clássicos. Em seu “Outros sonhos”, de 2007, mais uma vez ela foi fundo: gravou Eu te amo / “Dis-moi comment” (Tom Jobim / Chico Buarque) em português e em francês (numa mesma faixa), acompanhada de cello, piano e acordeon. Arraso total!

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