quinta-feira, 5 de maio de 2011

MEDALHA LUXUOSA



Em 1980, Gonzaguinha lançou “De volta ao começo”, que contou com a participação luxuosa de Marília Medalha em Achados e perdidos (Luiz Gonzaga Jr.), que integra um medley com Amanhã ou depois (Luiz Gonzaga Jr.) e Pequena memória para um tempo sem memória [a legião dos esquecidos] (Luiz Gonzaga Jr.). A grande intérprete, a capella, deixou-me simplesmente boquiaberto. A canção, junto com as outras duas, mostra com precisão a dor por que muitos passaram durante a ditadura militar aqui no Brasil. E a voz de Marília, lá das entranhas, dá a noção exata dessa dor, que é lancinante. Intérpretes incautos não chegariam a esse ponto da interpretação. Só os grandes têm a capacidade de fazer um trabalho de coautoria. O disco, um vinil emprestado por um amigo, demorou para sair de minha casa. Eu não parava de ouvir essa faixa. A voz, grave e marcante em alguns fonemas, causou-me impacto. Que voz impressionante! Vigorosa e carismática. Até então, as referências que eu tinha de Marília Medalha estavam restritas ao III Festival da MPB (da Record) de 1967. Ponteio (Edu Lobo / Capinan) foi a vencedora desse festival e teve Marília Medalha entre os intérpretes. Arraso total: “Era um, era dois, era cem / (...)”. Há pouco tempo, em um sebo no centro do Rio, eis que encontro um vinil de Marília Medalha. Para minha surpresa, o disco, além de ser uma raridade, ainda trazia, em um medley, O primeiro clarim (Rutinaldo / Klécius Caldas), sucesso de Dircinha Batista em 1970 e uma das músicas de que mais gosto e por que procurava há um bom tempo. O disco, “Caminhada”, de 1973, tem mais belezas ainda a oferecer: a primeira faixa é nada mais, nada menos que Caminhemos (Herivelto Martins). A interpretação de Marília é avassaladora: “Não, eu não posso lembrar que te amei / Não eu preciso esquecer que sofri / Faça de conta que o tempo passou / E que tudo entre nós terminou / E que a vida não continuou (...)”. Um ano antes, 1972, foi lançado “A canção e a voz de Marília Medalha na poesia de Vinicius de Moraes”. Nem é necessário dizer que se trata de outra obra-prima. Todas as faixas são fundamentais para a MPB. Ausência (Marília Medalha / Vinicius de Moraes), uma das preciosidades, é um exemplo de toda a beleza que exala do canto de Marília: “Deixa secar no eu rosto / Esse pranto de amor que a presença desatou / Deixa passar o desgosto / Esse gosto de ausência que me restou (...)”. Marília Medalha não poderia ter ficado distante das gravadoras, mas ficou. Marília Medalha faz diferença na MPB.

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